Intolerância hereditária à frutose - Frutosémia
Introdução
Definição
A intolerância hereditária à frutose (IHF, OMIM #229600) é uma doença autossómica recessiva causada por mutações no gene ALDOB que codifica a enzima aldolase B (fructose-1,6-bisfosfato aldolase), importante para o metabolismo da frutose, sucrose e sorbitol.
Epidemiologia
A prevalência estimada na Europa varia entre 1: 18.000 e 1: 31.000.
Etiopatogenia
A deficiência em aldolase B causa:
1. acumulação de frutose-1-fosfato nas células formando precipitados tóxicos que causam lesão hepática e renal, e
2. diminuição da disponibilidade do fosfato inorgânico, substrato da enzima glicogénio fosforilase hepática, com comprometimento da glicogenólise e consequente hipoglicémia após ingestão de frutose, sucrose ou sorbitol.
História Clínica
Anamnese
A IHF manifesta-se tipicamente em lactentes durante o período da diversificação alimentar (entre os 4-7 meses) com a introdução de alimentos contendo frutose, sucrose ou sorbitol.
Os sintomas são habitualmente de aversão a fruta ou sabor doce, desconforto abdominal, náusea, vómito, irritabilidade, palidez, sudorese, letargia, eventualmente de prostração, coma ou convulsão que ocorrem após ingestão de frutose, sucrose ou sorbitol É uma das raras causas de hipoglicémia pós-prandial.
Para além dos alimentos, outras substâncias contendo sucrose podem desencadear uma crise, são exemplo alguns excipientes de medicamentos, a solução de sucrose oral para analgesia e a administração parentérica de frutose (actualmente rara).
Se a situação não é reconhecida e a frutose não é excluída da dieta, a doença pode evoluir de forma crónica e flutuante com atraso de crescimento, doença hepática crónica (hepatomegalia, icterícia, tendência hemorrágica, edema, ascite) e disfunção tubular renal proximal.
Nos doentes não diagnosticados até à idade adulta verifica-se uma menor incidência de cáries dentárias.
Exame objectivo
Os achados no exame físico dependem da idade e da forma de apresentação.
Assim, lactentes com apresentação aguda após ingestão de frutas ou vegetais podem apresentar sinais de desidratação (fontanela deprimida, tempo de reperfusão aumentado, olhos encovados, mucosas secas…) e sinais de disfunção hepática como distensão abdominal, hepatomegalia, icterícia, discrasia hemorrágica.
Os doentes não tratados, com evolução crónica, podem apresentar baixa estatura e abdómen proeminente (hepato e nefromegália).
Outros sinais mais raros relacionados com as alterações metabólicas são: gota associada à hiperuricemia; e equimoses fáceis e epistáxis como resultado da alteração da função plaquetária secundária a insuficiência hepática.
Diagnóstico Diferencial
É necessário um elevado nível de suspeição para o diagnóstico de IHF, uma vez que o espectro de sinais e sintomas é vasto e inespecífico. O elemento chave no diagnóstico da IHF é uma história nutricional meticulosa com especial enfase ao momento da introdução das frutas e vegetais na dieta.
Um dos diagnósticos diferenciais mais frequente é a má-absorção ou intolerância à frutose, na qual existe um defeito nos transportadores de frutose no intestino delgado. Os sintomas sobrepõem-se com os observados na IHF e incluem diarreia, distensão intestinal e aumento da flatulência com ingestão de alimentos contendo frutose. Em casos mais graves, também podem existir vómitos e dor abdominal. As duas entidades podem ser distinguidas pela presença de frutose na urina na IHF e pelo teste respiratório de hidrogénio e presença de frutose nas fezes na má-absorção de frutose.
Sintomas semelhantes aos da IHF também podem ser observados na deficiência de sacarase isomaltase.
