Introdução
Definição
Os nevos melanocíticos são lesões cutâneas pigmentares, congénitas ou adquiridas, constituídas por aglomerados (ninhos ou tecas) de células melanocíticas ou melanócitos, anteriormente também designadas como células névicas ou nevócitos.
Os melanócitos derivam das células estaminais da crista neural e migram para a pele durante o desenvolvimento fetal, ficando localizadas na camada basal da epiderme e, por vezes, também na derme. Se se multiplicarem incontroladamente durante esta migração originam os nevos melanocíticos congénitos.
Em todos os indivíduos ocorre normalmente a multiplicação de focos circunscritos de melanócitos localizados na camada basal da epiderme, sobretudo após a puberdade, de modo esporádico, limitado, permanecendo alguns ninhos de melanócitos na junção dermoepidérmica, ou eventualmente migrando para a derme. Assim se constituem os nevos melanocíticos adquiridos, nos quais se incluem, para além dos nevos comuns, diversas formas clinicopatológicas – nevos atípicos (displásicos), nevo de Sutton (halo nevo), nevo de Spitz e nevo de Reed.
Outros tipos de lesões pigmentadas benignas constituídas por melanócitos epidérmicos são as efélides, lentigos (simples e actínico) e o nevo de Becker. São também benignos, mas constituídos por melanócitos dérmicos, o nevo azul, os nevos de Ota e de Ito e a denominada mancha mongólica.
Epidemiologia
Os nevos melanocíticos congénitos estão presentes em 1% a 2% dos recém-nascidos. A sua prevalência é igual em ambos os sexos.
Os nevos melanocíticos congénitos gigantes são raros, com uma incidência estimada de 0,005% (1 em 20000 nascimentos).
Os nevos melanocíticos adquiridos surgem em todas as crianças. A sua frequência diminui do fototipo I para o V.
História Clínica
Nevos melanocíticos congénitos
Os nevos melanocíticos congénitos são lesões pigmentadas cutâneas, habitualmente presentes ao nascimento sob a forma de manchas redondas, ovaladas ou de forma bizarra, acastanhadas, progressivamente mais escuras com o decorrer dos anos. O bordo pode ser regular ou irregular. Mais raramente podem desenvolver-se e tornarem-se clinicamente aparentes apenas durante a infância. Podem localizar-se em qualquer área da pele.
Ao inverso dos nevos melanocíticos adquiridos, cujas células não ultrapassam a derme papilar e a porção superior da derme reticular, os congénitos podem exibir infiltração da porção inferior da derme reticular, hipoderme, fáscia e mesmo estruturas mais profundas. Daí a sua excisão completa ser difícil ou, por vezes, quase impossível. Os melanócitos nestes nevos tendem também a ocorrer nos anexos cutâneos, ao contrário dos nevos melanocíticos adquiridos.
Os nevos cujas células se estendem mais profundamente para a derme reticular têm a superfície irregular, rugosa, mamilonada ou cerebriforme.É habitual a presença de pelos terminais nos nevos congénitos, mesmo em idades muito jovens. Em menos de 5% dos casos os nevos congénitos são múltiplos, principalmente quando existe um nevo gigante entre eles.
Os nevos congénitos classificam-se em pequenos, médios e gigantes, em função da dimensão do seu maior eixo. Nos adultos consideram-se pequenos os que não ultrapassam 1,5 cm, médios até 20 cm, gigantes os de dimensão superior. Nos recém-nascidos consideram-se gigantes os maiores de 9 cm se no couro cabeludo e com mais de 6 cm no tronco. A previsão da dimensão do nevo na idade adulta é-nos dada por tabelas de crescimento.
A localização mais frequente dos nevos congénitos gigantes é no tronco envolvendo vários dos seus segmentos, podendo também ocorrer na cabeça e nos membros. É habitual a presença de nevos satélites mais pequenos em redor do gigante.
Nos nevos gigantes que abrangem pescoço e cabeça pode associar-se localização névica também nas leptomeninges (melanose neurocutânea). Esta presença pode ser assintomática ou manifestar-se por convulsões, deficits neurológicos focais e associar-se ao risco de melanoma meníngeo primário. A observação destas crianças por um neuropediatra é fundamental.
Nos nevos melanocíticos congénitos pequenos e nos médios não existe risco significativo de evolução para melanoma maligno. O contrário se verifica em relação aos nevos congénitos gigantes que podem ser precursores do melanoma maligno em 6 a 10 % dos casos consoante as séries.
