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Introdução

A associação entre hipertensão arterial e doença cardiovascular foi estabelecida há muito nos adultos. A sua importância deriva da consciência de que a frequência desta patologia em crianças e adolescentes é maior do que se pensava e tem consequências a médio e longo prazo, como o aumento do risco de doença cardiovascular precoce na idade adulta.

Porque é importante avaliar a pressão arterial na idade pediátrica?

A hipertensão arterial tem grande probabilidade de persistir ao longo da infância e adolescência e transitar para a idade adulta – fenómeno de «tracking»- condicionando o desenvolvimento precoce de morbilidade e mortalidade cardiovascular na idade adulta.

Deste modo a identificação destas crianças e a intervenção para tratamento desta patologia tem impacto no controlo da doença cardiovascular e consequentemente na mortalidade.

Epidemiologia

A hipertensão arterial afecta cerca de 1 a 5% das crianças e adolescentes, sendo difícil estabelecer a prevalência com exatidão devido ao elevado número de casos não diagnosticados por diversos motivos que incluem: diferenças na definição do diagnóstico, no método de avaliação da pressão arterial, variações nas estratégias de vigilância e saúde infantil.

Foi estabelecida uma relação entre a obesidade e a prevalência de hipertensão arterial em idade pediátrica, com 25 a 30% dos adolescentes obesos com diagnóstico de hipertensão arterial, o que explica, em parte, o aumento do número de crianças e adolescentes com hipertensão arterial documentada, associado ao grande aumento de obesidade e alterações do estilo de vida dos últimos anos.

Definição

Ao contrário do que acontece nos adultos, a hipertensão arterial pediátrica é uma definição estatística baseada na distribuição da pressão arterial em crianças e adolescentes saudáveis, sendo que os valores da mesma aumentam com a idade e o tamanho corporal. Assim a distribuição destes valores permitiu o estabelecimento de percentis, que variam com a idade, género e estatura. (tabelas americanas disponíveis em www.nhlbi.nih.gov/files/docs/guidelines/child_tbl.pdf).

A hipertensão arterial em idade pediátrica é definida por uma pressão arterial sistólica ou diastólica persistentemente acima do percentil (P) 95 para a idade, género e estatura.

Adicionalmente a hipertensão pode classificar-se em estádio 1 quando a pressão arterial se situa entre o P95 e 5 mmHg acima do P99, e estádio 2 quando são superiores ao P99 + 5 mmHg.

Crianças e adolescentes com pressão arterial entre o P90 e o P95 são classificados como tendo uma pressão arterial normal-alta ou «pré-hipertensão».

Desde 2016 que a Sociedade Europeia de Hipertensão estabeleceu que a partir dos 16 anos, a hipertensão arterial deve ser definida como nos adultos e não se basear em percentis; deste modo para esta idade o diagnóstico de hipertensão arterial é estabelecido quando a pressão arterial sistólica é ≥ 140 mmHg ou a pressão arterial diastólica é ≥ 90 mmHg. Valores entre 130-130 mmHg de sistólica e 85-89 mmHg de diastólica definem pressão arterial normal-alta.

Quadro 1: classificação da hipertensão arterial em crianças e adolescentes (Guidelines da Sociedade Europeia de Hipertensão arterial, 2016)

Classificação

0-15 anos

Percentil da PA sistólica e/ou diastólica

≥ 16 anos

PA sistólica e/ou diastólica

Normal

Normal-alta/Pré-hipertensão ≥ P90 e 130-139/85-89 mmHg
Hipertensão (HTA) ≥ P95 ≥ 140/90 mmHg
HTA estádio 1 Entre P95 e P99 + 5 mmHg 140-159/90-99 mmHg
HTA estádio 2 > P99 + 5 mmHg 160-179/100-109 mmHg

Patofisiologia e fatores de risco

A pressão arterial é determinada pelo produto da resistência vascular periférica e do débito cardíaco, este último dependente da frequência cardíaca e do volume sistólico. O equilíbrio destes fatores para a manutenção de uma adequada pressão arterial é regulado por interações complexas de vários mecanismos, que incluem o sistema nervoso central e periférico, fatores humorais, fatores renais e o sistema cardiovascular.

