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Introdução

As alterações do humor no período pós-parto representam a forma mais frequente de morbilidade a seguir ao parto, sendo a depressão a perturbação perinatal mais comum. A depressão pós-parto (DPP) consiste num episódio depressivo major durante o período pós-parto.

Apesar de algumas inconsistências na definição de período pós-parto na literatura e classificações diagnósticas, para efeitos clínicos considera-se o período de até um ano após o parto. A DPP está associada a sofrimento materno e diminuição da sua funcionalidade global, interferindo nas capacidades parentais e vinculação, com consequências negativas para a relação mãe-bebé e desenvolvimento da criança. Está ainda associada ao aumento do risco de mortalidade materna e infanticídio.

Da etiologia da DPP fazem parte fatores biológicos como variações abruptas das hormonas sexuais após o parto (estrogénios e progesterona) e fatores psicossociais, tais como eventos de vida stressantes, ausência de apoio social ou mecanismos de coping desadaptativos, que interagem num modelo geral de vulnerabilidade ao stress.

EPIDEMIOLOGIA

A prevalência da depressão pós-parto situa-se entre os 10% a 15%, embora estes números se possam encontrar aquém da realidade, uma vez que, frequentemente, a mesma não é diagnosticada nem tratada. Ainda assim, um estudo revelou a presença de depressão major ou minor em 19,2% das mulheres nos primeiros 3 meses após o parto. É claro na literatura científica que o pico de incidência de um episódio de depressão ocorre habitualmente entre os 2 a 3 meses após o parto.

História Clínica

As características clínicas da DPP são sobreponíveis às da depressão noutras fases da vida, embora haja alguns sintomas mais típicos. Alguns estudos salientaram uma relativa diminuição de pensamentos e comportamentos suicidas e de humor depressivo e tristeza e um relativo aumento de dificuldades de concentração/decisão, de agitação psicomotora e de sintomas de ansiedade, labilidade emocional e irritabilidade na DPP.

O contexto do pós-parto influencia as cognições depressivas e o modo como os sintomas se manifestam. Assim, é frequente haver pensamentos obsessivos egodistónicos relacionados com fazer mal ao bebé, sentimentos de culpa por não ser uma mãe suficientemente boa, insegurança em relação às capacidades parentais e preocupações excessivas e/ou irracionais acerca do bem-estar e desenvolvimento do bebé. Algumas mulheres queixam-se de incapacidade em sentirem proximidade e interesse pelo bebé, sendo este o motivo que as leva à procura de ajuda.

A comorbilidade entre sintomas de depressão e sintomas de ansiedade no período perinatal é elevada, da ordem dos 50%, estando associada a um pior prognóstico. Uma apresentação comum da ansiedade no período pós-parto é o medo da síndrome de morte súbita do bebé, cuja principal manifestação é a incessante vigilância noturna, o que pode levar à privação de sono e exaustão. Ataques de pânico podem também ocorrer.

Não raras vezes, a dita depressão pós-parto tem início ainda durante a gravidez, sobretudo no terceiro trimestre. Verifica-se então um continuum entre depressão pré-natal e DPP, sendo que mais de 40% das mulheres que apresentam sintomatologia depressiva elevada na gravidez, também a apresentam no pós-parto. Assim a depressão na gravidez é um dos principais preditores do desenvolvimento de DPP.

Nas últimas décadas, vários estudos se têm debruçado sobre os fatores de risco para a depressão pós-parto, incluindo duas metanálises e uma revisão sistemática. Os fatores de risco que mostraram uma correlação moderada a forte com a depressão pós-parto foram: história pessoal de depressão, depressão e ansiedade durante a gravidez, neuroticismo, baixa auto-estima, blues pós-parto, eventos de vida adversos, insatisfação com relação marital e fraco suporte social. Outros fatores de risco foram identificados como tendo uma relação mais modesta com a depressão pós-parto, nomeadamente: baixo nível socioeconómico, ser solteira, gravidez indesejada, complicações obstétricas e temperamento difícil do bebé. Estudos mais recentes encontraram uma correlação entre a síndrome de disforia pré-menstrual e a depressão pós-parto, bem como com o status de amamentação (mães que não amamentam apresentam maior risco de depressão, enquanto que a depressão também reduz as taxas de amamentação). Como forma de rastreio da DPP, existem instrumentos de avaliação específicos para esta condição. A Edinburgh Postnatal Depression Scale (EDPS) é o instrumento mais utilizado e estudado em todo o mundo, estando traduzido e validado para português. A Postpartum Depression Screening Scale (PDSS) e particularmente as suas versões reduzidas, é também um instrumento válido, útil e adequado para o rastreio da DPP em Portugal.

Diagnóstico Diferencial

Os principais diagnósticos diferenciais da Depressão pós-parto são os blues pós-parto (BPP) e a psicose puerperal (PP).

Os blues pós-parto são considerados reações normais, comuns e passageiras às alterações hormonais e ao nível de stress que caracterizam os primeiros dias após o bebé nascer, não alteram a capacidade de funcionamento global da mulher e não requerem tratamento profissional. Os sintomas mais comuns dos BPP são:

  • o choro fácil e a labilidade emocional;
  • nsónia;
  • fadiga;
  • disforia, e
  • irritabilidade são também frequentes.

