Íleos meconial
Introdução
Definição
Oclusão intraluminal do íleon distal por mecónio espesso e viscoso.
É uma das causas de oclusão intestinal neonatal.
No intestino delgado, o mecónio é duro e espesso devido às secreções intestinais anormais. A falta de enzimas pancreáticas contribui para esta anomalia do mecónio.
Epidemiologia
O íleos meconial surge quase sempre associado a fibrose cística (80 a 90% dos casos).
10 a 20% dos casos de fibrose cística têm a sua primeira apresentação como íleus meconial.
A incidência do íleos meconial é de 1:20000 recém-nascidos.
A incidência da fibrose cística é de 1:2000 recém-nascidos.
É muito raro em outra população que não a ariana.
História Clínica
Classificação do íleos meconial
Forma simples (50 a 60% dos casos) - o íleon proximal está muito dilatado, enquanto o íleon distal está obstruído por bolas de mecónio duro, espesso e aderente e o cólon está colapsado e vazio (microcólon de desuso).
Forma complicada (40 a 50% dos casos) - in útero ocorre volvo intestinal, perfuração, necrose, atrésia, peritonite meconial ou pseudoquisto, tudo complicações mecânicas da alteração primária.
Anamnese, exame objectivo
A apresentação clínica é a de uma oclusão intestinal, geralmente num recém-nascido de termo, sem malformações associadas.
A presença de história familiar de fibrose cística leva a um elevado índice de suspeição desta patologia.
A forma simples manifesta-se por oclusão intestinal típica do intestino delgado com vómitos biliosos, distensão abdominal e ausência da emissão de mecónio.
Os sintomas são geralmente evidentes 24 a 48 horas após o nascimento.
Na forma complicada, a apresentação clínica é semelhante, mas geralmente surge mais precocemente, logo após o parto, o recém-nascido está visivelmente doente e apresenta um abdómen distendido mais tenso e a parede abdominal inflamada. Pode apresentar dificuldade respiratória devido à enorme distensão abdominal, no caso de perfuração com peritonite meconial.
Diagnóstico Diferencial
Considerar todas as causas de oclusão intestinal no recém-nascido. Apresentam-se apenas as mais frequentes:
Síndrome do rolhão de mecónio - a obstrução é ao nível do cólon e não do íleon distal. Pode confundir-se com a forma simples do íleos meconial, mas a sua resolução será mais fácil e rápida.
Atrésia intestinal - clinicamente muito semelhante, será o RX de abdómen que fará o diagnóstico diferencial ao apresentar níveis hidro-aéreos e ausência de ar nos quadrantes inferiores.
Doença de Hirschsprung - geralmente a instalação da clínica é mais lenta com vómitos mais tardios e distensão abdominal mais exuberante. O RX de abdómen ou o clister opaco permitem suspeitar desta patologia pela presença de distensão do cólon que não existe no íleos meconial.
Volvo intestinal - a sintomatologia é de instalação súbita, com mau estado geral do recém-nascido que evolui muito rapidamente com instabilidade hemodinâmica.
Enterocolite necrosante - geralmente surge em bebés prematuros e/ou de baixo peso, alguns dias ou semanas após o nascimento, associado a parâmetros analíticos infecciosos.
Exames Complementares
Patologia clínica
Teste do suor - faz o diagnóstico de fibrose cística. No primeiro mês de vida a criança geralmente não produz suor suficiente para realizar o teste, pelo que pode ter de se esperar mais de um mês para diagnosticar com certeza a fibrose cística.
Doseamento plasmático de tripsina imunorreactiva - também faz o diagnóstico de fibrose cística mas só nos primeiros 2 meses de vida. Tem muitos falsos negativos (20%) e alguns falsos positivos (0,5%).
Imagiologia
Radiografia simples do abdómen de pé - revela ansas intestinais distendidas, geralmente sem níveis hidroaéreos, devido ao mecónio viscoso. A presença de níveis hidroaéreos sugere a forma complicada de íleus meconial. A aparência granular do conteúdo intestinal, tipo “bolhas de sabão” ou “vidro moído”, principalmente na fossa ilíaca direita é patognomónica do íleos meconial. Surgem pequenas calcificações quando ocorre perfuração pré-natal com peritonite meconial.
Clister opaco - realizado com contraste hidrossolúvel, está indicado quando se suspeita de íleos meconial simples. Revela um microcólon de desuso e faz o diagnóstico de íleus meconial quando o contraste atinge o íleon terminal cheio com as pequenas bolas de mecónio espesso e viscoso.