Existem diferentes recetores a nível do aparelho cardiovascular, situados sobretudo no coração e grandes vasos, que detetam alterações na pressão arterial e frequência cardíaca. Estes originam respostas compensatórias, com activação simpática em caso de diminuição da pressão ou frequência cardíaca, com libertação de neurotransmissores e activação em cascata de várias substâncias que acabam por incluir vários sistemas dos anteriormente citados (peptídeo natriurético auricular, angiotensina…) e conduzem ao aumento da pressão arterial e/ou frequência cardíaca. Por sua vez, em resposta a um aumento da pressão arterial, é desencadeada uma resposta com activação do parassimpático, que culmina com compensação contrária.

Por outro lado, a presença de citocinas inflamatórias circulantes, que condicionam a diminuição da quantidade de óxido nítrico, interferem com o tónus vascular com consequente aumento da resistência vascular periférica e ativação de mecanismos de lesão endotelial.

O ácido úrico tem vindo a ser relacionado com a pressão arterial essencial, levantando-se a hipótese do seu papel nas alterações arteriolares presentes nesta patologia.

O sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) tem um importante papel na manutenção do volume vascular, através do controlo da retenção/excreção de sal a nível renal, um dos principais factores determinantes da pressão arterial, embora também com ações diretas no tónus vascular e indiretas pela interação com outros efetores.

Esta complexa rede de mecanismos, que em perfeito equilíbrio determina uma normal pressão arterial, sofre influência de vários factores genéticos e ambientais.

Fatores de risco

Obesidade

Vários estudos permitiram já estabelecer uma relação entre aumento do índice de massa corporal e aumento da pressão arterial, com uma muito maior prevalência desta patologia em crianças e adolescentes obesos.

Hábitos e estilo de vida

A dieta «moderna», com elevada proporção de alimentos pré-confecionados, é mais rica em sal e gorduras, sendo o sal o principal determinante do volume vascular e a presença de excesso de gorduras contribui para o aumento do índice de massa corporal e para a lesão vascular.

O crescente sedentarismo, por sua vez, foi associado com risco de obesidade e perfil lipídico desfavorável.

Factores genéticos, grupos étnicos, factores culturais e familiares ambientais

Na maioria dos doentes pediátricos com hipertensão arterial essencial existe uma história familiar positiva de hipertensão arterial. Pensa-se que esta será resultado da interacção de uma hereditariedade complexa envolvendo múltiplos genes com diversos fatores culturais e familiares ambientais.

Existem algumas doenças raras, com hereditariedade monogénica, que cursam com hipertensão arterial, e cujo diagnóstico genético está identificado:

  • Síndrome de Liddle: mutação no gene do canal do sódio, associa-se níveis baixos de renina e aldosterona, hipocaliemia e alcalose metabólica.
  • Pseudohipoaldosteronismo tipo 2 (Síndrome de Gordon): mutações nas cinases WNK 1 e 4, com elevada reabsorção de cloro e sódio. Caracteriza.se por hipertensão, hipercaliémia e renina e aldosterona baixas ou normais-baixas.
  • Hiperaldosteronismo familiar tipo I (sensível aos glicocorticoides): gene quimérico envolvendo os genes da 11 β-hidroxilase e da aldosterona sintetase, resultando na síntese de aldosterona estimulada pelo ACTH.
  • Hiperplasia congénita da suprarrenal por deficiência de 11 β-hidroxilase e da 17α-hidroxilase: cursam com renina e aldosterona baixas, hipocaliemia e alcalose metabólica.
  • Síndrome de excesso aparente de mineralocorticóides: gene da enzima 11-β-hidroxisteroide desidrogenase. Existe uma activação anormal dos recetores renais de mineralocorticoides pelo cortisol circulante, com aumento da reabsorção de sódio. Cursa com renina e aldosterona baixas e alcalose.

Estas doenças associam-se a atividade de renina plasmática baixa, ao contrário das causas mais frequentes de hipertensão arterial no doente pediátrico.

Origem étnica

Observa-se maior incidência de hipertensão arterial nos indivíduos de origem africana negra está bem estabelecida em adultos e é sugerida em vários estudos em idade pediátrica.

Género

A incidência de hipertensão arterial parece ser mais elevada no género masculino.

Aleitamento materno

O aleitamento materno associa-se a pressão arterial mais baixa na infância, constituindo-se assim como factor protetor.