É consensual na literatura que os BPP começam nos primeiros 3 dias e terminam entre o sétimo e décimo dia, atingindo o seu pico de intensidade pelo quinto dia. Em relação à sua prevalência, esta varia muito entre estudos – 15% a 84%. Admite-se que este é um fenómeno transcultural. Apesar dos BPP serem considerados reações “normais”, a sua importância advém das suas potenciais implicações prognósticas, porque cerca de 20% das mulheres com BPP podem desenvolver depressão pós-parto.

A psicose puerperal (PP) é o quadro mais grave no puerpério. Apesar de ser relativamente infrequente (1-2 casos por cada 1000 puerpérios), é considerada uma urgência psiquiátrica. Caracteriza-se por insónia:

  • ansiedade;
  • agitação, e
  • sintomas psicóticos como ideação paranoide.
  • São frequentes sintomas depressivos e/ou maníacos, com rápidas flutuações do humor, desorganização do pensamento e comportamentos bizarros.

Os sintomas podem ter início desde o primeiro dia após o parto. Os principais fatores de risco são a existência de um episódio prévio de psicose puerperal, história pessoal ou familiar de doença afetiva com componente psicótico, nomeadamente doença afetiva bipolar, verificando-se uma forte associação entre estas duas entidades.

Tratamento

Para o tratamento da depressão pós-parto estão disponíveis terapêuticas não farmacológicas e terapêuticas farmacológicas.

Terapêuticas não farmacológicas

A eficácia da terapia individual foi significativamente superior à das terapias em grupo e, entre todas as modalidades, a terapia cognitivo-comportamental e a terapia interpessoal demonstraram os maiores efeitos na redução dos sintomas depressivos.

Psicofarmacologia

Os fármacos de eleição são os antidepressivos, sendo este o tratamento mais comum na DPP. Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (SSRI), pelo seu perfil de eficácia e segurança, são considerados a primeira linha na depressão, tanto na gravidez como no pós-parto.

O plano de tratamento deve ser personalizado, devendo ter em conta a gravidade do episódio, a existência de história de doença mental prévia, a avaliação dos riscos, do suporte familiar e social, estabelecendo uma relação de risco/benefício individual para cada mulher e sua família.

Amamentação

Os benefícios da amamentação são amplamente conhecidos e a amamentação exclusiva até aos 6 meses é recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Igualmente estão já bem demonstrados os efeitos deletérios da depressão materna não tratada na criança. Assim, existem atualmente dados suficientes que permitem recomendar o tratamento antidepressivo da depressão pós-parto mesmo durante a amamentação. A sertralina é o fármaco recomendado nestes casos, pelos níveis muito baixos ou indetetáveis no plasma do bebé amamentado. Não se detetaram alterações clínicas nem do desenvolvimento a curto e a longo prazo nas crianças amamentadas por mães medicadas com sertralina.

De realçar que existe evidência da amamentação como factor protetor em relação à depressão pós-parto, e de que a mesma pode estar associada a uma recuperação mais rápida da sintomatologia depressiva, à qual acresce o facto de uma amamentação bem-sucedida ser um importante contributo para uma melhoria da auto-confiança e auto-estima materna.

Evolução

A duração dos episódios depressivos é um dos seus índices de gravidade.

A depressão pós-parto tende a ser prolongada, com cerca de 30% a 50% das mulheres a permanecer deprimidas após 6 meses.

Sintomas residuais podem estar presentes durante mais de um ano, mesmo quando os critérios diagnósticos já não estão reunidos. Um estudo verificou que o fator mais importante para a duração do episódio é o tempo desde o aparecimento dos sintomas até ao início do tratamento. A identificação precoce e instituição de tratamento atempadamente são essenciais para o prognóstico.

Mulheres que passam por um episódio de DPP têm um maior risco de desenvolver episódios depressivos, até um período de pelo menos 5 anos. O risco é particularmente elevado na sequência de gravidezes futuras, atingindo cerca de 50% das mulheres

Saber Mais

  1. Macedo AF; Pereira AT. Saúde Mental Perinatal. Lidel 2014
  2. Stuart-Parrigon K; Stuart S. Perinatal Depression: An Update and Overview. Curr Psychiatry Rep. 2014 September
  3. O’Hara MW; McCabe JE. Postpartum Depression: Current Status and Future Directions. Annu. Rev. Clin. Psychol. 2013.
  4. McAllister-Williams et al. British Association for Psychopharmacology consensus guidance on the use of psychotropic medication preconception, in pregnancy and postpartum 2017. Journal of Psychopharmacology
  5. Guintivano J et al. Predictors of Postpartum Depression: A Comprehensive Review of the Last Decade of Evidence. CLINICAL OBSTETRICS AND GYNECOLOGY, Volume 61, Number 3
  6. Carley J. Pope and Dwight Mazmanian, Breastfeeding and Postpartum Depression: An Overview and Methodological Recommendations for Future Research, Depress Res Treat. 2016;2016:4765310. doi: 10.1155/2016/4765310. Epub 2016 Apr 11. PMID: 27148457; PMCID: PMC4842365

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