Síndrome de Prader-Willi
Introdução
A síndrome Prader‑Willi (OMIM 176270) é uma doença neurogenética rara e complexa que resulta da ausência de expressão dos genes paternos do cromossoma 15 (15q11-q13).
É caracterizada por dismorfismos e alterações endocrinológicas como défice de hormona de crescimento, obesidade, insuficiência adrenal central, hipogonadismo e hipotiroidismo, mas também alterações do neurodesenvolvimento nomeadamente comportamentais e cognitivas.
É a maior causa genética de obesidade infantil.
A maioria dos casos é esporádica, e as alterações genéticas associadas a esta síndrome podem ser causadas por 3 mecanismos diferentes: delecção 15q11-q13 em 65-70% dos casos; dissomia uniparental materna em 20-30% dos casos; defeito de imprinting genético em 2-5%.
Epidemiologia
A prevalência desta doença é de 1/15,000 a 1/30,000. Não há diferenças entre sexos.
A prevalência de SPW em doentes referenciados por hipotonia é 11%.
A prevalência de SPW em doentes referenciados por défices cognitivos é inferior a 1%.
História Clínica
- Pré-natal (fase 0) –As anomalias nutricionais na SPW começam in utero mas nenhum achado pré-natal é específico desta síndrome. São frequentes movimentos fetais reduzidos, normalmente transitórios e clinicamente insignificantes, crescimento intra-uterino assimétrico, polihidrâmnios, apresentação pélvica e criança leve para idade gestacional (LIG).
- Fase 1a (0-9M): hipotonia, apetite reduzido e fraco poder de sucção. A hipotonia grave pode conduzir a asfixia.
- Fase 1b (9-25M): progressão estável na curva de crescimento e aumento de peso até valores normais para a idade.
- Fase 2: aumento de peso. Fase 2a (2.1-4.5 anos) – aumento de peso sem alterações significativas de ingestão calórica ou de apetite.
- Fase 2b (4.5 – 8 anos) – o aumento de peso está associado a aumento do apetite e ingestão calórica, mas ainda está presente sensação de saciedade.
- Fase 3 (8 anos-idade adulta)- hiperfagia, associada tipicamente a procura contínua de comida e ausência de saciedade.
- Fase 4 (idade adulta- apetite saciável)
Obesidade : É uma das características principais dos doentes com SPW. A obesidade é essencialmente central em ambos os sexos.
Comportamentos de busca incessante de comida são frequentes e, associados a uma menor necessidade calórica total (menor actividade física e percentagem de massa magra), contribuem para a obesidade. Estudos demonstraram ainda níveis elevados de grelina (hormona orexigénica cujos níveis aumentam com o jejum e diminuem com a ingestão de alimentos) em doentes com SPW antes e depois das refeições, o que pode ser uma possível explicação para a sua hiperfagia.
Dismorfismos: O fenótipo inclui - diâmetro bifrontal estreito, fissuras palpebrais amendoadas, base do nariz estreita, lábio superior fino e cantos da boca descaídos.Estes aspectos podem estar presentes ao nascimento ou desenvolver-se ao longo do tempo. Outros aspectos incluem ainda mãos e pés pequenos, estrabismo, escoliose e doença displásica da anca.
Há ainda casos de hipopigmentação capilar, ocular e da pele.
Disfunção do eixo hipotalâmico-pituitário : Baixa estatura e Défice de hormona de crescimento: O défice de HC ocorre em 40-100% das crianças com SPW. Manifesta-se por baixa estatura, obesidade, composição corporal alterada, dislipidémia, redução da força muscular e da densidade mineral óssea (DMO) com aumento do risco de fracturas.
A baixa estatura pode já estar presente na infância e está quase sempre evidente na segunda década de vida (sem tratamento de substituição com HC). A estatura média é de 155 cm no sexo masculino e 148 cm no sexo feminino. Deve ser avaliada a velocidade de crescimento pelo menos a cada 3 meses.
Insuficiência adrenérgica central – alguns estudos sugerem que, em situações graves de stress, o risco de insuficiência adrenérgica aguda está consideravelmente aumentado nos doentes com SPW.Hipotiroidismo- Cerca de 25% dos doentes com SPW ( maioritariamente de causa central).
Hipogonadismo: Muito frequente mas com apresentação variável. Sexo masculino - o pénis pode ser pequeno e o escroto hipoplásico, pequeno, pouco rugoso e hipopigmentado. Criptorquidia presente em 80-90% dos homens. Sexo feminino–hipoplasia genital. As hormonas sexuais estão, geralmente, em níveis inferiores ao normal.DM tipo 2/intolerância à glicose: Crianças com IMC >P95 devem ser rastreadas.
