Introdução
Definição
Refere-se à perda de uma gravidez antes de atingida a viabilidade fetal (1,2). Considera-se precoce antes das 12 semanas (1,3). Pode ser espontâneo ou provocado (por opção, permitido até às 10 semanas em Portugal (4)); retido (retenção integral das estruturas embrionárias), incompleto (retenção de restos ovulares) ou completo (espessamento endometrial
São várias as possíveis causas, sendo a mais comum as anomalias intrínsecas do produto de conceção, sobretudo cromossomopatias. Outras possíveis são doenças maternas, trombofilias, anomalias uterinas, entre outras (1-5).
Epidemiologia
Cerca de 10-15% das gestações clínicas, 80% no primeiro trimestre (1,3).
História Clínica
Anamnese
A anamnese cuidada é fundamental nestas situações. A data da última menstruação e a realização prévia de ecografia permitem determinar a idade gestacional e inferir sobre possibilidade de diagnósticos diferenciais.
Na avaliação da sintomatologia, deve questionar-se a existência de hemorragia vaginal, sua duração, quantidade, factor desencadeante e sintomas associados como dor, tonturas ou perda de consciência. Deve também questionar-se sobre a existência de sintomas urinários ou anais, que podem ser confundidos com queixas genitais (1-3,5).
A grávida deve também ser questionada relativamente aos antecedentes obstétricos e cirúrgicos, grupo de sangue, doenças relevantes, medicações em curso e hábitos aditivos (1-3,5).
Exame objectivo
O exame objectivo deve consistir na avaliação dos sinais vitais e exame pélvico cuidadoso, sendo complementado com ecografia ginecológica (1-3).
A avaliação dos sinais vitais é fundamental, sobretudo em caso de hemorragia vaginal activa, de forma a deduzir a repercussão no estado geral da grávida e a sua estabilidade hemodinâmica, eventual necessidade de cirurgia urgente e possibilidade de aborto séptico (1-3).
O exame pélvico deve incluir a inspeção perineal, o exame com espéculo e o toque bimanual. A inspeção perineal permite observar lesões não genitais, que possam ser responsáveis pelas queixas (1). Ao espéculo é possível avaliar a perda hemática (quantidade e origem provável), existência de leucorreia purulenta (pela possibilidade de aborto séptico), lesões cervicais/vaginais e a existência de produtos de concepção a exteriorizarem-se pelo colo uterino (característico de um trabalho de abortamento em curso)
O toque bimanual cuidadoso deve avaliar a permeabilidade cervical (o colo tende a estar aberto nos trabalhos de abortamento), dimensão uterina (geralmente inferior ao esperado para a idade gestacional), dor pélvica com a mobilização do útero e a existência de tumefacções adjacentes ao útero (que podem levar à suspeita de infecção em curso ou gravidez ectópica) (1-3,5).
Diagnóstico Diferencial
Os principais diagnósticos diferenciais são: gestação inicial, ameaça de aborto, gravidez ectópica e doença trofoblástica gestacional. Para um correcto diagnóstico diferencial é crucial uma anamnese completa, exame pélvico cuidadoso e ecografia ginecológica. Por vezes torna-se necessária uma reavaliação da grávida para um diagnóstico conclusivo (1-3,5).
Exames Complementares
Patologia Clínica
O hemograma com hematócrito é importante quando se suspeita de perda hemática abundante. O leucograma será necessário em casos de suspeita de infecção (2).
O grupo de sangue é mandatório caso não exista confirmação do mesmo em estudos prévios (2,3).
O doseamento de B-hCG pode ser útil na avaliação de gestações iniciais sem tradução imagiológica e na realização dos diagnósticos diferenciais, sobretudo com valores seriados (1-3,5).
Imagiologia
A ecografia ginecológica endovaginal é fundamental, permitindo identificar a gravidez, sua localização, inferir a viabilidade e determinar a idade gestacional. Os critérios ecográficos de gravidez não evolutiva são: observação de embrião com comprimento craniocaudal ≥7 mm sem actividade cardíaca ou um saco gestacional >25 mm sem embrião visível (1-3,5).
Noutras situações pode considerar-se como diagnóstico provável (saco gestacional irregular, sem vesícula vitelina, de dimensões inferiores ao expectável), mas deve ser realizada reavaliação com imagem em 7-10 dias para diagnóstico efectivo (1-3,5).
