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Introdução

A Perturbação de Hiperatividade - Défice de atenção (PHDA) é a perturbação mais frequente do neurodesenvolvimento. Caracteriza-se por desatenção e/ou hiperatividade mais acentuadas do que é habitual em crianças e jovens no mesmo estadio de desenvolvimento, num espetro variável de intensidade.

As manifestações típicas de desatenção e/ou hiperatividade / impulsividade devem ser observadas em pelo menos dois ambientes distintos. Subjacente a estes sintomas core da perturbação surgem geralmente outras disfunções que contribuem para o impacto da patologia. Desta forma, são frequentes: desregulação emocional, dificuldades de aprendizagem, dificuldades da comunicação com impacto nos relacionamentos sociais, perturbação do comportamento alimentar, perturbação do sono, entre outras.

Nas formas moderadas a graves acarreta significativo comprometimento da vida académica / laboral, social e familiar. O diagnóstico geralmente ocorre na infância, mas frequentemente os sintomas mantêm-se na adolescência e idade adulta. Na etiologia desta perturbação estão envolvidos factores neurobiologicos, genéticos e ambientais

Epidemiologia

Manifesta-se nas diferentes culturas, em aproximadamente 5% das crianças e 2.5% dos adultos, sendo mais comum no sexo masculino, com uma proporção de 2:1 nas crianças e de 1.6:1 nos adultos.

História Clínica

O diagnóstico da PHDA é fundamentalmente clínico, baseado em critérios claros e bem definidos, provenientes de sistemas de classificação como o DSM-V.

Procedimentos para Avaliação Diagnóstica

Em relação à colheita de informações, existe frequentemente baixa concordância entre os informadores (criança, pais e professores). Assim, o processo de avaliação diagnóstica deve envolver a colheita de dados com os pais, com a criança ou adolescente e com a escola.

Com os pais, é fundamental a avaliação cuidadosa de todos os sintomas e a colheita da história do neurodesenvolvimento, médica, escolar, familiar, social e psiquiátrica. Em crianças pré-púberes, que apresentam muitas vezes dificuldades em expressar verbalmente os sintomas, a entrevista com os pais é ainda mais relevante.

Com a criança, deve ser realizada uma entrevista adequada ao nível de desenvolvimento, avaliar a subjetividade da criança acerca dos sintomas, sem esquecer que a ausência de sintomas no consultório médico não exclui o diagnóstico. Frequentemente, a criança é capaz de controlar os sintomas, sempre que adequadamente motivada, com esforço voluntário ou em atividades de grande interesse.

Tanto na entrevista com os pais como naquela com a criança, é essencial a pesquisa de sintomas relacionados com as comorbilidades psiquiátricas mais prevalentes. A presença de sintomas na escola deve ser avaliada e articulada com os professores.

Diagnóstico Diferencial

Em crianças com o diagnóstico clinico de PHDA é necessária a exclusão de outros diagnósticos, atendendo ao potencial impacto no prognóstico e orientação, bem como pela elevada frequência com que se apresentam como comorbilidades, associadas à PHDA. São exemplos a perturbação da conduta, perturbação de ansiedade / depressão, dificuldades de aprendizagem, perturbação do desenvolvimento intelectual.

Exames Complementares

É fundamental a utilização de escalas objetivas para a escola, a avaliação neurológica e testes psicológicos. Entre as escalas disponíveis para preenchimento por professores encontra-se a escala revista de Conners.

Em relação à avaliação psicológica, a Wechsler Intelligence Scale for Children - terceira edição (WISC-III)  tem tradução validada para o português  e os seus subtestes  podem ser importantes para reforçar a hipótese diagnóstica de PHDA.

Simultaneamente, deve ser feita uma avaliação do desempenho neuropsicológico: dimensões da atenção (sustentada, seletiva e dividida), da memória e das funções executivas. Uma das principais teorias neuropsicológicas da PHDA sugere que os seus sintomas se manifestam a partir de um défice nas funções executivas (planeamento e organização das tarefas, resolução de problemas, memoria de trabalho, inibição da resposta, vigilância).

Os exames de neuroimagem (tomografia, ressonância magnética ou SPECT cerebral) integram-se em estudos de pesquisa científica e não são necessários ao diagnóstico clínico.

Tratamento

O tratamento da PHDA envolve uma abordagem múltipla que engloba intervenções psicopedagógicas e farmacológicas.

No âmbito das intervenções psicopedagógicas, o primeiro passo deve ser educacional, através de informações e orientações claras e precisas à família e docentes. Muitas vezes, é necessário um programa de treino parental, com o objetivo de ensinar técnicas específicas que melhorem a capacidade para modelar o comportamento dos filhos e que poderá ser a opção terapêutica inicial em crianças pré-escolares.

De facto, uma abordagem não farmacológica isolada, está recomendada em crianças pré-escolares ou nas situações mais ligeiras. O inicio de medicação é sempre uma decisão dos pais, depois de devidamente informados, e a sua manutenção depende da resposta, avaliada caso a caso, e da eventual presença de efeitos colaterais.

Os psicoestimulantes (metilfenidato / lisdexanfetamina) são os fármacos de 1ª linha no tratamento da PHDA, com efeitos positivos e objectivos na redução da hiperatividade e impulsividade, na melhoria da atenção e no potencial de aprendizagem. Vários estudos confirmam também um efeito positivo na regulação emocional.

A atomoxetina é um fármaco não estimulante, indicado como fármaco de 2ª linha, nos casos de insucesso ou contra-indicações aos estimulantes.