O maior número de casos de melanoma maligno sobre nevos melanocíticos congénitos gigantes verifica-se antes da puberdade, sendo que em cerca de metade dos casos o diagnóstico de melanoma é feito entre os 3 e os 5 anos. Em associação com estes nevos gigantes existe uma probabilidade acrescida de aparecimento de melanoma maligno noutras localizações, quer cutânea, cerebral ou visceral.
Nevos melanocíticos adquiridos comuns
São máculas ou pápulas pigmentadas circunscritas, geralmente com menos de um cm, constituídas por grupos de melanócitos localizados na junção dermo-epidérmica e/ou na derme.
Surgem a partir da infância e na puberdade o seu número tende a aumentar atingindo um máximo nos adultos jovens (em média 20-30 nevos). A partir daqui dá-se uma involução gradual das lesões e a maioria desaparece por volta dos 60 anos, exceptuando os nevos melanocíticos intradérmicos que nunca desaparecem.
São menos frequentes na raça negra do que na caucasiana.
As exposições solares na infância aumentam o número de nevos.
Classificam-se em função da localização das tecas de melanócitos em:
- Juncionais – células na junção dermoepidérmica;
- Intradérmicos – células exclusivamente circunscritas à derme;
- Mistos ou compostos – combinação das características histológicas dos dois tipos anteriores.
Clinicamente têm algumas características que nos podem ajudar a classificá-los, mas apenas a sua análise histopatológica é determinante na classificação.
Os nevos juncionais são manchas de cor uniforme, castanha ou castanha escura, redondas ou ovais, raramente ultrapassando 1cm. Se tiverem mais que 1cm considerar o nevo como congénito ou displásico. Localizam-se frequentemente nas palmas e plantas.
Os nevos compostos distinguem-se dos nevos juncionais por serem pápulas (e não máculas) pigmentadas.
Os nevos intradérmicos são mais frequentes na face e pescoço. São pápulas hemisféricas, cor da pele vizinha ou castanho claro, por vezes com telangiectasias e pelos. Surgem geralmente apenas na segunda e terceira década de vida e não desaparecem espontaneamente.
Nevos melanocíticos atípicos (displásicos)
São nevos melanocíticos adquiridos do tipo juncional ou composto, com características clínicas próprias e que têm como característica histológica uma proliferação desordenada de vários melanócitos atípicos ou displásicos, o que os distingue dos comuns. Os nevos atípicos têm em geral diâmetro superior a 6 mm e um bordo mal definido, irregular. A superfície é discretamente elevada e a cor não é totalmente homogénea.
A designação de displásico é histológica e não clínica.
São mais frequentes nos fototipos mais baixos.
Foram descritos inicialmente por Clark em famílias com grande incidência deste tipo de nevo e considera-se que são potenciais precursores do melanoma maligno de crescimento superficial, assim como indicadores de susceptibilidade genética para desenvolvimento de melanoma maligno primário cutâneo. A síndroma familiar foi designada por Clark por B-K mole syndrome, (B-K são as iniciais da família inicialmente estudada).
Na população em geral a possibilidade de aparecimento de melanoma maligno em indivíduos com nevos atípicos aumenta com o número total de nevos existentes, comuns e atípicos. No entanto, esta relação constitui apenas um entre os vários factores de risco valorizáveis, quanto à probabilidade de aparecimento desta neoplasia.
O diagnóstico dos nevos melanocíticos atípicos levanta o problema da sua distinção em relação ao melanoma maligno em fase inicial. Pode aplicar-se a regra A-B-C-D-E na avaliação objectiva dos nevos atípicos para os diferenciar do melanoma maligno de crescimento superficial:
A – Assimetria – a forma das duas metades da lesão é diferente (fazer passar um eixo pelo centro do nevo);
B – Bordo – irregular;
C – Cor – variegada, várias tonalidades de castanho, preto cinzento, vermelho e branco;
D – Dimensão – superior a 6 mm;
E – Evolução – alterações do nevo notadas pelo próprio paciente, por alguém que lhe é próximo ou pelo médico assistente. O E pode também referir-se a elevação da superfície do nevo.
Nevo de Sutton (halo nevo)
É um nevo adquirido que está rodeado por um halo de despigmentação.
Esta despigmentação surge devido a uma diminuição de melanina e de melanócitos na junção dermoepidérmica. O halo nevo sofre frequentemente involução espontânea, com regressão do nevo localizado centralmente. Admite-se que mecanismos imunológicos sejam responsáveis pela involução destes nevos.
