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Introdução

Definição

O metabolismo é o conjunto das reacções celulares, organizadas em vias metabólicas e reguladas por enzimas que degradam (processo catabólico) ou sintetizam de novo metabolitos (processo anabólico), num sistema interligado, permitindo o funcionamento dos organismos.

Frequência

Estão descritas mais de 900 DHM e o seu número é crescente. São de um modo geral doenças individualmente raras (órfãs), com prevalência inferior a 1/2000. Contudo, no seu todo representam um número significativo de casos.

Causa

As doenças hereditárias do metabolismo (DHM) são causadas pela alteração de um gene, a unidade de ADN que codifica a síntese de uma proteína, levando à produção de uma proteína alterada ou em quantidade insuficiente. Habitualmente está em causa uma proteína com função enzimática, embora possa ser uma proteína com outras funções (ex: transportador de membrana). A alteração pode levar à ausência ou diminuição da função da proteína (Figura 1), ou, excepcionalmente, ao aumento. Em todos os casos, ocorre perturbação de uma ou mais vias metabólicas, com a consequente falta de degradação  / síntese dos produtos habituais e/ou formação de metabolitos secundários e/ou em quantidade aumentada.

Sinais e sintomas

As DHM podem apresentar-se em todas as idades, causar sintomas muito diversos, com origem em qualquer sistema do nosso organismo. Atingem frequentemente diversos órgãos.

As primeiras manifestações clínicas das DHM podem ocorrer em qualquer idade, sendo mais frequentemente no 1º ano de vida (metade dos casos). Com o melhor conhecimento destas patologias e o aumento da capacidade de obtenção de diagnósticos inequívocos, o número de diagnósticos cresceu enormemente, designadamente em adultos.

As DHM podem originar: sintomas agudos antenatais, neonatais e/ou nos primeiros meses de vida (sem / com dismorfismos); sintomas mais tardios, agudos, incluindo morte súbita e/ou recorrentes, com recuperação total ou parcial nos intervalos das “crises” ou sintomas crónicos e progressivos: neurológicos, gastrointestinais, musculares, cardíacos, osteoarticulares, oculares, etc, frequentemente em associação. É de notar que podem localizar-se a um órgão durante um período de tempo variável.

Para efeitos práticos, as DHM podem classificar-se em três grandes grupos:

Intoxicação - ex: fenilcetonúria, galactosémia. A acumulação de tóxicos resultante do bloqueio da via metabólica leva a uma intoxicação aguda e/ou crónica, progressiva. Pode haver vómitos, coma, doença do fígado, atraso de desenvolvimento / défice intelectual, entre outros. Frequentemente os sintomas são despoletados em situações de catabolismo exacerbado (ex: infecções, jejum prolongado, exercício físico intenso) e/ou pela dieta (ex: rica em proteínas).

Défice energético predomina a falha na produção / utilização de energia, com envolvimento dos principais órgãos produtores e/ou consumidores: fígado, músculo (cardíaco / esquelético) e cérebro. Os sintomas podem ou não estar relacionados com o estado de jejum e pode haver baixa de açúcar no sangue (hipoglicemia). Ex: glicogenoses, defeitos da oxidação dos ácidos gordos.

Doenças de “moléculas complexas” - sintomas permanentes, progressivos e habitualmente não dependem da dieta ou situações intercorrentes (ex: doenças lisossómicas).

Um grupo de DHM é detectado pelo rastreio neonatal a todos os recém-nascidos. Mais frequentemente, o diagnóstico é feito com base na suspeita clínica (sinais e sintomas) ou na história familiar de DHM.

Em consequência da sua diversidade clínica, as DHM podem confundir-se com muitas outras doenças. O diagnóstico, que pode ser orientado pelos resultados laboratoriais disponíveis em qualquer Serviço de Saúde, requer testes especializados (figura 2). Com a expansão dos estudos genéticos, que incluem “painéis de genes” para grupos clínicos (ex: hipoglicémias), “exomas de patologia” (genes associados a doença) e “exoma completo” (todos os genes que codificam proteínas), os doentes com diagnóstico inequívoco tem crescido, mas também os casos com alterações de significado incerto.

O que fazer

Em Portugal estão reconhecidos Centros de Referência (CR) de DHM (Despacho 9507-B/2015), integrados na respectiva rede europeia (MetabERN). Todos os doentes com DHM devem ser apoiados por um CR.

Um grande número de DHM não tem um tratamento específico, embora todos os doentes devam beneficiar de tratamento sintomático (ex: fisioterapia, antiepilépticos) e dos apoios socioeconómicos disponíveis. Tal como em todas as doenças crónicas, é muito importante a educação dos doentes e suas famílias.