No íleos meconial complicado o clister opaco não tem indicação, já que o RX simples é suficiente para indicar a necessidade de laparotomia.
Tratamento
Tratamento conservador
Só deve ser tentado no íleos meconial não complicado.
Consiste na realização de enema de contraste hidrossolúvel e hiperosmótico, sob controlo radioscópico, geralmente gastrografina diluída a 50%.
A gastrografina promove a liquefacção e passagem do mecónio espesso e, ao mesmo tempo que faz o diagnóstico de íleos meconial, participa também na sua resolução. Se não há sinais de peritonite ou perfuração e não foi atingido o íleon dilatado, pode repetir-se o enema algumas horas depois. Os enemas diários continuam até sair mecónio espontaneamente e ter resolvido a distensão abdominal.
Pode usar-se do mesmo modo a N-acetil-cisteína diluída a 1%, que também dissolve o mecónio espesso. Esta, além da via rectal (enema), pode também ser usada via oral, diariamente, até à resolução do quadro oclusivo.
Tratamento cirúrgico
A intervenção cirúrgica está indicada em todas as formas complicadas de íleos meconial, na forma simples quando o enema não corrige a obstrucção e quando não se consegue excluir o diagnóstico de atrésia intestinal.
No íleos meconial simples a finalidade da cirurgia é evacuar completamente as bolas obstructivas de mecónio do íleon. Isso consegue-se com uma enterotomia no intestino distendido, lavagem com sonda intestinal com N-acetil-císteina ou soro fisiológico e encerramento da enterotomia, no mesmo acto operatório. Quando não se consegue limpar o intestino distal ou a criança tem mau estado geral ou houve lesão intestinal, a ileostomia é a melhor opção, continuando a irrigação intestinal via rectal e estoma no pós-operatório, até o trânsito intestinal ser restabelecido.
No íleos meconial complicado, os achados intra-operatórios ditam o que deve ser feito; quase sempre é necessária ressecção intestinal mas os 2 topos intestinais resultantes podem ser ou não imediatamente anastomosados, dependendo da estabilidade da criança e do grau de contaminação peritoneal. No pós-operatório, deve também fazer-se a irrigação do intestino distal até ao restabelecimento do trânsito intestinal.
Evolução
No íleos meconial simples que resolve com tratamento conservador, a sobrevida imediata é de 100%. A necessidade de cirurgia de qualquer tipo aumenta a morbilidade e mortalidade.
Nos casos associados a fibrose cística é esta entidade que determina a maior morbilidade e mortalidade, principalmente pelas complicações pulmonares desta doença. Actualmente, apenas 50% das pessoas com fibrose cística ultrapassa os 28 anos de idade.
Os raros casos em que não existe fibrose cística têm um prognóstico bom com raras complicações digestivas associadas.
Morbilidade a curto prazo:
- Recorrência da obstrucção por mecónio espesso, necessitando novamente tratamento conservador ou cirúrgico;
- Deiscência de anastomose intestinal ou da sutura da enterotomia;
Morbilidade a médio / longo prazo:
- Má-absorção por ressecção extensa do intestino delgado ou dificuldade de absorção intestinal;
- Oclusão intestinal por bridas, risco presente em todos os doentes laparotomizados;
- Equivalente do íleus meconial que surge em cerca de 10% de crianças mais velhas que tiveram íleos meconial e que se deve a uma obstrucção intestinal mecânica por fezes espessas. Muitas vezes deve-se a um episódio de desidratação ou à falta de suplementos de enzimas pancreáticos, necessários nos casos de fibrose cística.
- Prolapso rectal;
- Invaginação intestinal.
Recomendações
A criança deve ser encaminhada para um centro especializado em fibrose cística, onde lhe seja dado apoio, assim como à família.
Recomenda-se um estudo genético dos progenitores no sentido de poderem planear esclarecidamente futuras gestações.
Quando se inicia a fórmula láctea normal é necessário administrar enzimas pancreáticas para prevenir as complicações gastrointestinais.
No período neonatal, em que por vezes há alergia às enzimas pancreáticas, é recomendada uma fórmula de hidrolisado de proteínas e gorduras de cadeia média, como o Pregestimil, que não requer administração concomitante de enzimas pancreáticas para a digestão e absorção.
Bibliografia
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