Etiologia

A hipertensão arterial pode classificar-se como primária ou essencial, se não existir nenhuma doença/condição subjacente na sua origem ou secundária quando causada por patologia. Classicamente a hipertensão arterial na criança é secundária , embora a prevalência da hipertensão primária tenha vindo a aumentar, previsivelmente em associação com mudanças sociais dos hábitos alimentares e de actividade física  À medida que a idade da criança aumenta, aumenta também a probabilidade de se tratar de hipertensão arterial primária, sendo a forma mais comum na adolescência, sobretudo quando há história familiar positiva ou obesidade. Continua, contudo, a ser um diagnóstico de exclusão em doentes pediátricos.

Por outro lado, a hipertensão arterial (HTA) secundária é mais provável em crianças pequenas ou em casos de HTA severa.

A doença renal constitui (a causa mais comum), de HTA secundária, estando associada a HTA secundária em cerca de 60-70%. Diversas patologias com atingimento do parênquima renal podem cursar com HTA.

A doença renovascular, e a é também uma importante causa de HTA secundária, sendo de especial importância o seu diagnóstico pela possibilidade de correção e cura.

A coarctação da aorta é outra causa comum e potencialmente passível de correção, que importa reconhecer precocemente.

Em conjunto estas 3 causas constituem quase 90% das etiologias da HTA em crianças e adolescentes.

Quadro 2: principais etiologias da hipertensão arterial em crianças e adolescentes

Etiologia da hipertensão arterial em crianças e adolescentes

Doença renal Doença endócrina Doença vascular

Pielonefrite

Doença parenquimatosa renal

Nefropatia de refluxo

Anomalias congénitas

Glomerulonefrite

Púrpura de Henoch-Schönlein

Traumatismo

Síndrome hemolítico-urémica

Litíase renal/nefrocalcinose

Síndrome nefrótica

Tumor renal

Doença poliquística

Nefrite intersticial

Necrose tubular aguda

Hipertiroidismo (mais comum)

Hiperplasia congénita da suprarrenal

Síndrome de Cushing

Aldosteronismo

Hiperparatiroidismo primário

Diabetes mellitus

Hipercalcemia

Feocromocitoma

Estenose da artéria renal/anomalias da artéria renal (displasia fibromuscular, estenose pós-cateterização arterial umbilical, outras…)

Coarctação da aorta

Trombose da veia renal

Persistência do canal arterial

Fistula artério-venosa

Arterite

Doença neurológica

Fármacos e drogas Outras

Hipertensão intracraneana

Síndrome de Guillan-Barré

Convulsões

Disautonomia

Ansiedade

Neurofibromatose

Esclerose tuberosa

Simpaticomiméticos

Corticosteróides

AINEs

Contracetivos orais

Eritropoetina

Drogas recreativas

Cafeína

Doenças do tecido conjuntivo

Neoplasias (neuroblastoma, hamartoma, paraganglioma)

Síndromes genéticos hiporreninémicos

Intoxicação por metais pesados

Dor

Abordagem diagnóstica

Avaliação da pressão arterial

O Programa Nacional de Saúde Infantil e Juvenil preconiza a avaliação anual da pressão arterial em todas as crianças a partir dos 3 anos e adolescentes.

Antes desta idade, a pressão arterial deve ser avaliada se forem identificados fatores de risco ou doenças associadas a hipertensão arterial.

A pressão arterial é avaliada no gabinete médico de observação. Antes da avaliação, a criança deve estar em repouso de 5 minutos em ambiente calmo, em posição de sentado(a) - costas apoiadas na cadeira e pés assentes no chão.

A medição deve ser efectuada no braço direito, que deve estar apoiado e com a fossa antecubital ao nível do coração

Deve ser utilizada uma braçadeira de tamanho adequado.

Escolha da braçadeira

A porção insuflável da braçadeira deve ter as seguintes dimensões:

  • Largura - 40% do perímetro da circunferência do braço (medido no ponto médio da distância entre o acrómio e o olecrâneo) ou número imediatamente acima.
  • Comprimento - 80 a 100% do perímetro da circunferência do braço (medido no ponto médio da distância entre o acrómio e o olecrâneo).

Métodos de avaliação

  1. Método auscultatório: utiliza os sons de Korotkoff fase I e Fase V (desaparecimento) para identificar a pressão arterial sistólica e diastólica, respetivamente. É o método mais fiável., contudo não se encontra já disponível em muitas instituições.
  2. Método oscilométrico: o aparelho mede a pressão arterial média e calcula, através de um algoritmo variável, as pressões sistólica e diastólica. Para ser utilizado em Pediatria, o algoritmo tem que estar validado para esta faixa etária (validações disponíveis online; ex.: www.dableducational.org)

Devem ser efectuadas 3 medições, separadas de 3 minutos, e utilizada a média das 2 últimas.

