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Introdução

A esofagite eosinofílica (EE) é uma doença inflamatória crónica do esófago mediada imunologicamente. Caracteriza-se pela infiltração significativa da mucosa esofágica por eosinófilos e associa-se a sintomatologia de disfunção esofágica.

Atualmente, considera-se a causa mais prevalente de esofagite depois da doença de refluxo gastroesofágico (DRGE).

A sua etiopatogenia não está totalmente esclarecida, mas parece envolver fatores genéticos, ambientais e imunológicos.

Epidemiologia

Constitui uma doença de distribuição mundial, cuja incidência e prevalência têm vindo a aumentar. Tem sido mais prevalente no sexo masculino e entre os 30-40 anos. Na idade pediátrica é frequentemente diagnosticada entre os 6-12 anos.

História Clínica

Anamnese

O diagnóstico implica a realização de uma história clínica completa e dirigida, sendo fundamental questionar sobre antecedentes de atopia. A prevalência de doença alérgica concomitante é significativa (42-93%), sendo os alergénios alimentares os principais triggers envolvidos.

Para além disso, é importante avaliar a história pessoal de algumas síndromes genéticas sob maior risco (síndrome Loeys-Dietz, síndrome de Marfan, síndrome de Netherton) e antecedentes familiares de esofagite eosinofílica ou disfagia.

Exame objetivo

Habitualmente, apresenta-se com sintomas de disfunção esofágica, que além de inespecíficos, são dependentes da idade.

Lactente e criança em idade pré-escolar: dificuldades alimentares (regurgitação alimentar, vómitos e recusa alimentar), irritabilidade, má evolução ponderal

Idade escolar: náuseas, vómitos, epigastralgia, pirose

Adolescentes e adultos: disfagia e impactação alimentar

Outros sintomas: dor torácica, anorexia e saciedade precoce.

As crianças podem assumir alguns comportamentos alimentares que atrasam o seu diagnóstico (comer mais devagar, mastigar de forma excessiva, ingestão de líquidos em excesso durante as refeições ou recusa de ingestão de alimentos sólidos), sendo o intervalo médio entre os sintomas e o diagnóstico de 4,5 anos.

Diagnóstico Diferencial

Outras causas de eosinofília esofágica:

  • DRGE
  • Gastroenterite eosinofílica
  • Acalásia e outros distúrbios da motilidade esofágica
  • Síndrome hipereosinofílica
  • Esofagite viral (Herpes/CMV) ou fúngica (Candida albicans)
  • Infeções parasitárias
  • Doença celíaca
  • Doença inflamatória intestinal
  • Doenças do tecido conjuntivo
  • Reações de hipersensibilidade a fármacos
  • Doença enxerto versus hospedeiro

Exames Complementares

Endoscopia Digestiva Alta

A confirmação diagnóstica implica a realização de uma endoscopia digestiva alta com biópsias da mucosa esofágica (6 biópsias do esófago proximal e distal).

Além disso, são também necessárias biópsias do antro gástrico e duodeno para excluir outras causas de eosinofília esofágica, nomeadamente a gastroenterite eosinofílica.

O exame histológico é essencial para o diagnóstico, sendo critério major uma contagem de eosinófilos ≥ 15 por campo de grande ampliação.

Avaliação alergológica

Permite a identificação dos possíveis triggers envolvidos (alergénios alimentares/aeroalergéneos) e a identificação dos casos com risco de anafilaxia (14,8%).

  • Testes cutâneos (prick test) - avaliam a sensibilização a alergénios mediada por IgE e são os que têm maior sensibilidade.
  • Testes epicutâneos (patch test) – nos casos de reação não IgE-mediada; contudo, não são recomendados isoladamente.
  • Doseamento de IgE específicas – não recomendado na avaliação alergológica inicial com objetivo de instituir uma dieta alimentar.
  • Doseamento da IgE total (↑ em 50-60%)
  • Contagem periférica de eosinófilos (↑ em 40-50%)

Outros exames complementares

  • Trânsito baritado esofágico (deteção de estenoses focais ou estreitamentos do esófago; baixa sensibilidade),
  • Manometria esofágica (inespecífica).

Tratamento

Os objetivos do tratamento visam a melhoria clínica e remissão histológica, de forma a evitar lesões esofágicas graves, com impacto na qualidade de vida.

A escolha da estratégia de tratamento deve ser discutida individualmente e depende da: idade (baixa adesão dos adolescentes às intervenções na dieta alimentar), gravidade da doença (sintomas mais graves exigem habitualmente corticoterapia) ou, eventualmente, estilo de vida/preferências individuais.

Existem várias abordagens terapêuticas possíveis:

  1. Intervenção na dieta alimentar
  2. Tratamento farmacológico
  3. Tratamento endoscópico

1. Intervenção na dieta alimentar

Constitui uma abordagem não farmacológica com eficácia comprovada em idade pediátrica, habitualmente com duração mínima de 6 semanas.

