Glaucoma primário congénito
Introdução
Definição
Aumento da pressão intraocular por diminuição da drenagem do humor aquoso em crianças, desde o nascimento até aos 2 anos de idade, portadoras de má formação do ângulo da câmara anterior (disgenesia camerular). Em raros casos, o diagnóstico/ manifestação da doença pode ser de inicio tardio e por isso depois de 2 anos de idade.
Epidemiologia
Doença rara atingindo cerca de 1 em cada 10 000 crianças no primeiro ano de vida sendo mais frequente no sexo masculino (3:2).
Ambos os olhos estão afetados em 75% dos pacientes, embora muitas vezes de forma assimétrica.
A maior parte dos casos é esporádica mas em 10-40% dos casos a transmissão é familiar com um padrão de transmissão autossómica recessiva de penetrância incompleta.
Manifesta-se desde o período neonatal até aos 2 anos de idade.
História Clínica
Anamnese e exame objectivo
O diagnóstico é clínico pela conjugação de uma serie de sinais e sintomas.
Temos habitualmente uma criança queixosa, de choro frequente e fácil com a tríade clássica de epífora, fotofobia e blefarospasmo, muitas vezes associado ao gesto frequente de esfregar o olho, que é determinado pelo edema de córnea secundário à hipertensão ocular.
Devido à distensão mecânica originada por uma pressão ocular que é demasiado elevada o globo ocular vai aumentar e tornar-se demasiado grande dando origem a Buftalmos.
O estiramento mecânico da córnea pode originar: um aumento do seu diâmetro que, se unilateral, é muito evidente; edema do estroma com perda de transparência (cónea esbranquiçada/ azulada); roturas na membrana de Descemet que permite o fluxo de humor aquoso para o seu estroma agravando o edema. Essas roturas, quando cicatrizadas, originam linhas queráticas cicatriciais horizontais e curvas, denominadas estrias de Habb. Estas são distintas das linhas cicatriciais verticais deixadas como sequelas de um parto traumático.
Nesta fase a suspeita de glaucoma congénito implica uma observação oftalmológica completa. Tratando-se de uma criança com menos de 3 anos de idade implica uma observação sob sedação/ anestesia geral.
A medição da córnea limbo-limbo com valores de diâmetro corneal >10,5mm ao nascer e >12mm ao primeiro ano de vida são fortemente suspeitos.
A ecografia para medição do diâmetro antero-posterior do globo ocular mostram olhos maiores do que o esperado para a idade com comprimentos axiais >20mm ao nascer ou >22mm ao ano de idade.
A medição da pressão intra-ocular, usando um tonómetro portátil como o tonómetro de Perkins/icare ou o Tono-pen, não deverá ser superior a 14 mmHg não esquecendo que com anestesia geral os valores da pressão são submensurados pelo efeito dos fármacos anestésicos.
A avaliação da anatomia da câmara anterior e do ângulo irido-corneano mostra inserção anterior da iris formando uma linha dentada com estruturas pouco diferenciadas e disgenesia trabecular.
A avaliação do disco ótico mostra distensão com a pressão e um aumento uniforme da escavação (E/D>0.3) que poderá ser reversível com o tratamento e com a normalização da pressão intra-ocular.
A retinoscopia poderá revelar uma miopia axial de acordo com o aumento do comprimento axial do globo ocular secundário à hipertensão ocular.
Diagnóstico Diferencial
Para a clássica triade epífora, fotofobia e blefarospasmo: obstrução do canal lacrimal, conjuntivite, uveíte.
Para o edema e turvação da córnea: distrofias da córnea, disgenesia do segmento anterior, traumatismos com fórceps, abrasões da córnea, queratite, queratocone posterior, alterações metabólicas tais como mucopolissacaridoses e cistinose.
Para o Buftalmos: miopia axial, megalocornea.
Para a escavação aumentada do nervo ótico: cupping fisiológico, coloboma nervo ótico, atrofia nervo ótico, hipoplasia nervo ótico, malformação nervo ótico, fosseta nervo ótico, megalopapila, ”morning glory syndrome”.