Os valores obtidos com o método oscilométrico são mais elevados, pelo que em caso de valores compatíveis com hipertensão arterial, devem ser confirmados pelo método auscultatório.

O diagnóstico de hipertensão arterial persistente é estabelecido quando os valores de pressão arterial são superiores ao percentil 95 para a idade e estatura em 3 consultas/avaliações.

Na primeira avaliação em que se deteta valores superiores ao P95, a pressão arterial deve ser medida nos 4 membros, para exclusão de coartação da aorta.

Se a criança tiver hipertensão arterial estádio 2 e estiver sintomática deve ser orientada para investigação e tratamento imediatos.

Investigação etiológica

A avaliação inicial de uma criança com hipertensão arterial inclui a realização de uma cuidada história clínica e exame físico completo, seguidos da realização de exames complementares de diagnóstico. Os objectivos são:

  • Identificar causa secundária de hipertensão arterial, eventualmente passível de tratamento direccionado
  • Avaliar a presença de outros fatores de risco de doença cardiovascular (obesidade, dislipidemia, insulinorresistência)
  • Identificar a presença e gravidade de lesões de órgãos-alvo (olhos, coração, rins…)

História Clínica

Deve ser feita uma pesquisa da história familiar, com foco em diagnósticos de hipertensão arterial (idade de início, tratamento efetuado e controlo da doença) e de doenças associadas (diabetes mellitus, dislipidemia, obesidade, doença renal hereditária, tumores, doença hereditária associada a HTA, doença endócrina), assim como de doença cardiovascular precoce.

A história deve incluir uma descrição detalhada dos antecedentes pessoais, com especial atenção a:

  • Período perinatal: peso de nascimento, idade gestacional, líquido amniótico, catecterização umbilical, aleitamento materno
  • Antecedentes de infeções urinárias, patologia urológica, doença cardíaca, neurológica ou endocrinológica
  • Crescimento
  • Doenças com atingimento multiorgânico

A anamnese deve incluir também uma revisão de sintomas, por órgãos e sistemas:

Quadro 3: sintomas sugestivos de doença subjacente, como causa da hipertensão arterial

Revisão de sintomas

Possível significado

Cefaleias, epistaxis, tonturas, alterações visuais

Paralisia facial

Sugestivos de lesão de órgão alvo

Dor abdominal, disúria, urgência, nictúria, enurese, edemas, alterações urinárias

Doença renal subjacente

Artralgias/artrite, edema, exantemas

Doença auto-imune

Perda de peso, sudorese, «flushing», palpitações

Feocromocitoma, Hipertiroidismo

Cãibras, fraqueza, obstipação

Hipocaliémia (Hiperaldosteronismo)

Atraso pubertário, ambiguidade genital (período neonatal)

Hiperplasia da suprarrenal

Extremidades frias, claudicação intermitente

Coarctação da aorta

Roncopatia noturna, apneia do sono, sonolência diurna

Distúrbios do sono

Por fim, é importante caracterizar os hábitos, em termos de alimentação, prática de exercício físico, consumo de fármacos, tabagismo, consumo de drogas e estimulantes, sono.

Exames Complementares

Exame físico

O exame físico é, como habitual em Pediatria, completo, com especial atenção para achados indicativos de doença subjacente que possa estar na origem da hipertensão arterial e para sinais ou sintomas de lesão de órgãos-alvo:

Exame cardiovascular

  • Frequência cardíaca (taquicardia – hipertiroidismo, feocromocitoma, neuroblastoma)
  • TA 4 membros (coartação da aorta)
  • Auscultação cardíaca
  • Sopros (abdominais, flanco, cervicais)

Auscultação pulmonar

  • Crepitações

Abdómen

  • Massas palpáveis (neoplasias, doença renal poliquística, uropatia obstrutiva)
  • Hepatoesplenomegalia (DRPAR)

Genitais

  • Sinais de virilização ou ambiguidade

Exame neurológico

  • Fundoscopia (retinopatia hipertensiva, edema da papila, hamartoma – doença von Hippel-Lindau,…)
  • Paralisia facial

Devem ser avaliados os dados antropométricos e sua evolução, e calculado o índice de massa corporal.