As dietas mais restritivas podem provocar défices nutricionais, sendo essencial um acompanhamento nutricional adequado.            

A evicção prolongada de alimentos, para os quais existe uma sensibilização prévia, pode levar à ocorrência de reações sistémicas IgE mediadas, aquando da sua reintrodução na dieta.

1.1 Dieta de evicção de acordo com avaliação alergológica

Implica a realização de testes cutâneos com os principais alergénios alimentares (leite de vaca, ovo, trigo/outros cereais, soja, amendoim, carne de vaca, de porco, frango ou peru e peixe/marisco, arroz). Alguns centros testam também legumes e frutas, dependendo da história clínica.

Os testes podem ser realizados com extratos de alimentos (teste prick) ou com o próprio alimento (teste prick to prick).

1.2 Dieta de evicção empírica

Envolve a evicção dos alimentos mais alergénicos, quando a avaliação alergológica é negativa. As dietas de evicção podem envolver 1, 2, 4 ou 6 alimentos (idealmente, iniciar com dietas menos restritivas):

  • Dieta de evicção do leite de vaca/leite de vaca e trigo
  • Dieta de evicção dos 4 alimentos: leite de vaca, ovo, trigo, leguminosas ou apenas a soja
  • Dieta de evicção dos 6 alimentos: leite de vaca, ovo, trigo, soja, frutos secos/amendoim, peixe/marisco

1.3 Dieta elementar

Consiste no uso de uma fórmula de aminoácidos para suporte nutricional, habitualmente em lactentes, durante pelo menos 4 semanas.

Casos particulares (alergias alimentares múltiplas, má evolução ponderal, doença grave com resposta insuficiente a outras abordagens dietéticas).

2. Tratamento farmacológico

2.1 Inibidor da bomba de protões (IBP)

Pode ser iniciado como tratamento de 1ª linha, se clínica sugestiva e evidência histológica de eosinofília esofágica, embora possam ser consideradas outras opções terapêuticas.

2.2 Corticoterapia

  • Corticóides inalados (Fluticasona) e deglutidos (Budesonido): Seguros e efetivos;
  • Corticóides sistémicos (Prednisolona): Reservado para casos mais graves (disfagia grave ou perda de peso significativa), não sendo recomendado o seu uso prolongado (efeitos adversos).

2.3 Outras terapêuticas

  • montelucaste;
  • imunosupressores (azatioprina ou 6- mercaptopurina);
  • anticorpos monoclonais contra a IL-4, IL-5, IL-13.

Apesar dos seus resultados promissores, requerem mais estudos.

3. Tratamento endoscópico

Pode ser necessário no caso de sintomas graves (disfagia persistente ou impactação alimentar) secundários a anéis/estenose esofágica em que o tratamento médico foi insuficiente.

Evolução

Independentemente do tratamento instituído, deve ser realizada uma reavaliação endoscópica e histológica (idealmente após 6-12 semanas), de forma a avaliar a eficácia da abordagem dietética/tratamento farmacológico instituídos e prevenir complicações a longo prazo, nomeadamente alterações estruturais, como fibrose ou estenose que podem ser irreversíveis, e alterações funcionais.

Após remissão da doença deve equacionar-se reintrodução gradual de alimentos ou redução da dose de fármacos utilizados, mantendo a dose mais baixa que permitiu controlo da sintomatologia e remissão endoscópica/histológica.

Além disso, e sobretudo perante dietas mais restritivas, deve ser realizado acompanhamento da evolução estaturo-ponderal e do impacto psicossocial da doença na criança e na família. Pelo que se considera crucial uma abordagem multidisciplinar, envolvendo gastrenterologistas, alergologistas e nutricionistas.

Bibliografia

  1. Iuliano, S., et al., Eosinophilic esophagitis in pediatric age, state of the art and review of the literature. Acta Biomed, 2018. 89(8-S): p. 20-26.
  2. Ruffner, M.A. and J.M. Spergel, Eosinophilic Esophagitis in Children. Curr Allergy Asthma Rep, 2017. 17(8): p. 54.
  3. Dellon, E.S. and I. Hirano, Epidemiology and Natural History of Eosinophilic Esophagitis. Gastroenterology, 2018. 154(2): p. 319-332 e3.
  4. Surdea-Blaga, T., et al., Eosinophilic Esophagitis: Diagnosis and Current Management. J Gastrointestin Liver Dis, 2020. 29(1): p. 85-97.
  5. Feijoo, R. J. Esofagitis eosinofílica en la edad pediátrica. Tratado de alergologia pediátrica. 3ª edição. Secção 9, capítulo 9.1, páginas 257-264

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