Tratamento
O tratamento é cirúrgico com recurso primário a técnicas filtrantes como a goniotomia, trabeculotomia ou trabeculectomia.
O tratamento médico é de recurso e apenas temporário até a cirurgia ser efetuada. É também utilizado, ao longo da vida, de forma a potenciar o efeito hipotensor da técnica cirúrgica.
Os inibidores da anidrase carbónica tópicos (melhor tolerados) ou sistémicos, numa dose de 10-15 mg/Kg/dia e com controle da função renal e do ionograma a cada mês, são um dos grupos farmacológicos a utilizar enquanto se aguarda a cirurgia.
A pilocarpina (parassimpaticomimético) é ineficaz.
Os alfa-2-agonistas como a brimonidina são contraindicados pela permeabilidade na barreira hematoencefalica a estes fármacos, podendo, por isso, originar bradicardia, hipotensão arterial, hipotonia e hipotermia.
Os beta-bloqueantes tópicos, apesar de não testados em crinaças, são utilizados numa concentração inferior à do adulto (ex. Timolol 0,5mg/2ml). Devemos ter sempre em atenção o efeito depressor que estes exercem sobre o sistema cardiovascular e respiratório.
Em relação aos análogos das prostaglandinas, um dos mais utilizados, já foi testado em glaucomas pediátricos tendo sido aprovada a sua utilização.
A Cirurgia é o tratamento obrigatório e nem sempre um procedimento único.
Existem uma série de técnicas cirúrgicas, escolhidas de acordo com o caso particular de cada doente, que vão sendo usadas de forma sucessiva caso vá existindo falência cirúrgica com subida da pressão ocular de novo.
Muitas vezes vão sendo necessárias várias cirurgias ao longo da vida sobretudo nas formas de manifestação mais precoce pois as de manifestação mais tardia são aquelas que, na maioria das vezes, se adquire um melhor controle tensional com o menor numero de cirurgias.
Evolução
A disfunção visual grave é frequente em especial nos casos de aparecimento mais precoce com e/ou com necessidade de múltiplos procedimentos cirúrgicos para controlar a pressão intraocular.
Os casos com manifestação mais tardia podem ter uma evolução mais favorável sendo que a cirurgia deverá ser efetuada sempre no mais curto espaço de tempo após o diagnóstico.
Recomendações
Após a cirurgia estas crianças continuam a ser reavaliadas.
Na primeira semana de 2/2 dias. Uma vez por semana até ao final do primeiro mês e quinzenalmente no segundo mês. Durante os 2 anos seguintes as avaliações passam a ser feitas trimestralmente e a partir de então semestralmente com qualquer alteração, a este esquema de seguimento, sempre que necessário.
Devem ser realizadas medições da pressão ocular, diâmetro querático e medições do diâmetro antero-posterior do globo ocular para avaliar a eficácia da cirurgia.
Uma vez conseguida a estabilidade da pressão intra ocular é necessário tentar reabilitar e optimizar a visão destas crianças. Para tal deve ser feito estudo refrativo frequente (sob cicloplegia e a cada 6 a 8 meses sempre que possível), tratar a ambliopia e o estrabismo se existentes e prescrevendo óculos escuros ou fotocromáticos se a fotofobia continuar a ser um problema.
Saber Mais
Glossário
Glaucoma congénito, glaucoma, pressão ocular
Bibliografia
- Terminology and Guidelines for Glaucoma 4th edition - European Glaucoma Society, 2014
- Bowling B.,Kanski J., Clinical Ophthalmology. A systematic approach, 7th ed.Saunders, 2011
- Enyedi LB, Freedman SB, Buckley EG. The effectiveness of latanoprost for the treatment of pediatric glaucoma. Surv Ophthalmol 2002; 47:S129
- Shaarawy, T (2009). Congenital Glaucoma and oyher Childhood Glaucomas (págs 369-381. InMedical Diagnosis and Therapy. 3ª edição.Elsevier, USA.
Deseja sugerir alguma alteração para este tema?
Existe algum tema que queira ver na Pedipedia - Enciclopédia Online?