Quadro 4: doenças associadas a hipertensão arterial
Sinais sugestivos de doenças/síndromes associados a HTA
  • Neurofibromatose
  • Klippel-Trenaunay-Weber
  • Von Hippel-Lindau
  • Esclerose tuberosa
  • Síndrome de Williams
  • Síndrome de Marfan
  • Síndrome de Cushing
  • Hipertiroidismo
  • LES, vasculite
  • Insulinorresistência

Após a realização da anamnese e exame físico, podem já ter sido identificados alguns fatores que favorecem mais a hipótese de etiologia primária ou secundária (quadro 5):

Quadro 5: hipertensão arterial primária e secundária
Aspeto clínico HTA primária HTA secundária
Idade: criança   +
Idade: adolescente +  
Gravidade  Estadio 1 Estadio 2
HTA diastólica   +
HTA noturna (perfil não dipper)   +
Obesidade +  
História familiar + Hereditária monogénica
Sintomas de doença subjacente assintomáticos +

Exames complementares

Todas as crianças e adolescentes com hipertensão arterial devem efetuar um conjunto de exames complementares para investigação etiológica, identificação de outros fatores de risco cardiovascular e deteção de lesões de órgãos-alvo.

Investigação inicial:

Quadro 6: exames complementares de primeira linha

Parâmetro/exame

Finalidade
Hemograma Anemia, que pode refletir doença crónica, nomeadamente doença renal crónica
Ureia, creatinina Avaliar função renal
Ionograma Presença de doença renal, HTA monogénica
Cálcio sérico Hiperparatiroidismo, doença renal crónica
Glicose em jejum Metabolismo da glicose
Lípidos séricos Presença de dislipidemia
Exame sumário de urina e microialbuminúria/proteinúria Presença de doença renal, pielonefrite, glomerulonefrite
Ecografia renal e vesical/estudo doppler das artérias renais Exclusão de uropatia malformativa, doença genética, doença renovascular

Investigação de segunda linha:

Nalguns casos, de acordo com os primeiros exames ou se houver alto índice de suspeição para patologias em particular, devem prosseguir o estudo orientado pela anamnese, exame físico e resultados laboratoriais ou imagiológicos iniciais.

Se estivermos perante um adolescente assintomático, com hipertensão arterial estádio 1 e exames iniciais normais, provavelmente será uma HTA primária, pelo que não há necessidade de prosseguir o estudo.

Noutras situações devem ser realizados exames complementares direcionados ao diagnóstico mais provável, de acordo com a disponibilidade e experiência dos profissionais (quadro 7).

Quadro 7: investigação específica

Patologia suspeita

Estudos de investigação

Doença parenquimatosa renal

Cintigrafia renal com DMSA

Doença renovascular

Renina sérica

AngioTC/AngioRMN (maior sensibilidade e especificidade que o doppler)

Cintigrafia renal basal e após IECA

Angiografia

Renina nas veias renais

Excesso de mineralocorticóides

Renina e aldosterona séricas

HTA mediada por esteróides

Cortisol livre urinário 24h

Esteróides séricos e urinários

ACTH

Coarctação da aorta

Radiografia de tórax

Ecocardiograma

AngioRMN

Angiografia

Hipertiroidismo

Hormonas tiroideias

Doença auto-imune

Vasculite sistémica

Estudo imunológico básico e dirigido

Neoplasias

TC

RMN

Lesão de órgãos-alvo:

A hipertensão arterial foi associada a risco aumentado de enfarte agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral e doença renal crónica na idade adulta. Na população pediátrica, esta relação com os efeitos a longo prazo é difícil de estabelecer. Contudo, nas crianças e adolescentes com HTA, estão presentes lesões a nível do coração, dos vasos sanguíneos, dos rins e da retina, por vezes na altura do diagnóstico. Estima-se que em cerca de 10 a 40% das crianças e adolescentes com hipertensão arterial primária e em 30 a 70% com hipertensão secundária, estejam presentes lesões de órgãos-alvo.

A hipertrofia do ventrículo esquerdo é a lesão de órgão-alvo mais comum em idade pediátrica. Deve ser avaliada através da realização de eletrocardiograma e ecocardiograma.

