Espasmos de choro - Abordagem clínica
Introdução
Consistem em episódios de crises de choro, em que a criança sustém a respiração de forma involuntária, podendo ocorrer perda de consciência momentânea. São despoletados por experiências ou emoções negativas (susto, medo, dor, raiva ou frustração) e costumam durar menos de um minuto.
Epidemiologia
É uma entidade clínica frequente, afetando até 5% das crianças, com igual distribuição por género.
O primeiro episódio acontece muitas vezes a partir dos 6-18 meses, tendo um pico de incidência entre os 2-3 anos. Os espasmos de choro costumam desaparecer no início da idade escolar (1).
História Clínica
Anamnese
A sequência de eventos durante um espasmo de choro costuma ser muito típica: geralmente estes episódios ocorrem após uma experiência negativa, em que a criança é confrontada com sentimentos como o medo, a raiva, a frustração ou dor súbita. Estes espasmos costumam durar menos de 60 segundos, sendo que sua frequência é altamente variável, podendo ocorrer várias vezes por dia, ou apenas uma vez por ano(2).
Existem dois tipos de espasmos de choro, cianóticos e pálidos, que serão abordados com maior pormenor adiante. Pensa-se que o mecanismo subjacente a estes espasmos seja uma desregulação autonómica, com aumento da resposta simpática nos casos dos episódios cianóticos, e um aumento da resposta parassimpática nos episódios pálidos.
Em cerca de um terço dos casos existe história familiar de espasmos do choro, o que sugere uma predisposição genética (autossómica dominante, com penetrância incompleta)(1). Também a anemia ferropénica tem sido apontada como causa de espasmos de choro, com impacto na frequência e severidade dos episódios. Esta associação poderá ser explicada pelo papel que o ferro desempenha no metabolismo das catecolaminas e como cofator de enzimas e neurotransmissores presentes no sistema nervoso central(1). Desta forma, a deficiência deste elemento contribui para a desregulação autonómica, que está na génese dos espasmos de choro.
Os espasmos de choro não provocam sequelas e a criança desperta sem qualquer necessidade de intervenção. Muito raramente, a perda de consciência pode ser seguida de uma convulsão, o que deve motivar a ida ao Médico, para despiste de patologias mais graves(1,2) .
Exame objectivo
Estes espasmos podem ser divididos em dois tipos:
Espasmos de choro cianóticos: é o tipo de espasmo mais frequente, correspondendo a cerca de 85% de todos os episódios(2). Ocorre geralmente em crianças mais energéticas, ativas e opositivas, sendo desencadeados por estímulos como a frustração e a raiva. A criança chora de forma intensa, seguindo-se uma paragem brusca na expiração. A coloração cianótica da pele surge rapidamente e a criança pode perder o tónus muscular ou ficar rígida, podendo inclusivamente perder os sentidos durante uns segundos;
Espasmos de choro pálidos: mais comum em crianças tímidas e impressionáveis, o estímulo costuma ser um susto ou dor súbita. Neste caso a criança chora de forma muito ténue, ou até mesmo de forma inaudível, podendo abrir a boca para chorar, mas sem chegar a fazê-lo. A criança entra em bradicardia, a pele fica pálida e perde os sentidos.
Em ambos os casos, a criança geralmente desperta e recupera a respiração normal em menos de um minuto. Por vezes o episódio pode apresentar caraterísticas de ambos os tipos, sendo chamados de episódios mistos(2).
Diagnóstico Diferencial
Habitualmente, o diagnóstico de espasmo do choro faz-se apenas com base na história clínica. Quando a história suscita dúvidas ou as queixas são muito exuberantes, pode ser necessário esclarecer melhor a situação, devendo ser efetuado um exame objetivo global mais minucioso. Não existe nenhum teste de diagnóstico específico para espasmos de choro. No entanto, no caso de espasmos de choro pálidos, o médico poderá tentar reproduzir o episódio, através da demonstração de bradicardia pela compressão ocular durante 10 segundos. O diagnóstico diferencial é feito entre esta entidade clínica e outras patologias, como por exemplo (1,2):
Epilepsia - Vários dados da história clínica podem ajudar a fazer o diagnóstico diferencial entre estas duas patologias, nomeadamente a idade de aparecimento (os espasmos de choro iniciam-se por volta dos 6-18 meses, sendo que a epilepsia pode aparecer em qualquer idade), as emoções negativas como fatores precipitantes e a relação intrínseca com o choro, que não costumam estar
presentes nas crises epiléticas, a ausência de aura, incontinência de esfíncteres, mordedura da língua e de episódios durante o sono (que são comuns na epilepsia), a palidez ou cianose durante o evento, entre outros. No entanto, caso persistam dúvidas, poderá ser necessário solicitar um eletroencefalograma (EEG).
Síndrome do QT Longo - Uma vez que também é uma causa de síncope importante, este diagnóstico deve ser excluído com a realização de um eletrocardiograma (ECG), especialmente em crianças que apresentem espasmos de choro pálidos.
