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Introdução

Mastocitose define um grupo de doenças mieloproliferativas, com acumulação de mastócitos anormais nos tecidos. De acordo com a divisão da OMS (2016), divide-se em mastocitose cutânea (MC) – atingimento exclusivo da pele - e mastocitose sistémica (MS), com atingimento extra-cutâneo (medula óssea, fígado, sistema linfático ou intestinal).

Epidemiologia

É rara, sendo a prevalência exata nas crianças desconhecida. A MC representa 90% dos casos pediátricos. É esporádica, existindo raros casos familiares.

Fisiopatologia

Ocorre por mutações no proto-oncogene cKIT, que codifica uma tirosina-cinase envolvida na proliferação e sobrevivência dos mastócitos. A mutação D816V é comum no adulto, encontrada em 1/3 dos casos pediátricos, podendo existir mutações noutros exões. 

História Clínica

A MC caracteriza-se pela presença de lesões cutâneas típicas precoces (antes dos 2 anos de idade) associadas a prurido, eritema e edema 5-30 minutos após fricção - sinal de Darier positivo. 

É geralmente assintomática. Os sintomas podem ocorrer por libertação de mediadores mastocitários (após fricção mecânica intensa das lesões, ingestão de alimentos histaminolibertadores / de alguns fármacos ou em períodos de maior stress como infeções) e incluem flushing, prurido, sibilância, dor abdominal, vómitos, diarreia e hipotensão.

Estão descritos sintomas do foro neurológico como cefaleias, diminuição da capacidade de concentração e atenção, irritabilidade e depressão. 

A apresentação mais comum em crianças é a MC - forma maculopapular polimórfica.

Formas Clínicas da Mastocitose Cutânea

  • MC Maculo-Papular / MCMP (70-90%): máculas, pápulas ou nódulos amarelados/acastanhados ou avermelhados, de superfície rugosa, dispersos no tronco, podendo afetar a cabeça, pescoço e extremidades. Podem surgir bolhas em crianças mais pequenas. 
  • Mastocitoma Cutâneo Isolado (10-15%): máculas ou nódulos demarcados, amarelo-acastanhados, solitários ou múltiplos (até 3 lesões). Se ≥ 4 lesões, trata-se de uma MCMP. 
  • Mastocitose Cutânea Difusa (1-3%): forma menos comum e mais grave, com envolvimento cutâneo difuso, eritrodermia, pele espessada “casca de laranja” e dermografismo acentuado. Podem surgir bolhas hemorrágicas após fricção. Associa-se a níveis elevados de triptase sérica.

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS

Mastocitose Cutânea 

(critério major + ≥ 1 critério minor):

1 - Presença de lesão cutânea típica (major)
2 - Achado histológico de infiltrado monomórfico de mastócitos consistindo em grandes agregados de mastócitos positivos para triptase (>15 células/agregado ou > 20 mastócitos dispersos por campo microscópico de alta resolução) (minor)
3 - Detecção da mutação ativadora no codão 816 do gene KIT na lesão cutânea (minor)

 

Diagnóstico Diferencial

Mastocitose Sistémica: rara em crianças (<10%). Deve ser considerada e excluída quando apresentação tardia (pós-púberes) ou quando existe um quadro cutâneo associado a hepatoesplenomegalia, linfadenopatia persistente, alterações das enzimas hepáticas ou sintomas sistémicos graves e recorrentes (ver Exames complementares).

Dermatite Atópica: lesões eczematosas com prurido intenso, geralmente localizadas em áreas de flexão (cotovelos, joelhos), sem sinal de Darier positivo, com períodos de melhoria e agravamento. A pele na mastocitose não costuma ter o aspecto xerótico e fissurado da dermatite atópica.

Urticária Crónica: lesões flutuantes ou fugazes, sem pigmentação residual, associada a fatores desencadeantes e sem sinal de Darier.

Anafilaxia: a mastocitose pode estar associada a maior risco de anafilaxia por libertação intensa de mediadores mastocitários. Numa reação anafilática associada a níveis de triptase basal > 20 ug/l deve-se suspeitar de mastocitose, nomeadamente se idiopática.

Neurofibromatose: manchas café-au-lait podem ser, numa fase inicial, semelhantes às da mastocitose, mas não são associadas a prurido nem sinal de Darier. 

Epidermólise bolhosa simples: doença hereditária que causa fragilidade cutânea e bolhas após trauma leve, semelhante à forma bolhosa da mastocitose. O diagnóstico diferencial faz-se com biópsia cutânea. 

Xantogranuloma Juvenil: consiste em nódulos amarelados ou laranjas que surgem no primeiro ano de vida e não estão associados a prurido ou risco de anafilaxia.

Esclerodermia: lesões cutâneas endurecidas, brilhantes e acastanhadas, sem prurido, sem sinal de Darier, com espessamento da pele e rigidez.

Exames Complementares

O diagnóstico é principalmente clínico, baseado nas características das lesões cutâneas, apoiado pelo exame histológico. A mutação KIT D816V na biópsia cutânea confirma o diagnóstico de MC, mas não tem relação com o diagnóstico de MS. O sinal de Darier, embora patognomónico, pode desencadear anafilaxia se pesquisado nas lesões, devendo ser evitado na forma difusa. A avaliação medular não deve ser realizada por rotina.

Numa primeira abordagem, deve ser realizado:

  • Estudo analítico com hemograma com diferencial; parâmetros inflamatórios, função renal, ionograma, parâmetros hepáticos completos e β₂ microglobulina;
  • Triptase sérica basal (normal: 1 a 11.4 ng/mL): sugere-se controlo regular. Em valores elevados, deve ser excluída a alfa-triptasemia hereditária;
  • Ecografia para avaliação de organomegalias ou adenopatias. 