A lesão vascular pode atingir grandes e pequenos vasos, adquirindo maior importância pela possibilidade de afetar vários órgãos. A nível dos grandes vasos, pode ser avaliada pela medição da espessura da íntima- média carotídea e pela velocidade de onda de pulso. Estes exames ainda não são realizados de forma rotineira nesta população, mas já estão disponíveis valores de referência. A nível dos pequenos vasos, a lesão pode ser avaliada pela repercussão retiniana, através do exame de fundo ocular, e pela repercussão a nível renal, pela pesquisa de microalbuminúria/proteinúria e doença renal crónica (muito raro).

Monitorização ambulatória da pressão arterial

A avaliação da pressão arterial ambulatória tem vindo a ganhar importância na medida em que dá um contributo valioso para o diagnóstico e avaliação do tratamento da hipertensão arterial, com avaliação da mesma no ambiente habitual da criança/adolescente. Fornece ainda dados adicionais para o diagnóstico da hipertensão da bata branca assim como da hipertensão mascarada.

Hipertensão da bata branca: define-se como elevação da pressão arterial medida no consultório, mas normal quando noutras situações. Ainda não foi possível estabelecer se é uma condição inocente ou se apresenta maior risco de evolução para hipertensão arterial.

Hipertensão mascarada: ao contrário da anterior, define-se como níveis de pressão arterial medidos no consultório normais e acima do P95 nas situações de atividade habitual. Este diagnóstico associa-se a maior risco de progressão para hipertensão arterial.

Em ambulatório, a pressão arterial pode avaliar-se de forma pontual no domicílio ou de forma contínua durante 24 horas, designando-se MAPA (monitorização ambulatória da pressão arterial). Os valores obtidos na monitorização de 24h apresentam uma elevada reprodutibilidade e melhor relação com atingimento de órgãos alvo.

A interpretação clínica do MAPA é efetuada tendo por base tabelas de percentis próprias, diferentes das utilizadas para avaliação da pressão arterial pontual, embora seguindo os mesmos princípios (obtidas em populações e alturas diferentes).

Geralmente são calculadas as médias diurnas e noturnas das pressões arteriais sistólica e diastólica, assim como a relação entre as mesmas, o que nos fornece informação sobre a variabilidade circadiana.  O perfil circadiano normal apresenta uma diminuição fisiológica da pressão arterial durante o período noturno, que pode ser variável, tendo-se definido como limite da normalidade uma redução de pelo menos 10% e designando-se por perfil dipper.

O perfil não-dipper associa-se mais frequentemente a distúrbios do sono, obesidade, consumo elevado de sal em doentes sensíveis ao mesmo, hipotensão ortostática, disfunção autonómica, doença renal crónica, diabetes mellitus.

No MAPA avaliam-se também as cargas sistólica e diastólica- percentagem de avaliações em que a pressão arterial se encontra elevada no período de 24 horas.

De acordo com as guidelines da Sociedade Europeia de Hipertensão de 2016, as indicações para a realização de MAPA são:

1. Durante o processo de diagnóstico:

  • Confirmar hipertensão arterial antes de iniciar tratamento farmacológico (evitar tratamento de HTA da bata branca)
  • Pressão arterial normal no consultório e lesão de órgãos-alvo
  • Doentes do diabetes mellitus
  • Doentes com doença renal crónica
  • Transplantados renais, hepáticos e cardíacos
  • Obesidade grave
  • Resposta hipertensiva em prova de esforço
  • Discrepância entre as pressões arteriais obtidas no consultório e no domicílio

2. No tratamento farmacológico:

  • Avaliar aparente resistência ao tratamento
  • Avaliar o controlo da pressão arterial em doentes com lesões de órgãos-alvo
  • Sintomas de hipotensão

3. Ensaios clínicos

4. Outras condições clínicas:

  • Disfunção autonómica
  • Suspeita de tumor secretor de catecolaminas

Tratamento

A decisão de iniciar tratamento não deve ser baseada apenas nos valores de pressão arterial, mas ter em conta o risco global de morbilidade cardiovascular (história familiar de doença cardiovascular precoce, presença de dislipidemia, doença renal crónica, diabetes mellitus) e a presença de lesão de órgãos -alvo.

No caso de estarmos perante um doente com uma forma tratável de hipertensão secundária, o tratamento etiológico deve ser iniciado imediatamente.

Nos restantes casos, o tratamento inicial deve focar-se nas mudanças de estilo de vida, com o objetivo de diminuir os valores de pressão arterial e influir positivamente nos fatores de risco (obesidade, dislipidemia, maus hábitos alimentares…). Incluem medidas dietéticas como a nutrição adequada à idade, restrição salina, redução de refrigerantes e alimentos açucarados, incluem também evicção de tabaco e álcool e a prática de atividade física diária.

