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Introdução

Introdução

A insuficiência ovárica primária (IOP) é rara na adolescência e o seu diagnóstico revela-se particularmente delicado, com implicações deletérias a nível biofísico e psicológico. Este tema deve ser abordado de uma forma sensível, sendo importante referir a possibilidade de remissão e o facto de poder ocorrer gravidez em 5 a 10% dos casos.

Definição

Caracteriza-se pela depleção ou disfunção folicular ovárica, que surge antes dos 40 anos. O quadro de hipogonadismo hipergonadotrófico manifesta-se pela ausência ou interrupção da menstruação, elevação das gonadotrofinas (FSH, LH) e hipoestrogenismo.

Epidemiologia

Afeta 1% da população com menos de 40 anos e 0,1% com menos de 30 anos. Na adolescência a IOP é tipicamente iatrogénica ou devida a alteração genética.

História Clínica

Não existem critérios definitivos para o diagnóstico de IOP e o atraso no diagnóstico na adolescência é comum. Deverá ser colocada como hipótese diagnóstica quando ocorre amenorreia associada a níveis elevados de FSH.

Uma anamnese detalhada permitirá determinar uma potencial causa de IOP apesar de não ser possível efetuar-se o diagnóstico etiológico em 65 a 90% dos casos.

Anamnese

  • História familiar (10 a 15% de formas hereditárias) devendo-se pesquisar a presença de familiares do sexo masculino com atraso mental (Síndrome X-frágil).
  • A forma mais comum de apresentação é a amenorreia primária ou secundária. Algumas adolescentes podem referir afrontamentos e secura vaginal.
  • Pode manifestar-se inicialmente sob a forma de hemorragia uterina anormal, como oligomenorreia ou polimenorreia, sintomas bastante frequentes na adolescência.
  • Apesar de menos de 10% das jovens com estes sintomas apresentarem mais tarde IOP, como se trata de uma entidade patológica com um considerável impacto negativo a nível da saúde, considera-se imperiosa a avaliação da amenorreia ou a modificação do padrão regular que decorre durante mais de três meses consecutivos.
  • Devem-se pesquisar antecedentes de infeções (doença inflamatória pélvica; sarampo; citomegalovírus).

Exame objectivo

  • Avaliar a curva de crescimento e o desenvolvimento pubertário
  • Pesquisa de sinais evocadores da Síndrome de Turner ou de blefarofimose, ataxia, surdez, hipertensão arterial, candidíase, vitiligo e de patologia tiroideia.

Diagnóstico Diferencial

As causas conhecidas de IOP diferenciam-se em genéticas, autoimunes, iatrogénicas e tóxicas (Quadro 1). Entre as causas genéticas os defeitos do cromossoma X são os mais frequentes, destacando-se a Síndrome de Turner, que pode ocorrer em 1:2500 nados vivos. A pré-mutação do gene FMR1 da síndrome X-Frágil, de transmissão autossómica dominante, tem uma prevalência de 5%, nas mulheres com IOP esporádica e de 12-14%, nos casos de IOP familiar.

Referem-se outras alterações genéticas implicadas na IOP, não relacionadas com a depleção folicular:

  • Mutações dos recetores de FSH, de LH e mutação da subunidade alfa da proteína G.
  • Défices enzimáticos implicados na esteroidogenese: mutações do  gene STAR, dos genes da aromatase, da 17-alfa-hidroxilase, da 17-20 desmolase, CYP 17 e NR5A1 (steroidogenic factor 1)
Etiologia Alterações Clínica
Genética Cromossoma X

-Monossomia X, trissomia X, mosaicismo, deleções, inversões, duplicações e translocações do cromossoma X.

-Pré-mutação FMR1

-Mutação na BMP15 – bone morphogenetic protein-15
Autossómicas

-Mutação FOXL2 - blefarofimose, ptose e epicantus inversus

-Gene ATM (ataxia-telangiectasia) - degenerescência cerebelosa, distúrbios oculomotores, imunodeficiência e predisposição para cancro

