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Introdução

A SPECT (Single Photon Emission Computed Tomography) de perfusão ictal é um exame de Medicina Nuclear utilizado na epilepsia. Durante a crise epiléptica, a perfusão aumenta até quatro vezes na zona epileptogénica. Este exame, ao permitir identificar os locais de maior perfusão, auxilia na localização desta zona. (1,2) Quando realizado em período inter-ictal, individualiza áreas de hipoperfusão. (1,2) Existem softwares de processamento de imagem que permitem a subtracção da imagem inter-ictal à ictal, e fusão com a Ressonância Magnética (RMN), com resultante aumento da sensibilidade. (1,2)

Radiofármaco

Um radiofármaco é uma molécula constituída por um elemento radioactivo (cujo decaimento resulta na emissão de fotões que serão captados pela Câmara Gama e permitirão obter a imagem) e uma molécula química (responsável pela biodistribuição/ ligação do radiofármaco a determinados órgãos/ receptores, de cuja função queremos obter a imagem). (3) Na SPECT de perfusão, o elemento radioactivo é o Tecnécio-99m (99mTc), emissor gama, e a molécula química tanto pode ser o HMPAO (Exametazima), como o ECD (Bicisato). Estes radiofármacos são bastante semelhantes nas suas propriedades. Ambas as moléculas são lipofílicas, o que lhes permite atravessar a barreira hematoencefálica e a membrana celular, sendo extraídas pelas células nervosas proporcionalmente ao fluxo sanguíneo. (1–4) O aumento de fluxo sanguíneo regional, na zona epileptogénica, durante a crise, irá conduzir a uma acumulação focal do radiofármaco, permitindo a sua localização. (1,2) A Câmara Gama é um instrumento de Medicina Nuclear constituído por um ou dois detectores, onde os fotões incidirão e, através de posteriores interacções com o aparelho, permitirão a aquisição da imagem. (3,4) O doente deita-se na mesa da Câmara Gama e os detectores efectuarão uma trajectória orbital ao redor da cabeça, sem lhe tocar, permitindo, assim, a aquisição de uma imagem a três dimensões. (3,4)

Porque é realizado

Os danos cerebrais aumentam com a frequência e a intensidade das crises epilépticas. Se a cirurgia de remoção for a melhor opção, é essencial a intervenção atempada, assim como a correcta identificação da zona epileptogénica. Deste modo, poderá ser removida com o mínimo de consequências para o desenvolvimento neurocognitivo da criança. (1,2)

A SPECT ictal está, assim, indicada para localização da zona epileptogénica, na avaliação pré-cirúrgica da epilepsia focal temporal ou extratemporal refractária. (1,2,4)

Quando é impossível localizar a zona epileptogénica com rigor, a SPECT de perfusão ictal permite pelo menos  lateralizar, ou seja, identificar qual o hemisfério cerebral envolvido. Este dado, em conjunto com os restantes exames que a criança realizará, constitui uma informação extremamente útil (4), assumindo particular importância nos casos em que a RMN é negativa.

Por outro lado, quando existe uma lesão cerebral conhecida, por vezes não significa que esta seja a causa da epilepsia da criança. Nessas situações, a SPECT de perfusão ictal ajuda a definir se a lesão previamente identificada é a responsável pela epilepsia. (1)

A SPECT de perfusão ictal fornece, ainda, informação útil para guiar a colocação dos eléctrodos de EEG da monitorização invasiva. (1)

Como é realizado

O sucesso da SPECT de perfusão ictal depende do momento da injecção do radiofármaco. Este deve ser injectado, por via endovenosa, o mais precocemente possível após o início da crise epiléptica, ou o resultado poderá não reflectir a perfusão cerebral ictal. (1,2,4) Para isso, a criança tem que estar internada numa Unidade de Vídeo-EEG, onde é permanentemente monitorizada e vigiada por uma equipa médica e técnica experiente, e onde é privada da sua medicação anti-epiléptica. (4)

Os acessos endovenosos devem ser previamente colocados e a seringa com o radiofármaco deve estar disponível e acessível na Unidade. (4)

Após a crise, a criança é transportada para o Serviço de Medicina Nuclear, onde será adquirida a imagem. Esta aquisição pode dar-se até 4 horas após a injecção, mas a qualidade de imagem ideal obtém-se aos 30 – 60 minutos, com o 99mTc-ECD, e aos 30 – 90 minutos, com o 99mTc-HMPAO. (4)

Durante a aquisição da imagem, a criança pode estar acompanhada por um adulto e deverá permanecer o mais imóvel possível. A aquisição das imagens durará cerca de 45 minutos. (4)

Em casos de crianças não colaborantes, é possível proceder-se a sedação com benzodiazepinas, que idealmente deverá ser realizada apenas antes da aquisição das imagens e nunca antes de 5 minutos após a injecção do radiofármaco. (4)

Contraindicações

Não são conhecidas contra-indicações.

Limitações

A eficácia do exame depende do tipo de crise, não sendo adequado no estudo de crises multifocais ou no estado de mal epiléptico, por exemplo.