Estas medidas devem ser mantidas a longo prazo, quer haja resolução da hipertensão arterial, quer seja necessário associar terapêutica farmacológica.

Os objetivos principais do tratamento são a prevenção de eventos cardiovasculares futuros e a prevenção/atraso de progressão de lesão renal. Contudo, em idade pediátrica, tendo em conta que estes são mecanismos com consequências a longo prazo que ocorrem na maioria das vezes na idade adulta, a evidência para estabelecer os limites é escassa. Na população geral, o limite estabelecido como objetivo é o percentil 95, embora seja desejável obter valores abaixo do percentil 90, se o tratamento for bem tolerado.

Nalgumas patologias específicas, associadas a elevada morbilidade cardiovascular o objetivo é mais exigente (quadro 8).

Quadro 8: objetivos para diferentes doentes no tratamento da hipertensão arterial

População

Objetivo de pressão arterial em doentes com HTA

Geral

Recomendado

Desejável

Diabetes mellitus 1 e 2

Recomendado

 

 

Doença renal crónica (DRC)

 

 

Tratamento farmacológico

O tratamento farmacológico deve ser instituído se:

  • hipertensão sintomática
  • presença de lesão de órgãos-alvo documentada (o tratamento eficaz melhora comprovadamente a função cardíaca e leva a regressão da hipertrofia do ventrículo esquerdo)
  • doentes com diabetes mellitus
  • hipertensão sem resposta a medidas de estilo de vida (instituídas durante 6 a 12 meses)
  • hipertensão secundária
  • hipertensão arterial estádio 2 (esta não é uma indicação consensual, não estando considerada para tratamento farmacológico inicial nas Guidelines da Sociedade Europeia de Hipertensão de 2016)
 

Há muito poucos estudos sobre tratamento farmacológico da hipertensão arterial e efeitos específicos a nível cardiovascular e renal em idade pediátrica. Portanto o tratamento é efetuado maioritariamente tendo por base dados obtidos em populações adultas.

Existem várias classes de fármacos com efeito anti-hipertensor com diferentes mecanismos de ação (quadro 9).

Quadro 9: Principais classes de anti-hipertensores

Classe/mecanismo de ação

Fármacos (exemplos) Contra-indicação/precaução

Inibidores da enzima de conversão de angiotensina (IECAs)

Captopril, enalapril, ramipril, lisinopril

Estenose da artéria renal bilateral (unilateral em rim único)

Gravidez

Hipercaliémia

Bloqueadores dos recetores da angiotensina (ARAs)

Losartan, irbesartan

Estenose da artéria renal bilateral (unilateral em rim único)

Gravidez

Hipercaliémia

Bloqueadores dos recetores β

Propranolol, atenolol

Asma

Diabetes mellitus

Atletas

Bloqueadores dos canais de cálcio

Nifedipina, amlodipina Insuficiência cardíaca

Diuréticos

Furosemida, hidroclorotiazioda, espironolactona, amilorido

Doença renal crónica

Atletas

Vasodilatadores

Hidralazina, minoxidil  

Evolução

A terapêutica farmacológica deve ser individualizada, contudo existem algumas orientações gerais que podem ser úteis na prescrição da mesma:

  • O médico deve conhecer bem as características e habitual utilização de um ou dois fármacos de cada classe;
  • Deve ser dada preferência a fármacos aprovados ou utilizados com grande experiência em idade pediátrica;
  • Na escolha do fármaco deve ser tida em conta a presença de comorbilidades e a patofisiologia da hipertensão arterial;
  • Ter em conta que dar preferência a fármacos com menor número de administrações diárias pode ser um fator importante para o cumprimento terapêutico por parte da família;
  • Deve ser iniciado tratamento em monoterapia, com aumento da dose até ao máximo recomendado, sem efeitos secundários. Só se não for atingido um bom controlo após esta otimização, deve ser associado um segundo fármaco, de outra classe.
  • Os inibidores da enzima de conversão da angiotensina e os bloqueadores dos recetores da angiotensina não devem ser associados em terapêutica anti-hipertensora, pois como atuam ambos no sistema renina angiotensina, a sua associação aumenta o risco de insuficiência renal, hipercaliemia e hipotensão.

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