As DHM tipo intoxicação (ex: fenilcetonúria) e as por défice energético com redução da tolerância ao jejum (ex: glicogenoses) podem ser objecto de terapêutica especifica, melhorando o prognóstico.

A fenilcetonúria foi a primeira DHM a ser tratada com dieta de restrição. A instalação insidiosa da clínica e a eficácia da intervenção terapêutica prevenindo os défices neurológicos, fazem do seu rastreio neonatal um caso de sucesso. O tratamento consiste na restrição de fenilalanina, de modo a manter os níveis plasmáticos dentro de certos limites. A dieta é restrita em proteínas naturais e suplementada com misturas de aminoácidos isentas de fenilalanina, a fim de se assegurar o normal crescimento e neurodesenvolvimento.

Este princípio geral aplica-se às doenças do catabolismo das proteínas, muitas das quais, ao contrário da fenilcetonúria, cursam com crises agudas. As misturas diferem, no entanto, no(s) aminoácidos (tóxicos) ausentes. Nas doenças do ciclo da ureia são ainda usados “quelantes” da amónia.

Em diversas DHM, o tratamento inclui a administração de vitaminas que actuam como co-enzimas, moléculas necessárias à funcionalidade das enzimas.

Nas doenças de intoxicação por açúcares (ex: frutosémia) que se manifestam por doença hepática, vómitos e hipoglicemia há reversão do quadro com a dieta de restrição específica.

A prevenção da hipoglicemia nos défices energéticos com intolerância ao jejum pode implicar a administração de glicose intravenosa quando a alimentação é ineficaz. Nas glicogenoses é importante a administração regular de hidratos de carbono (ex: amido), inclusive durante a noite. A base da terapêutica dos defeitos da oxidação dos ácidos gordos é banir o jejum prolongado.

Para algumas DHM das moléculas complexas existe terapêutica dirigida (ex: substituição da enzima), nomeadamente para um grupo de doenças lisossómicas, como a doença de Gaucher.

As DHM podem evoluir com manifestações agudas devidas a intoxicação e/ou défice energético, ameaçadoras da vida e impondo um tratamento de emergência.

Nas DHM tipo intoxicação deve suspender-se de imediato a ingestão dos precursores tóxicos. Nas intoxicações por aminoácidos (ou lípidos - defeitos da oxidação dos ácidos gordos de cadeia longa) é necessário parar o catabolismo, promovendo o anabolismo através da administração de glicose em doses elevadas. Devem ser accionadas medidas de desintoxicação, quando indicadas (ex: quelantes da amónia; técnicas de diálise)

Nas DHM com intolerância ao jejum a hipoglicemia deve ser tratada / prevenida com glicose intravenosa.

Algumas DHM que comprometem o metabolismo energético muscular (ex: défices da oxidação dos ácidos gordos, glicogenoses) podem apresentar-se com intolerância ao exercício e / ou crises de rabdomiólise (lesão muscular). O tratamento inclui híper hidratação intravenosa.

O transplante de órgãos poderá ser uma opção terapêutica em algumas DHM, em dois cenários: substituição de fígado, rim e/ou coração (por falência de órgão ou neoplasia maligna) ou fornecimento da enzima deficitária (ex: fígado em doenças do catabolismo proteico).

Indivíduos sem sintomas, com o diagnóstico de DHM (estudo familiar ou rastreio sistemático) de doença potencialmente grave, com tratamento especifico aprovado, podem beneficiar de tratamento “profiláctico”.

Evolução / Prognóstico

O prognóstico das DHM é muito variável, em função da doença, idade de apresentação e dos cuidados disponibilizados.

Na maior parte das DHM que cursam com descompensação aguda, o prognóstico vital e funcional depende do intervalo de tempo até ao início do tratamento de emergência específico. O episódio inaugural, antes do estabelecimento do diagnóstico, é, de um modo geral, o de pior prognóstico.

Prevenção / Recomendações

As DHM são doenças raras, pelo que é imperativo o trabalho “em rede”, a formação específica e a centralização dos cuidados, sem prejuízo da proximidade geográfica da sua prestação. A rede deve integrar as associações de doentes (Apofen, PL, FEDRA, CDG), cuja contribuição é da maior importância.

Um diagnóstico correcto e o estudo familiar poderão contribuir para a prevenção da recorrência de formas graves.

Em caso de suspeita de DHM e/ou de situações urgentes, devem ser contactadas as equipas multidisciplinares especializadas do CR regional.

Temas Relacionados

Abordagem Diagnóstica e Critérios de Referenciação de Doenças Hereditárias do Metabolismo em Idade Pediátrica e no Adulto - Norma 012/2017 -Direção Geral da Saúde (dqs@dgs.min-saude.pt).

Orphanet - www.orpha.net/national/PT

Programa Nacional de Rastreio Neonatal - www.diagnosticoprecoce.org

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