Caso não se observe embrião >11 dias após observação de um saco gestacional com vesícula vitelina ou >14 dias se não se tiver observado vesícula vitelina, pode efectuar-se o diagnóstico de abortamento (3)
Tratamento
Cirurgia
O tratamento cirúrgico (curetagem/ aspiração uterina) está indicado se existe hemorragia abundante activa com repercussão hemodinâmica, aborto séptico, falha do tratamento expectante/ médico ou se estes não são possíveis por patologia materna.
Este tratamento implica hospitalização e instrumentação uterina. Embora raras, as principais complicações consistem em infecção, retenção de restos ovulares e lesões traumáticas do útero ou outras estruturas. Tem a vantagem de ser um tratamento rápido em tempo único (1-3).
Antibioterapia
A antibioterapia não está indicada em caso de aborto, excepto se há sinais infecciosos como febre, leucorreia fétida, dor na mobilização uterina e elevação dos parâmetros inflamatórios no estudo analítico realizado (1,2).
Algoritmo clínico/ terapêutico
O aborto pode ter tratamento expectante, médico ou cirúrgico. Caso não existam contra-indicações a decisão vai depender essencialmente da opção da mulher após esclarecimento médico (1-3,5).
É possível manter uma atitude expectante em ambulatório nas mulheres que o desejem, desde que não haja instabilidade hemodinâmica ou sinais de infecção. Esta opção tende a ser bem-sucedida naquelas com trabalho de abortamento em curso e em idades gestacionais mais precoces. Caso não ocorra expulsão pode seguir-se o tratamento médico ou cirúrgico (1-3).
A terapêutica médica pode ser realizada também em ambulatório, através da administração oral/ vaginal de prostaglandinas (misoprostol) cujo objectivo é induzir a expulsão das estruturas ovulares. Não deve ser realizado em grávidas com patologia hemorrágica, sinais de infecção, anemia grave ou com alergia ao misoprostol (1,3).
Este tratamento tende a associar-se a dor pélvica e a hemorragia vaginal mais abundante do que o tratamento cirúrgico, mas evita hospitalização e instrumentação uterina. Necessita também de reavaliação posterior. Em caso de falha da terapêutica médica está indicado o tratamento cirúrgico (1-3).
Deve ser administrada imunoglobulina anti-D a todas as grávidas Rh negativas, de forma a prevenir isoimunização Rh, a partir das 6 semanas de gestação ou no caso de tratamento cirúrgico (1-3).
Evolução
Em geral uma hemorragia vaginal ligeira tende a manter-se durante 2 semanas após abortamento. A mulher deve ser instruída a procurar aconselhamento médico caso a hemorragia seja abundante, surja febre ou dor pélvica (2).
O prognóstico após abortamento é favorável, não havendo complicações na grande maioria das situações. Sabe-se, no entanto, que uma mulher com um abortamento tem maior risco de abortamento no futuro, sobretudo em casos de aborto de repetição (1,3).
Recomendações
Não existe forma de prevenir um abortamento. No entanto, deve adoptar-se um estilo de vida saudável, com prática regular de exercício físico, abandonar hábitos nocivos como o tabagismo e o alcoolismo e manter um peso adequado.
Caso exista patologia materna identificada esta deve ser controlada, de forma a minimizar o risco numa gravidez subsequente (2,3).
Bibliografia
- Graça LM. Medicina Materno Fetal. Lidel, 5ª edição, Lisboa, Agosto de 2017.
- Tulandi T, Al-Fozan H. Spontaneous abortion: Risk factors, etiology, clinical manifestations, and diagnostic evaluation. UpToDate, Setembro 2018.
- The American College of Obstetricians and Gynecologists. Early Pregnancy Loss. ACOG Practice Bulletin Number 200, Agosto de 2018.
- Direcçao Geral da Saúde. Registo de Complicações de Interrupção de Gravidez. Definições e modelo de registo. Norma da DGS nº 001/2013, 29 de Janeiro de 2013.
- Royal College of Obstetricians and Gynaecologists. Ectopic pregnancy and miscarriage: diagnosis and initial management. Clinical Guideline. NICE 2012.
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