Menu

Introdução

A Síndrome de Rett (SR), OMIM 312750, é uma perturbação congénita do neurodesenvolvimento, predominante no sexo feminino.

A maioria dos casos de SR (95%) são causados por uma mutação no gene MECP2, localizado no cromossoma X, causando a sua inativação. Este gene codifica uma proteína expressa de forma abundante nos neurónios pós-mióticos, que contribuem para maturação e manutenção das sinapses. Assim, esta mutação causa alterações do normal desenvolvimento cerebral.

Em mais de 99% dos casos, o SR é esporádico, geralmente devido a uma mutação de novo, de origem paterna. Assim, os casos familiares são raros.

O facto de os sintomas, a progressão e a gravidade da doença serem muito variáveis entre indivíduos é explicado pela existência de mais de 250 mutações patogénicas conhecidas do gene MECP2.

Epidemiologia

A SR é uma síndrome que ocorre maioritariamente no sexo feminino com uma prevalência estimada de 1:9.000 em raparigas com menos de 12 anos. A sua prevalência global estima-se em 1:30.000.

História Clínica

O fenótipo da SR é amplo, dividindo-se em duas categorias principais: SR típico e SR atípico. Os sintomas aparecem, geralmente, em 4 fases distintas. De salientar que os indivíduos afetados podem não ter todos os sintomas que são descritos.

Síndrome de Rett típico

Fase I

As crianças com SR típico geralmente apresentam algum grau de hipotonia antes dos 6 meses. No entanto, têm um neurodesenvolvimento normal nos primeiros 8 a 16 meses de vida. A velocidade de aumento do perímetro cefálico está diminuída, ocasionalmente antes dos 3 meses. Esta diminuição na velocidade de aumento do perímetro cefálico pode culminar em microcefalia, que pode ser o primeiro sinal clínico da SR.

Entre os 6 e 18 meses, existe um período de estagnação do processo contínuo de neurodesenvolvimento. Geralmente existe perda de contacto ocular e do interesse em brincar.  Nalguns casos, as aquisições no neurodesenvolvimento podem manter-se a um ritmo muito mais lento.

Fase II

Entre os 1 e 4 anos, é clara a existência de regressão no neurodesenvolvimento, de forma brusca ou gradual, com perda de capacidades previamente adquiridas, particularmente nas áreas da linguagem e da motricidade fina. É nesta fase que têm, habitualmente, início os movimentos involuntários e estereotipados das mãos (por exemplo, bater palmas, movimentos de lavagem de mãos, entrelaçamento dos dedos e colocação repetida das mãos na boca), que desaparecem durante o sono.

Outros comportamentos associados incluem: características de perturbação do espetro do autismo, ansiedade, bruxismo durante a vigília, tremores, apraxia e ataxia (geralmente com persistência da marcha de base alargada). A epilepsia é frequente nas crianças com SR e surge comummente nestas idades.

A quantificação do défice cognitivo associado aos indivíduos com SR é difícil, pela marcada perturbação de linguagem associada.

Fase III

Posteriormente, até aos 10 anos, pode existir alguma melhoria funcional. Pode haver melhoria dos movimentos voluntários das mãos e na capacidade de comunicação (uso do apontar protoimperativo).

Fase IV

Nesta fase, habitualmente após os 10 anos de idade, verifica-se deterioração motora. É caracterizada por rigidez, fraqueza muscular, distonia com redução da mobilidade, sendo que alguns indivíduos perdem definitivamente a capacidade de deslocação autónoma.

A dificuldade alimentar é transversal aos indivíduos com SR, cursando com dificuldades de mastigação e deglutição, sendo os episódios de engasgamento e regurgitação frequentes. Estes podem dificultar a ingestão, com consequente afectação do crescimento estato-ponderal.

Outras comorbilidades do SR incluem: osteopenia, alterações cardíacas e problemas gastrointestinais.

Síndrome de Rett atípico

Inclui os doentes com SR com formas de apresentação e evolução distintas da típica:

Zapella variant: variante com preservação da linguagem. É uma forma menos grave da síndrome que se caracteriza com uma recuperação da linguagem, após regressão. Muitas crianças conseguem construir frases completas;

Hanefeld variant: variante com surgimento precoce de convulsões. Esta variante está associada a uma mutação distinta (gene CDKL5) que se caracteriza com o início de epilepsia entre as primeiras 5 semanas de vida e os 5 meses.

Rolando variant: variante congénita. Esta variante é caracterizada por hipotonia e atraso do desenvolvimento grave nos primeiros 6 meses de vida.

Diagnóstico Diferencial

O diagnóstico diferencial varia de acordo com a fase da SR. As patologias que se devem ser tidas consideração, em cada uma das 4 fases são:

Fase I: Hipotonia congénita benigna, Paralisia cerebral, Síndrome de Prader-Willi, Síndrome de Angelman e Trissomia 13.

Fase II: Perturbação do espetro do autismo, Síndrome de Angelman, encefalite, défices auditivos ou visuais, Síndrome de Landau-Kleffner, Esclerose tuberosa, Panencefalite, distúrbios metabólicos (Fenilcetonúria ou deficiência da ornitina transcarbamilase);

Fase III: Síndrome de Angelman, Ataxia espástica, Paralisia cerebral, Degenerescência espinocerebelar, Leucodistrofia, Distrofia neuroaxial; Síndrome de Lennox-Gastaut

Fase IV: Perturbação neurodegenerativa.