As doenças congénitas da glicosilação do tipo I devem ser consideradas no diagnóstico diferencial de IHF, não só devido à sobreposição de sintomas (incluindo insuficiência hepática, atraso de crescimento e aminoacidúria / síndrome renal de Fanconi), mas, também porque a IHF causa um défice secundário da glicosilação devido aos efeitos inibitórios da fructose-1-fosfato na fosfomanose isomerase. Assim, a focagem isoeléctrica da transferrina pode estar alterada mas deverá corrigir com a evicção da frutose e melhoria da função hepática.
Na apresentação clínica de insuficiência hepática aguda, icterícia inexplicada, hipoglicémia ou síndrome Reye-like na criança devem ser consideradas os diagnósticos diferenciais de sépsis, hepatite infecciosa, hepatite auto-imune, hepatite tóxica, deficiência de alfa-1-antitripsina, outras doenças metabólicas (tirosinémia, galactosémia, doenças do ciclo da ureia, deficiência de citrina, doenças da beta-oxidação dos ácidos gordos, acidúrias orgânicas, leucinose, doença de Wilson, glicogenoses hepáticas, síndrome de depleção do DNA mitocondrial, deficiência de transaldolase e défices congénitos de glicosilação.
A ocorrência simultânea da IHF com outras doenças (por exemplo, fenilcetonúria, doença celíaca e distrofia muscular de Duchenne) pode atrasar o diagnóstico e / ou o início do tratamento da IHF.
Exames Complementares
Patologia Clínica
A presença de substâncias redutoras na urina é característico da galactosémia e intolerância hereditária à frutose. É muito importante que seja efectuada numa colheita de urina em crise pois poderá ser negativa fora desse período. A identificação da frutose pode ser posteriormente confirmada pela cromatografia de açucares na urina.
Na fase aguda, podem existir alterações sugestivas de insuficiência hepática aguda e disfunção tubular renal proximal: hipoglicémia, elevação das transaminases, hipoalbuminémia, hiperbilirrubinémia, acidose láctica, hipofosfatémia, hiperuricémia, hipermagnesémia. Complicações renais como bicarbonatúria, fosfatúria, aminoacidúria (síndrome de Fanconi adquirido) também podem ser detectadas em análises da urina. A melhoria clínica e laboratorial ao fim de alguns dias da suspensão da frutose constitui um sinal diagnóstico importante.
Sempre que possível, o diagnóstico de IHF deve ser confirmado por análise molecular do ADN nos leucócitos do sangue periférico.
A actividade enzimática na futose-1-fosfato aldolase B na biópsia hepática poderá ser uma opção diagnóstica no caso de falência de identificação de mutação.
Imagiologia
Importante apenas para exclusão de outras etiologias de disfunção hepática ou renal.
Tratamento
Em caso de intoxicação aguda grave, poderá ser necessário internamento em cuidados intensivos para tratamento de suporte da insuficiência hepática, correcção da hipoglicémia e acidose metabólica.
O principal passo terapêutico é a eliminação imediata de todas as fontes de frutose, sacarose e sorbitol. Após isso, a maioria das alterações desaparece rapidamente, excepto a hepatomegalia, que pode persistir por meses ou mesmo anos.
Dieta
O tratamento é essencialmente dietético e consiste na evicção de frutose, sacarose e sorbitol presentes naturalmente em frutas e vegetais ou adicionados durante o processamento alimentar.
Deve ser mantido em mente que frutose e sorbitol podem estar presentes em medicamentos (por exemplo, xaropes, soluções de imunoglobulina, soluções de enema).
Apesar da disponibilidade de livros e informações online da composição de alimentos, deve ser consultado um nutricionista para discussão de aspectos práticos da dieta (por exemplo, a considerável variabilidade do conteúdo de frutose de diferentes tipos de alimentos, e a influência da temperatura de armazenamento, método de preparação e tipo de cozimento na biodisponibilidade).
Adjuvantes
Devido à natureza restritiva da dieta é recomendável a suplementação diária com multivitamínicos "isentos de açúcar" para evitar deficiências de micronutrientes, especificamente vitaminas hidrossolúveis.
Evolução
Quando o tratamento é implementado precocemente e a adesão é mantida o prognóstico é excelente, com crescimento, desenvolvimento e esperança de vida normais.
Bibliografia
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