Laringospasmo - causa obstrução inspiratória que resulta num som agudo característico e apneia. Este ruído está ausente em casos de espasmos do choro, sendo que o laringospasmo pode ocorrer durante o sono, enquanto que os espasmos de choro apenas ocorrem quando a criança está acordada;
Tosse Convulsa - apesar da cianose poder acontecer em ambas as situações, a ausência de febre, congestão nasal e tosse paroxística ajudam a fazer o diagnóstico.
Embora sejam menos prováveis, outros diagnósticos poderão ser considerados como é o caso de doenças neuromusculares, infeções, malformações congénitas, broncospasmo, edema pulmonar, arritmias, entre outros.
Exames Complementares
Caso a história clínica e/ou exame físico suscitem dúvidas, o médico assistente poderá requisitar exames auxiliares de diagnóstico que permitam descartar outros diagnósticos diferenciais. Os exames mais frequentemente requisitados são os seguintes:
Patologia Clínica
- Hemograma e estudo da cinética do ferro para avaliar a presença concomitante de anemia ferropénica);
Electrocardiograma - para despiste de síndrome de QT longo e a presença de outras arritmias);
Electroencefalograma - para despiste de epilepsia, quando o diagnóstico não é claro.
Tratamento
A pedra angular do tratamento dos espasmos de choro consiste na clarificação dos episódios aos pais e cuidadores, reassegurando-os de que se tratam de episódios benignos e fornecendo instruções claras sobre como atuar durante um episódio (1).
O espasmo de choro pode ser uma experiência angustiante, pelo que é muito importante manter a calma e agir de forma adequada. Deve-se: deitar a criança de lado, num local seguro; não abanar a criança, não colocar nada dentro da boca nem lhe atirar água; permanecer com a criança, garantindo que não se magoa e retomar as atividades normalmente após o episódio, sem alarmar a criança. Caso a criança não recupere a consciência, ou não voltar a respirar normalmente nos primeiros 60 a 90 segundos, deve-se contactar o Serviço de Urgência (112) e iniciar manobras de suporte básico e vida (3).
Deve ser também reforçado que o receio de despoletar estes episódios não deve interferir com o normal processo de educação das crianças, uma vez que isso poderá conduzir a alterações de comportamento no futuro. Os pais e cuidadores deverão ser instruídos a disciplinar as crianças de forma calma, procurando estratégias para que a criança se distraia e acalme quando é confrontada com sentimentos de raiva, frustração, entre outros.
No entanto, nos casos em que a anemia ferropénica está subjacente, a suplementação com ferro (na dose de 3mg/Kg/dia durante 12 semanas) melhora comprovadamente a frequência e a intensidade dos episódios, podendo inclusivamente fazer cessar estes episódios (1). Alguns estudos apontam no sentido de que esta suplementação é benéfica mesmo em casos em que não existe anemia ferropénica, mas são ainda necessários mais estudos para compreender a justificabilidade desta recomendação nesses casos (4).
Evolução
Os espasmos de choro não provocam danos neurológicos ou cardiorrespiratórios, nem prejudicam o normal desenvolvimento da criança.
A frequência dos espasmos de choro diminui com a idade, costumando desaparecer de forma espontânea por volta dos 5-6 anos.
O prognóstico destas crianças é extremamente favorável, não sendo influenciado pela frequência nem pela severidade dos episódios de espasmos de choro. No caso das crianças que sofrem de anemia ferropénica, a suplementação com ferro durante 3 meses está associada à diminuição da frequência e severidade dos episódios.
Recomendações
Apesar dos espasmos de choro poderem ser experiências assustadoras para quem assiste, é importante que os Pais e cuidadores mantenham a calma durante os episódios, compreendendo que se trata de um mecanismo involuntário, não deliberado.
É importante fornecer informação clara sobre a benignidade destes episódios e instruí-los quanto ao modo de atuação correto.
De igual forma, é fundamental assegurar os Pais e cuidadores de que não devem ter receio de educar e repreender as crianças sempre que necessário, uma vez que “ceder” a comportamentos desajustados, com medo de despoletar um espasmo de choro, pode conduzir a problemas de comportamento no futuro.
Saber Mais
Bibliografia
- Leung AKC, Leung AAM, Wong AHC, Hon KL. Breath-Holding Spells in Pediatrics: A Narrative Review of the Current Evidence. Curr Pediatr Rev. 2019;15(1):22-29. doi: 10.2174/1573396314666181113094047. PMID: 30421679; PMCID: PMC6696822.
- Flodine TE, Mendez MD. Breath Holding Spells. 2022 Mar 15. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2022 Jan–. PMID: 30969604.
- Breath-holding in babies and children [Internet]. nhs.uk. [cited 2022 Sep 12]. Available from: https://www.nhs.uk/conditions/breath-holding-in-babies-and-children/
- Arslan M, Karaibrahimoğlu A, Demirtaş MS. Does iron therapy have a place in the management of all breath-holding spells? Pediatr Int. 2021 Nov;63(11):1344-1350. doi: 10.1111/ped.14685. Epub 2021 Oct 28. PMID: 33682275.
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