Quando suspeitar de mastocitose sistémica:

  • Persistência das lesões cutâneas na puberdade sem regressão;
  • Surgimento de sintomas na adolescência;
  • Envolvimento cutâneo extenso associado a episódios de anafilaxia e/ou sintomas severos por libertação dos mediadores mastocitários;
  • Alterações hematológicas (citopenias ou células imaturas, eosinofilia…);
  • Elevação persistente dos parâmetros hepáticos;
  • Organomegalia ou linfadenopatia;
  • Valores elevados da triptase sérica basal (sobretudo se >20 ng/mL em duas ocasiões separadas);

Nestas situações, está indicada a pesquisa da mutação KIT D816V no sangue periférico.

Um resultado positivo no sangue periférico é útil e, em conjunto com os outros sinais, reforça a necessidade de avaliação medular.

Um resultado negativo não exclui a possibilidade de existir outra mutação, pelo que devem ser pesquisadas outras mutações KIT.

Tratamento

A abordagem da mastocitose deve focar-se na prevenção e controlo dos sintomas, com ênfase na evicção de fatores desencadeantes e no alívio sintomático, quando necessário.

Prevenção:

  • Evitar atividade física vigorosa, mudanças bruscas de temperatura e fricção mecânica das lesões;
  • Evitar álcool, alimentos ricos em histamina (carnes curadas, peixes fumados, queijos envelhecidos, comida fermentada, beringela, espinafre) e libertadores de histamina (cítricos, morangos, ananás, tomate, nozes, marisco, chocolate, aditivos);
  • Administração de vacinas com maior vigilância (2 horas após a vacina);
  • Evitar medicação com maior risco, nomeadamente AINE`s, opióides e a vancomicina. Em procedimentos cirúrgicos, optar por anestésicos que não induzem desgranulação dos mastócitos e administrar anti-histamínicos antes e depois.

Tratamento:

  • Anti-histamínicos H1 orais não sedativos, como são a primeira linha para sintomas ligeiros. Se os sintomas persistirem, pode-se adicionar anti-histamínico H2 como a ranitidina ou inibidores da bomba de protões para sintomas gastrointestinais;
  • Corticóides tópicos são indicados para lesões bolhosas, e inibidores da calcineurina tópicos (como o pimecrolimus) podem ser usados na MC localizada;
  • Corticóides sistémicos não estão indicados exceto na anafilaxia. Podem ser considerados em curtos períodos em crianças com sintomas graves ou doença extensa;
  • O cromoglicato dissódico (1-4%) em solução aquosa ou emoliente pode reduzir o prurido;
  • A fototerapia não é recomendada, e a excisão cirúrgica de mastocitomas aumenta o risco de anafilaxia, portanto, não é aconselhada;
  • Crianças com MC extensa, lesões bolhosas, episódios prévios de anafilaxia e/ou triptase basal elevada têm maior risco (5-10%) de anafilaxia. Nessas situações, a caneta de adrenalina deve ser prescrita.

Monitorização:

  • Seguimento multidisciplinar com especialista em alergologia e hematologista pediátrico.
  • Embora a MC seja a forma predominante na infância, o seguimento regular é essencial. Deve-se monitorizar fatores desencadeantes, regressão ou estabilidade das lesões e realizar doseamentos de triptase sérica.

Evolução

O prognóstico em crianças está relacionado com a idade de apresentação. Os mastócitos ao nascimento, originados no saco vitelino, são gradualmente substituídos por novos da medula óssea, explicando a resolução espontânea da doença na maioria das crianças. 

Lactentes e crianças pequenas: o prognóstico é excelente quando as lesões cutâneas surgem antes dos 2 anos de idade, pois a resolução espontânea na puberdade ocorre em cerca de 80% dos casos, e apenas 1/100 evolui para MS. Lesões menores podem persistir além dos 8 anos.  

Crianças mais velhas e adultos: a MC que se desenvolve após os dois anos ou na adolescência tende a ser mais severa e persistente, com maiores taxas de progressão para quadros sistémicos. 

As formas cutâneas difusas têm uma elevada probabilidade de remissão aos 5 anos, mas um maior risco de mortalidade associada ao risco de anafilaxia e hemorragia digestiva.

O mastocitoma isolado tende a estabilizar ou regredir na puberdade. As variantes monomórficas estão mais associadas a doença sistémica.

Saber Mais

AINE’s – Anti-Inflamatórios Não Esteróides

KIT - 

MC – Mastocitose Cutânea

MS – Mastocitose Sistémica

OMS – Organização Mundial de Saúde

Bibliografia

1 - Cunha F, Ribeiro C, Ramos L, Carvalho J, Todo Bom A. Mastocitose em idade pediátrica: Caracterização de um período de 5 anos num hospital central. Rev Port Imunoalergologia. 2021;29(2):85-93. doi: 10.32932/rpia.2021.07.056.

2 - Rama TA, Moreira A, Delgado L. Abordagem diagnóstica e terapêutica das mastocitoses – Uma proposta de orientação clínica. Rev Port Imunoalergologia. 2020;28(1):31-49. doi:10.32932/rpia.2020.03.030.

3 - Ługowska-Umer H, Czarny J, Rydz A, Nowicki RJ, Lange M. Current challenges in the diagnosis of pediatric cutaneous mastocytosis. Diagnostics (Basel). 2023;13(23):3583. doi:10.3390/diagnostics13233583.

4 - Lange M, Hartmann K, Carter MC, et al. Molecular background, clinical features and management of pediatric mastocytosis: status 2021. Int J Mol Sci. 2021;22(5):2586. doi:10.3390/ijms22052586.

5 - Giona F. Pediatric mastocytosis: an update. Mediterr J Hematol Infect Dis. 2021;13(1). doi:10.4084/MJHID.2021.069

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