Queratocone
Introdução
Definição
O queratocone é uma doença não inflamatória, em que existe uma deformação progressiva da córnea, que vai ficando mais fina e com uma maior protrusão, adquirindo uma forma de cone, e que pode resultar numa diminuição significativa da acuidade visual. Habitualmente é bilateral, mas assimétrica.
Epidemiologia
Geralmente começa na adolescência e pode progredir até à 3ª- 4ª décadas. Nas crianças tem uma evolução diferente dos adultos, sendo mais agressiva com progressão mais rápida. A incidência de queratocone na população europeia caucasiana varia entre 5 e 23, com uma prevalência média de 54 por 100 000.
História Clínica
Anamnese
Clinicamente pode-se manifestar como uma diminuição da acuidade visual, com aumento do astigmatismo e/ou miopia. Fotofobia, glare /encandeamento, diplopia monocular ou irritação ocular podem ser outros sintomas de apresentação. O queratocone pode surgir como uma condição isolada ou em associação com doenças oculares ou sistémicas como atopia, queratoconjuntivite vernal, síndrome de Down e doenças do tecido conjuntivo como síndrome de Marfan, síndrome de Ehlers-Danlos, osteogenesis imperfecta e pseudoxantoma elasticum. A etiologia é multifatorial e 8-10% dos casos têm um componente hereditário e história familiar.
As crianças com queratocone são predominantemente do sexo masculino, têm mais tendência para esfregar os olhos e ter história de atopia do que os adultos com queratocone. O mecanismo causa-efeito de esfregar os olhos pode ir para além do efeito mecânico que o esfregar do olho pode ter sobre a biomecânica destas córneas alteradas, já que pode estar associado à libertação de marcadores inflamatórios no filme lacrimal que podem também contribuir para a patogénese desta condição.
Exame objectivo
Um dos sinais mais precoces de queratocone no exame objectivo oftalmológico é o reflexo “em tesoura” na retinoscopia. Mas é importante notar que nas fases iniciais o queratocone pode passar completamente despercebido no exame objetivo e um astigmatismo alto ou em progressão pode ser o único sinal desta patologia.
A oftalmoscopia directa à distância de 30-40 cm revela um reflexo relativamente bem definido em “gota de óleo”. Nos queratocones mais avançados pode-se constatar a angulação da pálpebra inferior no olhar para baixo (sinal de Munson).
Na lâmpada de fenda existem alguns sinais sugestivos de queratocone: linhas estromais profundas verticais, muito finas (as estrias de Vogt), que podem desaparecer com a pressão no globo; depósitos de ferro epiteliais que rodeiam a base do cone (anel de Fleischer).
Nos casos de queratocone mais avançados a protrusão da córnea torna-se evidente à lâmpada de fenda e podem já existir opacidades apicais.
Diagnóstico Diferencial
A topografia da córnea, um exame em que é quantificada a elevação e curvatura da córnea, confirma a suspeita clínica de queratocone. Neste exame a córnea com queratocone mostra astigmatismo irregular e habitualmente um aumento da curvatura na sua região paracentral inferior, que corresponde à área habitualmente em forma de cone. É um exame essencial para o diagnóstico e para monitorizar a progressão da doença.
A tomografia de coerência de óptica (OCT) do segmento anterior também pode ser usada como método de imagem para o diagnóstico. Mostra habitualmente diminuição da espessura na área do cone (com desvio do ponto mais fino da córnea na direcção inferior ou ínfero-temporal) e protrusão da córnea afetada.
Tratamento
Óculos e lentes de contacto
Os óculos ou as lentes de contacto hidrófilas (moles) são geralmente suficientes nos casos em fase inicial para permitir uma acuidade visual satisfatória. Quando a melhoria da acuidade visual não é suficiente, as lentes de contacto semi-rígidas são uma opção para regularizar a superfície da córnea e conferir uma visão nítida à criança. Atualmente existem novas opções de lentes de contacto (híbridas e esclerais) que vieram aumentar a proporção de doentes com queratocone que podem corrigidos com lentes.
Crosslinking de Colagénio da Córnea
Trata-se de um procedimento cirúrgico recente que consiste na formação de ligações cruzadas (cross-links) no colagénio do estroma da córnea através da fotossensibilização com riboflavina e a exposição a luz ultravioleta-A. Consegue-se desta forma um aumento da rigidez biomecânica do estroma. Este tratamento atua assim como uma forma de interromper ou reverter a deformação e adelgaçamento progressivos da córnea que existe no queratocone. Existem várias técnicas para o crosslinking podendo ser necessária ou não a desepitelização da córnea.
O principal objetivo deste tratamento é interromper a progressão da doença e evitar a necessidade de procedimentos mais invasivos como a queratoplastia. Quanto mais cedo for realizado no decurso da doença melhor o prognóstico em termos visuais e menor a probabilidade de a criança vir a precisar de fazer um transplante de córnea.
Implante de segmentos de anéis intracorneanos
Consiste num procedimento cirúrgico em que se procede à criação de túneis intra-estromais de forma mecânica ou com recurso a um laser de fentossegundo. Nestes túneis são depois implantados segmentos de anéis de polimetilmetacrilato que tentam regularizar a superfície da córnea deformada. É um procedimento relativamente simples e seguro que pode permitir ganhos moderados de acuidade visual em casos de queratocone moderado e facilitar a adaptação posterior de lentes de contacto.
Queratoplastia
O transplante de córnea pode ser necessário em casos de queratocone avançado ou naqueles com cicatrizes que condicionam perda da transparência da córnea e resultante diminuição da acuidade visual não corrigível com outros métodos.
Com a técnica de queratoplastia penetrante é transplantada uma córnea dadora que inclui todas as camadas. Nas crianças o transplante de córnea está associado a uma maior taxa de complicações intra- e pós-operatórias, nomeadamente rejeição, infecção e falência do enxerto.
O desenvolvimento das técnicas lamelares, como a queratoplastia lamelar profunda anterior (DALK), em que apenas são transplantadas as camadas anteriores (epitélio, Bowman e estroma) e em que o doente preserva a sua Descemet e endotélio, estão associadas a menores taxas de rejeição e podem ser particularmente úteis nos transplantes pediátricos.
Evolução
Apesar do queratocone ser uma doença que tende a estabilizar com a idade, quando aparece em crianças é particularmente agressivo e progressivo. Apesar da perfuração espontânea da córnea no queratocone ser muito rara, pode acontecer uma rutura na membrana de Descemet que conduz ao desenvolvimento súbito de edema da córnea, designado por hidrópsia aguda. A atopia e o esfregar os olhos são factores de risco para esta complicação.
Atualmente com o desenvolvimento de procedimentos que podem atrasar ou reverter a progressão do queratocone torna-se particularmente relevante o diagnóstico precoce desta condição em crianças.
Recomendações
Sabendo que a história familiar é um fator de risco para o desenvolvimento da doença os filhos de pais com queratocone devem ser vigiados regularmente em Consulta de Oftalmologia sobretudo a partir dos 10 anos e submetidos a topografia da córnea quando clinicamente se justificar.
A atopia e o prurido ocular devem ser tratados agressivamente com medidas tópicas (anti-inflamatórios não esteroides, anti-histamínicos e estabilizadores dos mastócitos) e sistémicas, sobretudo nas crianças em risco.
Bibliografia
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