Comunicação interauricular
Introdução
Definição
As comunicações interauriculares são o grupo de cardiopatias congénitas que resultam dum defeito do septo interauricular, estabelecendo assim uma comunicação entre as circulações sistémica e pulmonar.
Epidemiologia
A comunicação interauricular (CIA) é a terceira cardiopatia congénita mais frequente, com uma indicência estimada de 100 por 100.000 pessoas. A maior parte das CIAs ocorre de forma esporádica. Raramente, estão associadas a mutações em genes responsáveis pela septação ou síndromas como o Holt-Horam, Down e Noonan. O consumo de álcool ou tabaco durante a gravidez pode resultar em defeitos do septo interauricular.
História Clínica
Anamnese
A apresentação clínica da CIA depende da sua localização, dimensão e factores específicos de cada doente. A maior parte dos doentes permanece assintomático durante a infância, e mesmo os maiores defeitos podem não ter manifestações clínicas até à adolescência. Deste modo, é comum o diagnóstico incidental de uma CIA durante uma ecocardiografia de rastreio num doente assintomático. A partir da segunda infância, os doentes apresentam um quadro insidioso de cansaço para esforços progressivos, hipersudorese, má progressão ponderal e infeções respiratórias recorrentes. As arritmias e a hipertensão pulmonar são as complicações mais graves mas raras em idade pediátrica.
Exame objectivo
A maior parte dos doentes tem um exame objectivo normal. O achado mais frequente é um precórdio hiperdinâmico e anomalias na auscultação cardíaca que incluem um desdobramento fixo do segundo tom, que apresenta intensidade aumentada, e um sopro de ejeção suave, de grau 2-3/6, no bordo esquerdo do esterno. Os sinais de insuficiência cardíaca direita são muito raros em idade pediátrica. As crianças mais velhas e os adolescentes podem ter uma progressão ponderal nos percentis inferiores.
Diagnóstico Diferencial
O diagnóstico diferencial da CIA faz-se com o sopro inocente. Há algumas patologias cardíacas que condicionam sinais insipientes de insuficiência cardíaca, contudo têm uma apresentação clínica com características distintas. Existem outras patologias não cardíacas, como a anemia, doenças endócrinas, desnutrição entre outras cuja apresentação clínica pode ser semelhante à da CIA.
Exames Complementares
Patologia Clínica
A classificação das CIAs é feita mediante a sua localização no septo. A mais frequente é a do tipo ostium secundum (80% dos casos), seguida do ostium primum (15%, sinus venosus (5%) e tipo seio coronário (
Imagiologia
ECG: Apresenta desvio direito do eixo elétrico no plano frontal, onda p alta e pontiaguda (sugestiva de hipertrofia auricular direita) e padrão rsR’ nas derivações direitas (sugestiva de hipertrofia ventricular direita).
Teleradiografia de tórax: As CIAs hemodinâmicamente significativas apresentam cardiomegália, com dilatação das cavidades direitas e pletora pulmonar.
Ecocardiograma transtorácico: É o exame de primeira escolha que permite interrogar o septo para estabelecer a classificação anatómica do sub-tipo de CIA, suas dimensões e bordos. Permite também quantificar o significado hemodinâmico da CIA através da medição das cavidades direitas e movimento do septo interventricular.
Outras técnicas: A ressonância magnética, tomografia axial computorizada e o cateterismo cardíaco diagnóstico têm um interesse limitado a situações especificas de CIA.
Tratamento
Indicações
Cerca de 50% das CIAs pequenas fecham espontaneamente até aos 4 anos. E, das que permanecem abertas, só têm indicação para encerramento as lesões com dimensão ou de localização tal que condicionam um shunt com significado hemodinâmico. Este significado era obtido classicamente por meio de um cateterismo cardíaco que demonstrava um aumento de 50% do débito pulmonar em relação ao sistémico. Atualmente, não é necessário realizar testes invasivos para estabelecer a indicação terapêutica, pois existem sinais ecocardiográficos e também eletrocardiográficos que estabelecem o significado hemodinâmico de uma CIA. O timing de encerramento é habitualmente a partir dos 3 a 5 anos de idade.
Cirurgia
Todas as CIAs são encerráveis por abordagem cirúrgica. A abordagem mais habitual é por esternotomia e sob circulação extra-corporal (CEC). Em algumas ocasiões, o encerramento cirúrgico pode ser feito por abordagem sub-mamária ou mini-invasiva ou sem necessitar de CEC. Os resultados atuais são com mortalidade virtualmente nula e morbilidade baixa.
Cateterismo cardíaco
Nas últimas décadas, disseminou-se a abordagem percutânea para o encerramento do sub-tipo mais comum de CIA, as do tipo ostium secundum. A vantagem é uma abordagem menos invasiva, sem incisões ou cicatrizes, através da veia femoral. Existem vários dispositivos disponíveis em Portugal. Os resultados do encerramento de CIA por cateterismo cardíaco tem resultados sobreponíveis à cirurgia.
Evolução
A história natural da CIA não tratada é uma mortalidade anual de 4.5% a partir da 4ª década e 7.5% a partir da 7ª década de vida. A morte sobrevem por arritmia ou hipertensão pulmonar. Os doentes tratados atempadamente apresentam uma esperança de vida que é sobreponível à população em geral. Está demonstrado que a tolerância ao esforço é normalizada com o tratamento.
Recomendações
Os doentes que são submetidos a encerramento de CIA devem efetuar por um período de seis meses profilaxia de endocardite bacteriana em situações de risco, que pode depois ser suspensa. Não há indicação para restrições por motivo cardíaco para a prática de atividade física em doentes tratados e sem lesões residuais. Deve ser mantido seguimento por toda a vida em consulta de Cardiologia Pediátrica e, atingindo a idade adulta, Cardiologia.
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