Diferença de comprimento / Dismetria dos membros
Introdução
O termo anisomelia / dismetria dos membros refere-se a desigualdades no comprimento dos membros, superiores a 1 cm. Consideram-se ligeiras de 1 a 3 cm, moderadas de 3 a 6 cm e graves se superiores a 6 cm.
Normalmente a criança nivela automaticamente a bacia encolhendo o membro mais comprido e a principal consequência é o aumento do consumo de energia em dismetrias superiores a 2-3 cm.
O facto de a criança ter uma dismetria não é causa de lombalgia ou escoliose no adulto. A evolução de uma dismetria depende da sua causa, podendo existir uma estimulação do crescimento ou uma inibição deste.
Epidemiologia
Varia entre 3 a 15% da população infantil.
Classificação:
As dismetrias podem ser classificadas como constitucionais ou adquiridas. As constitucionais resultam de alterações da estrutura do osso e da sua capacidade de crescimento. As adquiridas resultam de lesões externas ao osso.
Causas de dismetrias constitucionais:
Malformações congénitas
Envolvem a globalidade do membro, mas afectam especialmente uma parte dele (anca, coxa, perna e pé). A proporção do encurtamento em relação ao membro normal, mantém-se constante durante o crescimento permitindo a previsão da discrepância final.
A displasia de desenvolvimento da anca é uma das causas de dismetria detectada após o início da marcha e resulta do facto de a cabeça femoral se encontrar acima do contra lateral simulando o encurtamento.
Os défices congénitos na coxa ou perna são uma das causas mais frequentes de dismetria embora muitas vezes não diagnosticados correctamente. Para além do encurtamento, estão associados a graus variáveis de deformidade geralmente proporcional em relação ao encurtamento. A pseudartrose congénita mais frequente é a da tíbia - muitas vezes diagnosticada tardiamente - tem um prognóstico funcional mau.
B - Perturbações do crescimento
A hemihipertrofia focal ou completa, produz hipermetrias de progressão variável, com previsibilidade difícil. É necessário fazer uma observação completa para conseguir detectar um hipercrescimento que envolve um dos lados do corpo (face, membros superiores e inferiores); é muitas vezes diagnosticada tardiamente, estando frequentemente associada com tumor de Wilms, pelo que o rastreio ecográfico renal seriado não deve ser esquecido. A síndrome de Proteus produz quadros de gigantismo de localização e intensidade variáveis cujo tratamento é muitas vezes a amputação.
A hemiatrofia é mais rara e de causas variáveis.
C – Doenças ósseas constitucionais
A encondromatose múltipla, a displasia fibrosa, a doença de Von Recklinghausen e outras displasias ósseas que afectam directamente a estrutura óssea produzem quadros variáveis de encurtamento e deformidade. O tratamento destas situações é complexo e com prognóstico variável.
D – Causas vasculares
A síndrome de Klippel Trenaunay e outras associações com fistulas arteriovenosas simples ou múltiplas, produzem um hipercrescimento ósseo e de partes moles, de intensidade variável. Em alguns casos o tratamento causal pode deter a progressão da dismetria, mas o tratamento cirúrgico é muitas vezes necessário.
Causas de dismetrias adquiridas:
Doenças Neurológicas
A hemiplegia ocasiona dismetrias de gravidade ligeira a moderada que na maior parte dos casos não têm indicação cirúrgica. A poliomielite, embora praticamente extinta, apresenta um eventual recrudescimento, pelo que não deve ser excluída A artrogripose produz dismetrias sobretudo de causa mecânica, e a paralisia do ciático deve também ser tida em conta.
Patologia dos tecidos moles
Os aneurismas pós-traumáticos e algumas doenças do tecido conjuntivo também são uma causa de hipercrescimento de intensidade variável.