Para além disto, em crianças muito agitadas, o exame poderá ser afectado pelo movimento, daí a pertinência da sedação em casos seleccionados. (4)

Apesar da abstinência de fármacos anti-epilépticos, durante o internamento, é possível que não ocorram crises, pelo que o exame fica inviabilizado. Nesse caso, o médico responsável pode optar por realizar a SPECT de perfusão inter-ictal ou programar novo internamento.

Falsos positivos

A SPECT de perfusão ictal poderá representar o padrão de propagação da crise (e não a zona epileptogénica), se a injecção do radiofármaco for administrada tardiamente após o início da crise ou se a propagação se der muito rapidamente. Nestes casos, poderão observar-se zonas de perfusão aumentada que poderão ser erradamente interpretadas como a zona epileptogénica. (1,2,4)

Falsos negativos

Se o radiofármaco for injectado muito tardiamente após o início da crise (ou até após o final da mesma), o exame poderá não detectar a zona epileptogénica. O mesmo poderá ocorrer se a crise for muito breve. (1,2,4)

Cuidados a ter

Precauções

Com o uso de qualquer produto injectável, são possíveis reacções alérgicas de hipersensibilidade. Contudo, a ocorrência de eritema generalizado, edema facial e febre foi relatada em menos de 1% dos doentes. O efeito secundário conhecido como mais frequente é o aumento transitório da tensão arterial, que foi observado em cerca de 8% dos doentes. (5)

Cuidados prévios

Não é necessário jejum.

O exame é realizado em regime de internamento numa Unidade de Vídeo-EEG.

No caso de crianças não colaborantes, deve programar-se a sedação para a aquisição das imagens.

Cuidados posteriores

Os radiofármacos utilizados são eliminados por via urinária, pelo que se recomenda a hidratação e micção abundantes após a sua administração. (3)

A actividade radioactiva utilizada é reduzida e adaptada ao peso da criança, não constituindo um risco para a saúde dos cuidadores. Contudo, se a mãe da criança estiver grávida, recomenda-se que não acompanhe a criança ao Serviço de Medicina Nuclear, pois ficará exposta a maior radioactividade. (3)

Dosimetria

A actividade administrada deverá ser o mais baixa possível, de forma a minimizar os potenciais riscos da exposição à radiação, sem comprometer a qualidade do exame. É estimada não só a quantidade de radiação que atingirá o órgão-alvo, mas também aquela que chegará aos restantes órgãos e sistemas. (5)

Com base neste princípio, procura-se que a actividade radioactiva a administrar, em crianças, seja o mais controlada possível. Para isso, é calculada com base em modelos anatómicos representativos da distribuição interna da radiação, desenvolvidos consoante as variações de peso e idade próprias desta faixa etária. (5)

Neste estudo, o órgão-alvo é o cérebro, pois é onde se fixará o radiofármaco. Uma vez que a sua eliminação se dá por via urinária, a bexiga terá exposição superior a outros órgãos, daí a importância de manter a criança hidratada e das micções frequentes.

Glossário

SPECT ictal – estudo de Medicina Nuclear que permite avaliar a distribuição do fluxo sanguíneo cerebral no momento da crise epiléptica, com o objectivo de identificar a zona epileptogénica.

99mTc-HMPAO – radiofármaco que permite avaliar a perfusão cerebral regional.

99mTc-EDC – radiofármaco que permite avaliar a perfusão cerebral regional.

Zona Epileptogénica – zona de início da crise epiléptica.

Bibliografia

  1. Treves ST, Goodkind A, Grant FD. Nuclear medicine in pediatric refractory epilepsy. Clin Transl Imaging [Internet]. 21 de Abril de 2016 [citado 11 de Maio de 2017];4(2):119–30. Disponível em: http://link.springer.com/10.1007/s40336-016-0167-x
  2. Mountz JM, Patterson CM, Tamber MS. Pediatric Epilepsy: Neurology, Functional Imaging, and Neurosurgery. Semin Nucl Med [Internet]. 2016;1–18. Disponível em: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0001299816300915
  3. Ziessmen H, O’Malley J, Thrall J. Nuclear Medicine: The Requisites. 4th ed. Fahey FH, editor. Elsevier Mosby; 2013. 464 p.
  4. Kapucu OL, Nobili F, Varrone A, Booij J, Vander Borght T, Någren K, et al. EANM procedure guideline for brain perfusion SPECT using 99mTc-labelled radiopharmaceuticals, version 2. Eur J Nucl Med Mol Imaging [Internet]. 17 de Dezembro de 2009 [citado 11 de Maio de 2017];36(12):2093–102. Disponível em: http://link.springer.com/10.1007/s00259-009-1266-y
  5. Fahey FH, Goodkind AB, Plyku D, Khamwan K, O’Reilly SE, Cao X, et al. Dose Estimation in Pediatric Nuclear Medicine. Semin Nucl Med [Internet]. Março de 2017 [citado 19 de Agosto de 2017];47(2):118–25. Disponível em: http://linkinghub.elsevier.com/retrieve/pii/S0001299816300952

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