-Síndrome de Bloom – crescimento deficitário e predisposição para cancro

-Oftalmoplegia externa progressiva- doença mitocondrial associada a risco de IOP

-Galactosemia- insuficiência hepatocelular e distúrbios neurológicos

-Síndrome de Perrault - surdez congénita e baixa estatura

-Mutações dos genes da aromatase, da 17 alfa-hidroxilase e da 17-20 desmolase

Autoimune Síndrome de falência autoimune poliglandular Tipo I - APECED (auto-immune polyendocrine candidasis ectodermal dystrophy): doença de transmissão autossómica recessiva por mutação do gene AIRE (falência da suprarrenal e paratiróide; candidíase crónica cutâneo-mucosa).
Iatrogénica   Quimioterapia; radioterapia e cirurgia ovárica
Infeções e tóxicos   Infeções prévias / consumo de tabaco

Como 5% da IOP se deve a patologia autoimune, é necessário excluir-se a existência de: doença de Addison, tiroidite, LES, síndrome de Sjögren, artrite reumatóide, PTI, doença celíaca e miastenia grave. Na criança e adolescente a IOP pode ocorrer em 17 a 50 % dos casos da síndrome de falência autoimune poliglandular tipo 1.

A IOP pode manifestar-se inicialmente sob a forma de oligomenorreia ou polimenorreia pelo que é necessário excluir outras causas potencialmente implicadas na hemorragia uterina anormal:

  • gravidez
  • terapêutica hormonal (contracetivos)
  • síndrome do ovário poliquístico

O diagnóstico diferencial abrange ainda as outras causas de amenorreia mais comuns nesta faixa etária:

  • gravidez
  • hiperprolactinemia
  • amenorreia hipotalâmica

Exames Complementares

Doseamentos hormonais

  • FSH – habitualmente os valores são superiores a 30-40 mil/ml; devem ser efetuados 2 doseamentos com o intervalo de um mês.
  • LH
  • Estradiol – valores inferiores a 50 pg/ml indicam hipoestrogenismo
  • AMH – valores baixos são sugestivos de IOP
  • Prolactina
  • Doseamentos hormonais tiroideus
  • Anticorpos: anti-tiroideus, anti-suprarrenal; anti-21-hidroxilase; anti-ováricos, anticorpos do diabetes de tipo 1

Cariotipo

  • 50% das adolescentes com amenorreia primária (na ausência de outras patologias) apresentam alterações cromossómicas, bem como 13% das que apresentam amenorreia secundária

Estudos genéticos

  • Pesquisa de FMR1; gene AIRE; gene FOXL2

Imagiologia

  • Ecografia pélvica - avaliar o volume ovárico e a existência de folículos; dimensões e morfologia uterina.
  • Rx da mão e punho esquerdo – a avaliação da idade óssea é instrutiva para avaliar o potencial de crescimento residual e determinar a instituição do tratamento hormonal. Recomenda-se começar o tratamento com estrogénios na idade normal do início da puberdade, ou seja por volta dos 11 anos de idade óssea.
  • Densitometria óssea- permite avaliar o impacto sobre a mineralização óssea e pode ter interesse no seguimento da doente, um a dois anos após a instituição do tratamento hormonal.

Tratamento

O impacto do diagnóstico de IOP a nível da saúde futura constitui o ponto mais relevante, motivo pelo qual a abordagem terapêutica assenta em duas vertentes fundamentais: apoio psicológico e terapêutica hormonal. Esta tem como objetivo, não o simples alívio dos sintomas, resultantes da carência de estrogénios mas o de promover a saúde a nível ósseo, cardiovascular e sexual. Nos casos de amenorreia primária e ausência de desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários consiste na administração de estrogénios em muito baixas doses, a fim de mimetizar a maturação progressiva pubertária. Quando a adolescente já completou o seu desenvolvimento pubertário o tratamento deverá aproximar-se o mais possível da função ovárica normal. Preconiza-se a administração de 17-beta estradiol transdérmico ou oral na dose diária de 100 mcg ou de 2 mg, respectivamente. A adição de progesterona cíclica durante 10-12 dias de cada mês é protetora em relação à hiperplasia do endométrio. Os contracetivos orais contêm doses de estrogénios superiores às recomendas na terapêutica hormonal, pelo que não são aconselhados como primeira linha.

O aconselhamento contracetivo da adolescente deverá privilegiar a utilização de métodos de barreira e do dispositivo intrauterino. Se a doente optar por um método sem estrogénios, a terapêutica hormonal deve ser mantida, para prevenir os efeitos adversos do hipoestrogenismo.