Problemas comportamentais/cognitivos: Doentes com SPW apresentam dificuldades cognitivas, de comunicação e de comportamento adaptativo. Podem ainda apresentar perturbação do desenvolvimento intelectual, com um QI médio de aproximadamente 60-70. Estas alterações parecem estar relacionadas com
alterações da função dos lobos frontal,temporal e parietal, comprometidas nesta síndrome.Dos comportamentos manifestados, a dermatotilexomania (“skin picking”) parece ser o mais prevalente e com início desde a infância. São ainda comuns os comportamentos agressivos,repetitivos e compulsivos, com algumas semelhanças com transtornos do espectro do autismo.
Outras manifestações/comorbilidades: Distúrbios do sono – Sonolência diurna excessiva, SAOS ou narcolepsia. Escoliose –prevalência entre os 30 e 70%, com dois picos de incidência principais até aos 4 anos e aos 10 anos de idade.
Distúrbios gastrointestinais - obstipação (40% do doentes); esvaziamento gástrico lento e ausência de vómito. Distúrbios da coagulação – reportados alguns casos de eventos tromboembólicos.
Diagnóstico Diferencial
Há muitas doenças que podem mimetizar parcialmente o fenótipo dos doentes com SPW.
Craniofrangioma ( e o seu tratamento) e outras patologias que constituam dano para o hipotálamo podem incluir várias alterações semelhantes às da SPW.
Baixa estatura hiperfágica – doença adquirida relacionada com stress psicossocial que inclui insuficiência de hormona de crescimento, hiperfagia e alterações cognitivas leves.
A hipotonia na infância é observada em várias outras doenças: sépsis neonatal, depressão do SNC,distrofia miotónica congénita tipo 1 e outras miopatias e neuropatias (incluindo atrofia espinhal medular) e ainda doenças metabólicas como a doença de Pompe.
Síndrome de Angelman - é caracterizada por hipotonia na infância e atraso severo do desenvolvimento e alterações cognitivo-comportamentais. No entanto, o hipogonadismo, dismorfismos faciais e dificuldades de sucção, característicos dos doentes com SPW não são observados nesta síndrome.
Sindrome de X-frágil – os doentes com esta síndrome podem apresentar hipotonia na infância, alterações cognitvas ligeiras e de comportamento mas não exibem o hipogonadismo, dificuldades na sucção e dismorfismos faciais característicos dos doentes com SPW.
Osteodistrofia hereditária Albright – a clínica inclui obesidade e atraso de desenvolvimento e pode ainda apresentar baixa estatura mas estes doentes não apresentam hipotonia nem as características faciais dos doentes com SPW.
Síndrome Bardet-Beidl – inclui obesidade troncular, atraso cognitivo e hipogonadismo hipopgonadotrópico masculino; as alterações ósseas, malformações genitourinárias complexas no sexo feminino, disfunção renal e fenótipo facial distinguem-nos dos doentes com SPW.
Síndrome de Cohen – inclui hipotonia, atraso de desenvolvimento (mais severo do que na SPW) e obesidade; mas tem um fenótipo facial distinto, microcefalia, alterações oftalmológicas (retinopatia e miopia) e neutropenia intermitente, que não ocorrem na SPW.
Síndrome Borjeson-Forssman-Lehmann, observada no sexo masculino, inclui atraso severo do desenvolvimento, hipogonadismo, obesidade marcada,hipotonia infantil e dificuldades alimentares. Distingue-se pela severidade do atraso cognitivo, presença de nistagmo e fácies característica. Síndrome Alstrom- Caracterizada por obesidade precoce e insulinorresistência/DM2 associada a acantose nigricans e atraso de desenvolvimento e pode estar associada a hipotiroidismo e hipogonadismo hipogonadotrópico em homens.Distingue-se pela surdez neurossensorial progressiva,miocardiopatia dilatada, distrofia dos cones e bastonetes e ainda patologia renal severa e problemas urológicos variados. Há uma série de anomalias citogenéticas cujas manifestações se assemelham às da SPW, incluindo: del de 1p36, 2q37.3,6q16.2 e 10q26 e duplicação de 3p25.3.26.2 e Xq27.2-ter.
Exames Complementares
Diagnóstico genético
O diagnóstico de SPW é inicialmente suspeito pelas características clínicas e confirmado por testes genéticos.
Critérios consensuais de diagnóstico: Para crianças com 3 anos ou menos, o diagnóstico de SPW é altamente provável se obtiver 5 pontos dos seguintes critérios (4 dos major); em crianças com mais de 3 anos ou adultos, são precisos 8 pontos (5 dos quais major).
