Traumatismos oculares
Introdução
Definição
O traumatismo ocular é uma lesão causada por um agente externo na órbita, no globo ocular ou nos anexos oculares.
Epidemiologia
O traumatismo ocular é uma causa frequente de cegueira unilateral em crianças e adultos jovens. É mais prevalente no sexo masculino. As causas mais comuns de traumatismos oculares nas crianças são os acidentes domésticos, as agressões, os acidentes de viação e as lesões na prática de actividades desportivas ou recreativas.
História Clínica
Anamnese
Na história clínica é importante saber qual o mecanismo do traumatismo. Deve-se verificar se existe perda da acuidade visual e se esta ocorre de forma progressiva ou súbita. Outros sintomas relevantes são a dor ocular, o olho vermelho, a fotofobia e a sensação de corpo estranho. Sempre que a lesão provocada não se adequa à história clínica deve-se suspeitar de maus tratos infantil.
Exame objectivo
No traumatismo das pálpebras deve-se avaliar a presença de hematoma, equimoses, edema e laceração palpebral.
No traumatismo da órbita é importante avaliar a acuidade visual, sinais peri-oculares - equimoses, edema e enfisema subcutâneo (verificar se existe crepitação subcutânea) e diplopia com os movimentos oculares (por hemorragia/edema da órbita ou por aprisionamento de um músculo)
No traumatismo do globo ocular é sempre importante avaliar a acuidade visual e procurar corpos estranhos superficiais (na córnea, conjuntiva ou fundos de saco conjuntivais inferior - baixar a pálpebra inferior com a criança a olhar para cima; e superior - fazer a eversão da pálpebra superior com a criança a olhar para baixo). Outros sinais relevantes são as lesões superficiais da córnea, as feridas da conjuntiva e as hemorragias subconjuntivais.
O traumatismo pode ser contuso, penetrante (onde existe uma porta de entrada, mas não uma porta de saída) ou perfurante (onde existe uma porta de entrada e uma porta de saída).
O traumatismo contuso pode originar um hifema, lesões da pupila, catarata, ruptura com prolapso de estruturas do globo ocular (iris, cristalino e humor vítreo), hemorragia do vítreo, descolamento da retina e lesão do nervo óptico.
Os traumatismos penetrantes provocam uma ferida na córnea ou na esclera. Existe o risco de presença de corpo estranho intraocular.
No traumatismo perfurante existe uma ferida anterior e outra posterior e o corpo estranho vai estar alojado na órbita.
No Síndrome da criança abanada não há sinais exteriores de traumatismo mas existem hemorragias intraoculares geralmente acompanhadas de hemorragias intracranianas.
Diagnóstico Diferencial
Alguns sinais podem ser sugestivos de traumatismo ocular sem que este tenha ocorrido. Esta situação é mais relevante em crianças pequenas quando não é possível uma história clínica.
Uma hemorragia subconjuntival nem sempre é sinal de traumatismo ocular. Também pode ocorrer numa conjuntivite, com a manobra de Valsalva (tossir ou espirrar), nas discrasias sanguíneas ou ser idiopática.
Um hematoma peri-ocular bilateral pode ser originado por uma fractura da base do crânio sem que haja traumatismo ocular directo.
Exames Complementares
Patologia Clínica
O diagnóstico dos traumatismos oculares é clínico. Por vezes há necessidade de complementar com exames imagiológicos.
Imagiologia
Sempre que há suspeita de corpo estranho intraocular, deve-se fazer uma ecografia oftálmica ou TAC das órbitas. Outras indicações para a realização de TAC das órbitas são a suspeita de fractura ou de hemorragia retrobulbar.
A radiografia também permite identificar a presença de corpo-estranho metálico embora não permita a sua localização precisa. Também pode ser útil para mostrar um traço de fractura mas nem sempre é visível na radiografia simples.
A RMN está absolutamente contraindicada na suspeita de corpo estranho metálico.
Tratamento
Cirurgia
A cirurgia está indicada sempre que existe uma ferida da córnea ou esclera e na presença de corpo estranho intraocular.
Os corpos estranhos superficiais podem ser removidos por um oftalmologista na lâmpada de fenda em crianças maiores ou no bloco operatório em crianças mais pequenas.
Algumas feridas conjuntivais e palpebrais não necessitam de sutura.
As fracturas da órbita necessitam de ser reparadas se houver aprisionamento de um músculo.
Outras indicações para cirurgia são alguns casos de hifema grave ou crónico, catarata traumática, hemorragia do vítreo e descolamento da retina.
Antibioterapia
Sempre que há um traumatismo ocular deve ser ponderado a utilização de antibióticos locais em colírio ou pomada para prevenir infecções principalmente no caso das feridas e corpos estranhos. Os antibióticos mais frequentes são o cloranfenicol, as quinolonas e os aminoglicosídeos.
Os traumatismos abertos têm indicação para antibioterapia sistémica e intraocular.
Algoritmo clínico/ terapêutico
Nos traumatismos oculares a terapêutica antibiótica é habitualmente empírica, mas sempre que necessário deverá ser realizada colheita para exame cultural.
Os corpos estranhos na córnea devem ser removidos por um oftalmologista. Na conjuntiva podem por vezes sair após lavagem abundante com soro fisiológico.
Quando existe uma lesão superficial da córnea é necessário fazer oclusão com penso oftálmico.
Nas queimaduras químicas também é fundamental a imediata lavagem do globo ocular com soro.
Evolução
Nas crianças até aos 11-13 anos de idade qualquer situação que possa comprometer a acuidade visual deve ser prontamente diagnosticada e tratada devido ao risco acrescido de ambliopia.
Recomendações
Guardar produtos químicos e objectos perigosos fora do alcance das crianças.
Utilizar cinto de segurança e cadeiras apropriadas no transporte de crianças em automóveis.
Os óculos de uso diário podem ser um fator agravante de lesão na prática de desporto.
Saber Mais
Glossário
Ambliopia: diminuição da visão sem causa orgânica aparente
Esclera: camada branca do globo contínua com a córnea anteriormente
Fotofobia: dor ocular com exposição à luz
Hifema: presença de hemorragia na câmara anterior do globo ocular
Retrobulbar: atrás do globo ocular
Vítreo: gel que ocupa o segmento posterior do globo ocular entre o cristalino e a retina
Bibliografia
- Browling B Kanski´s Clinical Ophthalmology 8th edition 2015.
- Bagheri N, Wadja B The Wills Eye Manual office and emergency room diagnosis and treatment of eye disease 7th edition 2016.
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