Localiza-se mais frequentemente no tronco e por vezes são múltiplos. São frequentemente observados em indivíduos com vitiligo, inclusivamente em crianças e adolescentes.
O nevo central deve ser excisado se tiver características atípicas, tendo em mente que um halo de despigmentação pode ocasionalmente ocorrer ao redor de um melanoma maligno primário.
Nevo de Spitz
É um tipo particular de nevo composto, juncional ou intradérmico, importante sob o ponto de vista clínico e histopatológico pela dificuldade em diferenciá-lo do melanoma maligno, facto que justificou a designação de melanoma juvenil, actualmente abandonada.
Mais frequente na criança, localiza-se preferencialmente na face e nas mãos. Por vezes pigmentado, manifesta-se outras vezes como pápula eritematosa ou da cor da pele normal, aumentando de dimensões até 0,5 a 1 cm de diâmetro, permanecendo então inalterado.
Nevo de Reed
Também designado como nevo de células pigmentadas fusiformes, tem sido considerado como variante pigmentada do nevo de Spitz.
Manifesta-se sob aspecto clínico de pápula intensamente pigmentada entre poucos milímetros e um centímetro de diâmetro. É mais frequente no sexo feminino, com predomínio pelas coxas.
Diagnóstico Diferencial
O diagnóstico diferencial entre os nevos anteriormente descritos baseia-se nas características clínicas atrás referidas.
No diagnóstico diferencial dos nevos congénitos gigantes há que considerar também os neurofibromas plexiformes.
Outros tipos de lesões pigmentares benignas constituídas por melanócitos epidérmicos são as efélides (“sardas”), lentigos e o nevo de Becker. São também benignos, mas constituídos por melanócitos dérmicos, o nevo azul, os nevos de Ota e de Ito e a denominada mancha mongólica.
As efélides (“sardas”) são pequenas manchas acastanhadas de pigmentação homogénea, que se localizam em áreas fotoexpostas da pele, como na face, dorso do nariz, regiões malares e ombros. Verifica-se incidência familiar e predomínio nos indivíduos de pele clara, em especial nos ruivos. As efélides escurecem após exposição à luz e atenuam-se ou quase desaparecem nos meses de pouco sol.
Resultam da hiperpigmentação da camada basal da epiderme, com número mantido ou até diminuído de melanócitos, apenas com maior capacidade de síntese de melanina pela estimulação luminosa.
A presença de efélides múltiplas representa um dos factores de risco valorizáveis, relativamente à aquisição de melanoma maligno.
Os lentigos são manchas com aspecto semelhante ao das efélides, acastanhadas, homogéneas, ocorrendo geralmente em idades mais tardias que a infância. Localizam-se em áreas cobertas ou em áreas fotoexpostas, sendo as lesões idênticas nos seus aspectos clínico e histopatológico.
Os lentigos estão presentes na síndroma de Peutz-Jeghers e na síndroma LEOPARD.
As manchas café-com-leite são manchas de cor castanha clara homogénea, por via de regra congénitas, de dimensões variadas, solitárias ou múltiplas, benignas. São frequentes, na maior parte dos casos sem qualquer significado, mas podem surgir em associação com doenças sistémicas, de que são exemplos a neurofibromatose (são um dos critérios de diagnóstico a existência de seis ou mais destas manchas com mais de 5 mm antes da puberdade ou mais de 15mm após a puberdade) e o xantogranuloma juvenil (uma histiocitose não X).
O nevo spilus é uma mancha pigmentada, do tipo mancha café-com-leite, sobre a qual se observam outras manchas ou pápulas mais pigmentadas, o que justifica a designação de nevo sobre nevo.
Tem sido descrita associação de nevo spilus com nevos epidérmicos e neurofibromatose de tipo I.
O nevo spilus localiza-se em qualquer parte do corpo e a dimensão é variável.
Embora se encontrem referências esporádicas ao desenvolvimento de melanoma maligno nestes nevos, o risco é muito reduzido, não se justificando a sua exérese profiláctica.
O nevo de Becker é uma mancha pigmentada e pilosa, unilateral, mais comum nos adultos jovens, localizada na espádua e membro superior, por vezes antecedida de queimadura solar. A sua cor é castanho claro, associada a hipertricose mais ou menos acentuada, e a um ligeiro espessamento epidérmico.