Critérios major (um ponto cada): hipotonia neonatal e infantil e sucção pobre; problemas alimentares durante a infância, aumento de peso excessivo dos 1-6 anos, obesidade e hiperfagia; dismorfismos faciais característicos; hipogonadismo, atraso pubertário; atraso neurodesenvolvimento/ défice cognitivo.
Critérios minor (1/2 ponto cada) : movimento fetal diminuído a letargia infantil; problemas comportamentais típicos; apneia do sono, baixa estatura para estatura alvo familiar aos 15 anos; hipopigmentação em relação à familia; mãos/pés pequenos para estatura; mãos estreitas com margem ulnar recta; estrabismo convergente ou miopia; saliva viscosa; dificuldade na articulação do discurso; dermatotilexomania.
Com a maior disponibilidade dos testes genéticos é aceitavel alargar os critérios para teste desde que apresentem todas as seguintes características não explicadas por outra causa para a idade:
0-2 anos: hipotonia com história de má sucção e má progressao ponderal e criptorquidia em rapazes.
2-6 anos: Hipotonia com história de má sucção; atraso global do desenvolvimento; baixa estatura e/ou desaceleração de crescimento associado a aumento ponderal.
6-12 anos: Hipotonia com história de má sucção; atraso global do desenvolvimento; hiperfagia/obcessão com comida associado a obesidade.
13 anos – adulto : atraso cognitivo ; hiperfagia/obcessão com comida associado a obesidade se a ingestão não for controlada; hipogonadismo hipogonadotrópico ou hipergonadotropico e/ou problemas comportamentais.
Ocasionalmente, podem ser efectuados testes genéticos pré-natais baseados em achados suspeitos nas ecografias pré-natais ou em gravidezes em famílias com uma criança com SPW com determinadas mutações. A SPW é causada pela ausência de expressão de genes paternos activos no braço longo do cromossoma 15, seja por delecções do cromossoma paterno, dissomia maternal ou (raramente) defeitos no “imprinting” genético. O conhecimento da etiologia genética em indivíduos com SPW é fundamental para o aconselhamento familiar.
A metilação de ADN é a forma mais eficiente de iniciar a investigação genética em doentes suspeitos de SPW. Uma vez determinado o diagnóstico de SPW por metilação de ADN, é necessário estabelecer a classe molecular por técnicas de FISH ou microarrays.
Avaliação endocrinológica / função hipotálamo-hipofisária:
Se IGF-1 normal: não necessitam de realizar testes de estimulação da somatropina endógena. Se IGF-1 inferior ao valor de referência para idade e sexo: deve efectuar-se avaliação da função hipotálamo-hipofisária e uma ressonância magnética crânio-encefálica para avaliação morfológica.
Avaliação da densitometria óssea: Avaliação da densitometria óssea em todos os doentes com SPW a partir dos 5 anos de idade e de 2/2 ou 3/3 anos a partir de aí.
Meios complementares diagnósticos de controlo na SPW:
TSH e T4 livre – avaliar anualmente (excepto se alteração inicial)
Glicose e perfil insulínico – 4/6 meses
ACTH e cortisol – antes do início da somatropina (ver tratamento)
Colesterol e triglicerídeos –a cada 6/12 meses (conforme peso/dieta)
Polisonografia – a cada 6/12 meses (conforme sintomas)
Avaliação ortopédica – anualmente (avaliar escoliose)
Avaliação dentária – a cada 6 meses.
Tratamento
O tratamento do SPW assenta em 4 pilares principais : dieta, exercício físico, tratamento hormonal com HC e estratégias comportamentais.
Alimentação e obesidade
Restrição calórica:
- Recém-nascidos e lactentes: Para prevenção da obesidade associada a crescimento excessivamente rápido, tendo em atenção as necessidades calóricas para o neurodesenvolvimento. Doentes com refluxo gastro-esofágico significativo ou disfunção da deglutição podem necessitar de gastrostomia ou fundoplicatura. A fisioterapia e terapia ocupacional podem ser úteis para fortalecimento muscular, treino da deglutição e comunicação.
- Crianças e adolescentes: Alimentação com objectivos colóricos inferiores aos indíviduos sem SPW. Geralmente é necessária suplementação com vitaminas e minerais (cálcio). Os doentes devem ser acompanhados por um nutricionista pediátrico. Exercício físico: 1-2 horas e exercício físico diário, maioritariamente aeróbio. Não é recomendada nenhuma terapêutica farmacológica específica nem cirurgia bariátrica para estes doentes.