Infecções osteoarticulares
O estímulo de crescimento nas osteomielites pelo processo inflamatório provocado na metáfise adjacente, provoca em muitos casos um hipercrescimento mantido durante a duração da infecção activa. A destruição da cartilagem de crescimento, provoca encurtamento associado por vezes a desvio axial, tanto mais grave quanto menor a idade do doente. Os casos mais graves surgem no período neonatal e são muitas vezes sub-diagnosticados. Também podem surgir encurtamentos provocados por rigidez articular.
Trauma
A lesão da cartilagem de crescimento provocada por lesão traumática (fractura) pode de igual modo induzir encurtamento e desvios axiais. O encurtamento produzido em algumas fracturas por cavalgamento excessivo dos topos ou o hipercrescimento vicariante que ocorre em algumas fracturas com cavalgamento insuficiente ou nulo também deve ser considerado. De igual modo a iatrogenia em algumas osteotomias correctivas usadas na cirurgia ortopédica infantil, também pode ser a causa de hipermetria.
Origem mecânica
A deformidade secundária a necroses avasculares ou a epifisiólise capital do fémur, dão origem a encurtamentos de gravidade ligeira a média bem como problemas de rigidez ou limitação articular.
Posicionais
A contractura em adução do fémur pode simular um alongamento do mesmo modo que uma obliquidade pélvica pode provocar um encurtamento aparente.
História Clínica
Anamnese
A anamnese é orientada para o despiste das patologias subjacentes à dismetria (ver capítulo acima Causas de dismetria).
Exame objectivo
O exame objectivo sistematizado permite identificar a existência e a gravidade da dismetria, bem com identificar o segmento mais afectado, ou a combinação de vários.
A determinação do arco de movimento permite identificar bloqueios ou limitações articulares.
O envolvimento dos membros superiores e da face faz pensar na hipótese de uma hemihipertrofia.
A avaliação do tónus muscular e do tipo de marcha são igualmente essenciais para um diagnóstico correcto.
A medição das distancias entre a espinha ilíaca ântero-superior e o maléolo interno com uma fita métrica permite diagnosticar diferenças com uma precisão de 1 cm. Um dos sistemas mais eficazes é o da colocação de blocos de madeira de medida de altura conhecida sob o pé, até se obter o nivelamento aparente da bacia.
Diagnóstico Diferencial
Ver capítulo acima Causas de dismetria.
Exames Complementares
Imagiologia
As medições radiológicas devem ser efectuadas com esta compensação para uma avaliação ainda mais precisa. A radiografia extralonga deve ser usada em crianças mais pequenas e a medição segmentar é mais precisa a partir da pré-adolescência. O uso destes meios pressupõe uma avaliação seriada a partir da idade em que a criança colabora na realização do exame, e uma periodicidade variável entre 1 a 3 anos.
Objectivos gerais do tratamento
Nivelar a Bacia e evitar a claudicação, sem causar morbilidade ou risco excessivo, respeitando a altura mínima aceitável. O processo de alongamento, quando utilizado, deve por isso ser fraccionado dentro de limites definidos.
Planeamento
A severidade do caso, a previsão da altura e da dismetria no fim do crescimento determinam a escolha da técnica a utilizar: compensação, alongamento, encurtamento ou protetização.
Compensação
O uso de compensações pode ser utilizado em dismetrias superiores a 2-3 cm e devemos ter presentes os inconvenientes de ordem psicológica. O uso de um sapato compensado estigmatiza a criança como sendo diferente e tendo um problema de saúde. Por outro lado, o facto de não usar a compensação não é prejudicial e é suficiente usar apenas compensar 2 cm abaixo da dismetria real.
Epifisiodese
A Epifisiodese corresponde a um encurtamento (por bloqueio do crescimento) da altura final. É o método mais seguro e confortável para a correcção de dismetrias de 2 a 5 cm.
Tratamento
Avaliação e previsão de uma dismetria
Existem vários métodos que nos podem ajudar na escolha terapêutica mais adequada.
Método simplístico: é útil em casos de malformação congénita e dá uma estimativa grosseira: se aos 2 anos de idade em que a altura da criança atingiu metade da altura final, a diferença for de 3 cm, então a dismetria no final será de 6 cm.