O nevo azul é uma pápula ou nódulo, mais raramente mancha, de cor azulada ou acinzentada, benigna, adquirida a partir da adolescência tardia. Corresponde a uma proliferação localizada de melanócitos na derme, o que justifica o seu tom característico. Podendo aparecer em qualquer local, é mais frequente no dorso das mãos ou dos pés.
É assintomático e permanece inalterado. Se se alterar deve proceder-se à sua exérese cirúrgica.
Os nevos de Ota e de Ito são tipos particulares de nevo azul, em geral extensos, localizados o primeiro na face, no território do primeiro e do segundo ramo do nervo trigémio, e o segundo na região escapular. Os nevos de Ota e de Ito são mais frequentes na população asiática.
A mancha mongólica é uma mancha azulada de dimensão variável, mal definida, tipicamente situada na região sacrococcígea, mas podendo surgir noutras localizações.
Está presente ao nascer e tende para o desaparecimento gradual na maioria dos casos em alguns anos. É mais comum nas populações asiáticas e negras, mas observa-se também na caucasiana.
Nos adultos outros diagnósticos diferenciais a colocar são com as queratoses seborreicas e os basaliomas pigmentados.
Exames Complementares
Patologia Clínica
Na avaliação das lesões melanocíticas é de grande ajuda o auxílio da dermatoscopia (utilização de um dermatoscópio, quer manual quer digital computorizado, para uma melhor visualização das características das lesões).
A documentação fotográfica das lesões é também útil na sua vigilância.
Tratamento
Algoritmo clínico/ terapêutico
Na atitude clínica quanto aos nevos melanocíticos congénitos, os problemas principais residem na possibilidade de malignização no sentido de melanoma maligno, e no prejuízo estético que condicionam.
Atendendo a que o potencial risco de aparecimento de melanoma maligno, embora reduzido, é possível e precoce nos nevos melanocíticos congénitos gigantes, a sua excisão cirúrgica profiláctica, na totalidade ou de partes mais atípicas, deve ser efectuada o mais cedo possível, o que por vezes levanta problemas técnicos consideráveis, relativamente à intervenção a realizar. A maioria das autoridades recomenda que estas cirurgias sejam feitas a partir dos seis meses de idade para diminuir os riscos da anestesia geral.
Em alternativa poder-se-á proceder ao follow-up periódico destes nevos para a vida e estar atento (incluindo os pais/cuidadores) a alterações nalguma área do nevo, que pode ser então parcialmente excisado e analisado por histopatologia.
O condicionamento estético relacionado com os nevos gigantes pode também levar a considerar a sua exérese.
Os nevos melanocíticos comuns, em geral, não necessitam de cuidados particulares de vigilância, pois não possuem, em si próprios, potencialidade de malignização. Os localizados no couro cabeludo, plantas dos pés, membranas mucosas e área ano-genital, dado serem observados pelo próprio doente muito raramente, podem ser excisados profilacticamente ou serem vigiados medicamente com regularidade.
Se forem notadas alterações na cor, na regularidade do bordo ou se se tornarem persistentemente pruriginosos, dolorosos ou sangrarem facilmente, devem ser excisados. Estas alterações podem indicar o desenvolvimento focal de células displásicas que podem ser precursoras do melanoma maligno.
Os nevos melanocíticos atípicos devem ser excisados. Se existirem em grande número devem ser vigiados regularmente, nomeadamente recorrendo à dermatoscopia digital e proceder-se à sua exérese cirúrgica sempre que forem detectadas alterações.
Os nevos de Spitz e de Reed devem ser excisados.
Os nevos melanocíticos excisados devem ser sempre analisados histopatologicamente.
O nevo de Sutton não justifica tratamento, nomeadamente exérese cirúrgica profiláctica.
Por razões estéticas é possível a eliminação dos nevos dérmicos por meio dos LASER Q-switched.
Evolução
A maioria dos nevos nas crianças e adolescentes é benigna.
Recomendações
A protecção solar adequada e o estar atento a quaisquer alterações de um sinal na criança ou adolescente ou o aparecimento de novo de um sinal com características estranhas são os conselhos mais importantes para os pais e cuidadores.
Bibliografia
- Rodrigo F, Gomes M, Mayer-da-Silva A, Filipe P. Dermatologia: ficheiro clínico e terapêutico. Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian 2010; pág. 673-684
- Irvine A, Hoeger P, Yan A. Harper’s Textbook of Pediatric Dermatology. Backwell Publishing Ltd 2011;109.1-109.28
- Bolognia J, Jorizzo J, Schetter J. Dermatology. Elsevier Saunders 2012; pág. 1851-2047
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