Disfunção hipotalâmica e pituitária - Terapêutica com somatropina (HC) :Os níveis de factor-1 de crescimento semelhante à insulina (IGF-1) estão reduzidos na SPW e respondem à administração de doses relativamente pequenas de somatropina.
Benefícios do tratamento com somatropina:
- Melhoria da progressão estatural (nas crianças) – a terapêutica prolongada na infância pode aumentar a estatura das crianças com SPW e até atingir a estatura-alvo familiar. Preferencialmente iniciar o tratamento antes dos 8 anos de idade. A velocidade de crescimento é dependente da dose utilizada.
- Melhoria da composição corporal e do índice de massa corporal (IMC).
- Melhoria da força muscular e capacidade de exercício - o tratamento com somatropina parece ser positivo para o desenvolvimento motor se iniciado antes dos 18 meses de idade. Posologia de HC nas crianças: início gradual: 0,25-0,3 mg/m2/dia, com aumento posterior até 1 mg/m2/ dia, em semanas ou meses.
Início, monitorização e vigilância da terapêutica com HC: Devido à evidência a nível do desenvolvimento psicomotor, é recomendado o início da terapêutica entre os 4 e os 6 meses. Vigilância clínica a cada 3 meses, para avaliação de efeitos secundários e dos níveis de IGF-1.Critérios de resposta à somatropina:Aumento de altura em 0,3 DP para idade e sexo, ao final do primeiro ano de administração; Aumento da velocidade de crescimento em 1 DP para idade e sexo, ao final do primeiro ano de administração; Aumento da velocidade de crescimento em 3 cm/ano, ao final do primeiro ano de administração
Hormonas sexuais: Este tratamento deve ser decidido em consulta de endocrinologia.
Estratégias comportamentais/farmacoterapia: Estratégias de controlo comportamental e grupos de apoio a doentes com SPW são importantes no tratamento das comorbilidades cognitivas.
Devem ser estabelecidas terapias cognitivo-comportamentais, treino de competências sociais e estratégias adaptativas. Tem sido utilizada medicação psicotrópica para tratamento de comorbilidades associadas à SPW mas não foi aprovada nenhuma estratégia farmacológica específica para estes doentes uma vez que respondem de forma variada à medicação.
Evolução
Mortalidade e morbilidade:
A obesidade e as suas complicações aumentam a mortalidade dos doentes com SPW em relação a outros grupos com atraso de desenvolvimento. A principal causa de morte em crianças, num estudo realizado,foram patologias respiratórias e infecções enquanto que nos adultos foram mais frequentes as complicações relacionadas com obesidade (cardiovasculares, gastricas e apneia do sono). Alguns estudos reforçam que o tratamento com somatropina tem efeito benéfico na longevidade destes doentes.
A maioria das famílias tem um risco de recorrência inferior a 1%. No entanto, algumas etiologias genéticas tem um risco de recorrência até 50% e um cenário genético de risco de recorrência de 100% é teoricamente possível mas muito improvável.
Recomendações
As famílias com crianças com SPW têm opção de diagnóstico pré-natal não invasivo em futuras gravidezes, embora existam casos de crianças com SPW sem história familiar associada. Deve ser realizado um aconselhamento genético dirigido nestas circunstâncias.
Dada a prevalência de comportamento/sobreposição do espectro do autismo em doentes com SPW, é fundamental a investigação de estratégias de reconhecimento e intervenção sobre esses aspectos para melhor prognóstico destes doentes, à semelhança do que é observado em doentes com DEA.
A SPW é uma doença genética rara embora seja a maior causa genética de obesidade infantil. Um diagnótico precoce pode prevenir complicações e melhorar a qualidade de vida pelo que é fundamental o reconhecimento atempado perante a clínica.
Saber Mais
SPW-Síndrome de Prader-Willi; LIG - leve para idade gestacional; IMC-índice de massa corporal; DM – diabetes mellitus; HC – hormona de crescimento; CNNHC Comissão Nacional para a ; Normalização da Hormona do Crescimento; IGF-1 - Fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1; DEA – doença do espectro do autismo.
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- Passone caroline buff G, Pasqualucci PL, Franco RR, Ito SS, Mattar L baldini F, Koiffmann celia P, et al. Prader‑Willi syndrome: What is the general pediatrician supposed to do? ‑ A review. Rev Paul Pediatr. 2018;36(3):345–52.
- Fountain M, Schaaf C. Prader-Willi Syndrome and Schaaf-Yang Syndrome: Neurodevelopmental Diseases Intersecting at the MAGEL2 Gene. Diseases. 2016;4(1):2.
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