Exames Complementares

O diagnóstico da SR é baseado na identificação dos sintomas característicos, numa história clínica detalhada e um exame físico e neurológico completos. A deteção da mutação do gene MECP2 confirma o diagnóstico em doentes que preenchem os critérios de diagnóstico clínicos.

Os critérios de diagnóstico estão divididos em: critérios de diagnóstico principais, critérios de diagnóstico auxiliares e critérios de exclusão.

Os critérios principais incluem a perda parcial ou total da linguagem e do uso voluntário das mãos, alterações da marcha e o aparecimento de movimentos estereotipados das mãos.

Os critérios auxiliares incluem as alterações da respiração durante a vigília, bruxismo durante a vigília, alterações do tónus muscular, alterações do padrão do sono, escoliose, atraso do crescimento, mãos e pés pequenos, riso ou gritos inapropriados e resposta diminuída à dor.

Os critérios de exclusão incluem lesão cerebral secundária a trauma (pré ou pós-natal), doença neurometabólica ou infecção grave com compromisso neurológico e desenvolvimento psicomotor anormal nos primeiros 6 meses de vida.

Para efectuar o diagnóstico da forma típica de SR é necessária a observação de um período de regressão do desenvolvimento, seguido de recuperação ou estagnação e cumprimento de todos os critérios principais de diagnóstico, sem a presença de critérios de exclusão. Os critérios auxiliares não são necessários para o diagnóstico, apesar de estarem frequentemente presentes.

Para o diagnóstico da forma atípica é necessária, também, observação de um período de regressão do desenvolvimento seguido de recuperação ou estagnação e cumprir 2 critérios principais de diagnóstico e, pelo menos, 5 dos critérios de diagnóstico de suporte.

Tratamento

Por não haver um tratamento específico para a SR, este  é sintomático e de suporte, com necessidade de apoio de uma equipa multidisciplinar.

As opções terapêuticas são variadas e complexas, sendo que um plano de tratamento específico e personalizado é necessário. Uma intervenção precoce a nível do desenvolvimento é importante para assegurar que as crianças afetadas atinjam o seu máximo potencial. Assim sendo, um plano de intervenção em terapia ocupacional, terapia da fala e fisioterapia deve ser proposto a estes doentes. O apoio psicossocial para os doentes e respetivas famílias é essencial.

O acompanhamento destes doentes em consulta de genética é fundamental, visando a informação sobre o teste genético de confirmação da síndrome e, adicionalmente, a abordagem de questões relacionadas com a presença de doença genética, risco de recorrência nos familiares e respectivo aconselhamento genético.

Os problemas nutricionais, gastrointestinais e motores são transversais aos indivíduos com SR, pelo que a suplementação calórica e nutricional deve ser ponderada. Para otimizar o aporte calórico, algumas crianças poderão necessitar de dispositivo de gastrostomia percutânea.

As jovens com esta síndrome atingem a fase da puberdade, menstruam e podem, eventualmente engravidar. Como tal, é importante o seu seguimento em consulta de planeamento familiar, para abordagem de opções relacionadas com a contraceção.

Outras comorbilidades, como a epilepsia, alterações do padrão do sono, ansiedade, disfunção respiratória e cardíaca, estereotipias, espasticidade e rigidez muscular, devem receber um tratamento farmacológico dirigido.

Evolução

A maioria dos indivíduos com SR sobrevive até à vida adulta, com uma esperança média de vida atual em torno dos 45 anos. Geralmente os indivíduos com formas atípicas têm uma sobrevida significativamente mais longa.

A patologia cardiorrespiratória (incluindo infecções respiratórias inferiores, aspiração, asfixia e insuficiência respiratória) constitui a principal causa de mortalidade na SR.

Saber Mais

MECP2 – methyl-CpG binding protein 2

Bibliografia

  1. Clarke A, Sheikh A. A perspective on “cure” for Rett syndrome. Orphanet Journal of Rare Diseases 2018
  2. Schultz R et al. Rett Syndrome: Genetics, clinical features, and diagnosis. UpToDate 2020: https://www.uptodate.com/contents/rett-syndrome-genetics-clinical-featu…
  3. Vidal Silvia et al. Genetic Landscape of Rett Syndrome Spectrum: Improvements and Challenges. International Journal of molecular science, 2019, 20, 3925
  4. Neul L et al. Rett Syndrome. National Organization for Rare Disorders (NORD) 2015
  5. Schultz R et al. Rett Syndrome: Treatment and prognosis. UpToDate 2019:  https://www.uptodate.com/contents/rett-syndrome-treatment-and-prognosis
  6. Hagberg B, Aicardi J, Dias K, Ramos O. A progressive syndrome of autism, dementia, ataxia, and loss of purposeful hand use in girls: Rett's syndrome: report of 35 cases. Ann Neurol 1983;14:471-9.

Deseja sugerir alguma alteração para este tema?
Existe algum tema que queira ver na Pedipedia - Enciclopédia Online?

Envie as suas sugestões

Newsletter

Receba notícias da Pedipedia - Enciclopédia Online no seu e-mail