Não se recomenda a terapêutica com androgénios nas doentes com IOP com função suprarrenal normal.

Nos casos de etiologia autoimune suprarrenal teoricamente a função ovárica pode ser restaurada se uma terapêutica imunossupressora for instituída precocemente.

Evolução

Reconhecer a IOP nas adolescentes que referem ciclos irregulares e amenorreia é essencial para garantir um cuidado adequado a nível endócrino, ginecológico e reprodutivo e um aconselhamento específico.

A vigilância a médio e longo prazo das comorbilidades relacionadas com o potencial compromisso da densidade óssea, o risco cardiovascular (CV) e as endocrinopatias autoimunes associadas são importantes e os pais devem ser alertados para a necessidade de reavaliação periódica a estes níveis. Recomendam-se uma série de medidas para prevenção da doença cardiovascular: evicção do consumo de tabaco, dieta e exercício físico apropriados, avaliação anual da pressão arterial e do perfil lipídico a cada 5 anos.

As doentes com Síndrome de Turner têm riscos acrescidos de doença CV, incluindo de coartação da aorta o que implica medidas adicionais. Como a prevalência de patologia tiroideia é elevada nas doentes com IOP é aceitável efetuar o estudo da função da tiroide a cada um a dois anos.

Os casos reportados de recuperação da função ovárica em jovens com galactosemia estão bem documentados. No global a possibilidade de remissão parcial ou total tem sido evidenciada em cerca de 50% dos casos, quer através de resultados hormonais, ecografia pélvica ou de conceção.

Recomendações

A prevenção da IOP iatrogénica perante o diagnóstico de cancro na infância e adolescência é recomendada preconizando-se actualmente:

  • a criopreservação ovárica unilateral, em casos de tratamento particularmente deletério (agentes alquilantes, irradiação corporal total, do sistema nervoso central ou pélvica).
  • as técnicas de preservação da fertilidade, designadamente a criopreservação de ovócitos constituem uma opção elegível nas adolescentes com síndrome de Turner mosaico.
  • a transposição dos ovários, indicada em determinados casos em que se efetua radioterapia localizada à pélvis

A doente e família não estão preparadas para se confrontarem com a notícia inesperada relativamente ao compromisso da função ovárica e da fertilidade futura. O diagnóstico deve ser comunicado da forma menos traumatizante possível, após avaliação de todos os exames pedidos. Sugere-se a marcação de uma segunda consulta para esclarecimentos complementares.  

  • Salienta-se a vantagem de se utilizar a terminologia insuficiência ovárica que transmite a ideia de continuidade e de possibilidade de remissão, ao contrário do termo falência ovárica.
  • A referenciação para aconselhamento psicológico específico é considerada essencial.

Saber Mais

Glossário

Insuficiência ovárica - Perda precoce da função dos ovários devido à depleção ou disfunção dos folículos que ocorre antes dos 40 anos. Insuficiência ovárica primária difere da menopausa na medida em que as mulheres com insuficiência ovárica primária podem ter períodos ocasionais de funcionamento regular e podem, eventualmente, engravidar.  

Amenorreia - Ausência de menstruação. Pode ser classificada em primária ou secundária. A amenorreia primária é definida como ausência de menarca e a amenorreia secundária ausência de menstruação durante 6 meses ou mais, em mulheres que já apresentaram ciclo normal.

Bibliografia

  1. Welt CK , Pathogenesis and causes of spontaneous primary ovarian insufficiency (premature ovarian failure) UpToDATE. Aug  21, 2015
  2. Primary Ovarian Insufficiency in Adolescents and Young Women, Committee Opinion Nº 605.July 2014; The American College of Obstetricians and Gynecologists
  3. Nelson LM, Calis KA. Management of spontaneous primary ovarian insufficiency (premature ovarian failure) UpToDATE. Nov 03, 2015
  4. Davies P, Connor E, MacKenzie J, Jamieson MA. Spontaneous Recovery of Ovarian Function in an Adolescent with Galactosemia and Apparent premature Ovarian Insufficiency. J Pediatr Adolesc Gynecol. 2015 Aug;28(4):e101-3.
  5. Pederson J, Kumar RB, Adams Hillard PJ, Bachrach LK. Primary ovarian insufficiency in adolescents: a case series. Int J Pediatr Endocrinol. 2015;2015(1):13.

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