Intervenções no âmbito escolar também são importantes, com vista à obtenção de rotinas diárias consistentes em ambiente escolar previsível, que ajudam estas crianças a manterem a estabilidade emocional e comportamental. É importante que o posicionamento da criança, na sala de aula, seja ponderado de forma a minimizar os estímulos perturbadores da atenção. Devem ser evitadas tarefas demasiado longas ou repetitivas e disponibilizar apoio pedagógico individualizado.

Pode ser necessário um acompanhamento psicopedagógico, centrado nos aspetos ligados à organização e ao planeamento do tempo e das atividades. Algumas crianças deverão ser orientadas para apoios pedagógicos universais ou selectivos (Dec. Lei 54, 2018).

A modalidade psicoterapêutica mais estudada e com maior evidência científica de eficácia no controlo dos sintomas centrais do distúrbio, bem como para o controlo de sintomas comportamentais associados é a cognitivo-comportamental.

É consensual que o tratamento farmacológico, nomeadamente os psicoestimulantes, apresenta eficácia superior no controlo dos sintomas centrais da perturbação, comparativamente à abordagem psicoterapêutica.

Evolução

Ao longo do desenvolvimento, a PHDA está associada a um risco aumentado de baixo rendimento escolar, reprovações, expulsões e suspensões escolares, relações difíceis com familiares e colegas, desenvolvimento de ansiedade e depressão, baixa auto-estima, problemas de conduta e delinquência, experimentação e abuso de drogas, acidentes de viação, obesidade, dificuldades nos relacionamentos na vida adulta, problemas conjugais e laborais.

A alta prevalência deste transtorno, aliada ao grande prejuízo na qualidade de vida dos seus portadores e familiares, determinam um grande impacto desta patologia na sociedade, exigindo que não se encare a perturbação como benigna ou transitória.

Diversos estudos comprovam que mais de 50% dos pacientes mantêm sintomas na vida adulta, com significativo comprometimento da vida social, académica, laboral e familiar. Neste contínuo, apesar de os sintomas nucleares da PHDA surgirem sob diferentes formas, eles constituem causa de défices significativos, nos diversos contextos de vida.

Glossário

Escala Revista de Conners: Aferidas para a população portuguesa, as escalas de Conners, recuperadas por Rodrigues, avaliam os problemas de comportamento de crianças com idades compreendidas entre os 6 e os 11 anos de idade, obtendo respostas de professores e pais através de um questionário. Tem uma função importante no processo de avaliação da PHDA e, em conjunto com outros instrumentos, são um complemento importante no processo de avaliação e diagnóstico.

SNAP-IV: O questionário Swanson, Nolan and Pelham versão IV (SNAP-IV) é um questionário comportamental, atualizado a partir das versões anteriores (SNAP-III e SNAP-III-R) com base nos critérios de diagnóstico do DSM IV. O MTA-SNAP-IV é uma versão curta deste questionário, com 26 itens organizados em três subescalas: Nove sintomas de desatenção (itens 1 a 9), 9 sintomas de hiperatividade-impulsividade (itens 10 a 18) e 8 sintomas de perturbação desafiante de oposição (itens 19 a 26). A avaliação de cada item/comportamento é feita numa escala semi-quantitativa de 4 pontos, permitindo monitorização da sua evolução e resposta ao tratamento. Embora o DSM-IV tenha sido substituído pelo DSM-5, nas perturbações avaliadas pelo MTA-SNAP-IV foram mantidos os mesmos critérios comportamentais, tendo sido enriquecidos com exemplos para a população adulta com PHDA. Por este motivo, o MTA-SNAP-IV mantém actualidade. A versão em Português Europeu apresenta uma boa correspondência com os critérios de diagnóstico do DSM-5 pelo que apresenta validade de conteúdo.

Escala de Inteligência Wechsler para Crianças (WISC-III): representa a terceira edição da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças (WISC) e tem por finalidade avaliar a capacidade intelectual de crianças. O WISC-III é composto por 13 subtestes, sendo 12 deles mantidos do WISC-R e um novo subteste, Procurador de Símbolos, organizados em dois grupos: Verbais e Perceptivos-motores ou de Execução, que são aplicados nas crianças em ordem alternada, ou seja, um subteste de Execução seguido de subteste verbal e vice-versa. Os Subtestes Verbais são compostos pelos itens: Informação, Semelhanças, Aritmética, Vocabulário, Compreensão e Dígitos, e os subtestes de Execução são constituídos pelos itens: Completar Figuras, Código, Arranjo de Figuras, Cubos, Objectos, Símbolos e Labirintos.

Decreto-Lei n. 54, de 6 de Julho, 2018: estabelece os princípios e as normas que garantem a inclusão, enquanto processo que visa responder à diversidade das necessidades e potencialidades de todos e de cada um dos alunos (n.º 1 do art.º 1.º).

O Decreto-Lei n.º 54/2018  abandona os sistemas de categorização de alunos, incluindo a “categoria” necessidades educativas especiais; abandona o modelo de legislação especial para alunos especiais; estabelece um continuum de respostas para todos os alunos; coloca o enfoque nas respostas educativas e não em categorias de alunos; perspectiva a mobilização, de forma complementar, sempre que necessário e adequado, de recursos da saúde, do emprego, da formação profissional e da segurança social.

As medidas universais (Art.º 8.º) correspondem às respostas que a escola mobiliza para todos os alunos de forma a promover a participação e a melhoria das aprendizagens. Estas medidas consideram a individualidade de todos e de cada um dos alunos através da implementação de acções e estratégias integradas e flexíveis. O desenho universal para a aprendizagem é particularmente útil na operacionalização das medidas em sala de aula. Há lugar à elaboração do Relatório Técnico-Pedagógico sempre que a equipa multidisciplinar de apoio à educação inclusiva propõe a mobilização de medidas selectivas e/ou adicionais de suporte à aprendizagem e à inclusão.

Bibliografia

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