Método aritmético: o fémur distal é responsável por 1 cm de crescimento e a tíbia proximal de cerca de 0,7 cm em cada ano. O sexo feminino atinge a maturidade aos 14 anos e o sexo masculino aos 16 anos. As tabelas de crescimento residual de Anderson e Green estão neste momento em desuso.
Multiplier (Paley): permite fazer a previsão de dismetria final a partir da multiplicação de um coeficiente variável segundo a idade e sexo pela dismetria conhecida inclusivamente durante o período fetal.
Método gráfico de Moseley: considerado o método standard. O planeamento deve ser realizando tendo em consideração a idade do diagnóstico, a gravidade e a previsão final da altura.
Tratamento Cirúrgico - Técnicas
Encurtamento (fechado)
As técnicas modernas de encavilhamento fechado com encurtamento são seguras e cómodas nos casos em que a epifisiodese já não é exequível.
Grampagem
A colocação de grampos de Blount na metáfise distal do fémur ou proximal da tíbia são um método seguro e rápido de conseguir a epifisiodese, mas com o inconveniente de necessitarem de remoção de material.
Epifisiodese percutânea (Phemister)
Tem a vantagem de deixar uma cicatriz muito menor que com o método anterior. Execução mais difícil.
Alongamento
O alongamento com recurso a fixação externa é o método de eleição para esta técnica, mas pressupõe a existência de estabilidade nas articulações adjacentes. Em teoria não deverá ser ultrapassado o limite de 20% de alongamento (4cm em tíbia de 20 cm por exemplo).Existem basicamente dois tipos de fixadores para alongamento os sistemas monolaterais tipo Orthofix / Dynafix e os sistemas em anel tipo Ilizarov,TSF, Truelock entre outros.
Protetização
O recurso a esta técnica com ou sem cirurgias prévias de amputação tem de ser encarado em função das possibilidades reais de sucesso em técnicas de alongamento.
Conclusões
A dismetria e as suas consequências são muitas vezes sobredimensionadas em relação á realidade, causando muitos consultas, exames e uso de ortóteses desnecessárias ou prejudiciais.
O tratamento da dismetria pressupõe uma avaliação seriada e correcta do caso clínico. Os aspectos psicológicos, culturais e as expectativas do doente e família em relação ao problema são muito variáveis e devem ser encaradas objectivamente. Os procedimentos cirúrgicos não são simples e têm um potencial de iatrogenia importante.
Evolução
Quanto maior for a dismetria pior o prognóstico.
O prognóstico das dismetrias ligeiras ou moderadas pode considerar-se bom, pois através de compensação, epifisiodese ou alongamento é possível conseguir um resultado funcional razoável e cosmeticamente aceitável.
A dismetria grave envolve mais complexidade no tratamento porque o que está em causa não é apenas a dismetria em si, mas também o envolvimento de articulações adjacentes e a duração do tratamento com as perturbações que acarreta para a criança e família.
Embora as dismetrias acima dos 20 cm sejam propostas convencionalmente para amputação e reconstrução protésica, com as modernas técnicas de alongamento será possível em teoria a reconstrução até aos 35 cm de desigualdade de comprimento.
A questão da funcionalidade de um membro submetido a processos reconstrutivos tão extremos, versus a utilização de uma prótese moderna em sequencia a um único procedimento cirúrgico, integrando as pulsões culturais, religiosas ou sociais que nos motivamos doentes e os seus pais, devem ser tidos em conta, sem esquecer que o principal factor de decisão devem ser sempre a relação custos / benefícios físicos, psicológicos e sociais para a criança.
Recomendações
O tratamento de uma dismetria especialmente do tipo grave, deve ser conduzida por equipa médica experiente. Deve ser evitada a realização de exames radiológicos especialmente do tipo extralongo, sem que uma avaliação realística da situação clínica o justifique.
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