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Introdução

Comportamento alimentar perturbado (CAP) na infância: ingestão subótima de alimentos e/ ou comportamentos alimentares desajustados à idade, sem prejuízo do crescimento (denominados de “picky eaters”).

ARFID (Avoidant/restrictive food intake disorder): seletividade alimentar com restrição da ingestão de determinados grupos alimentares ao ponto de culminar em défices nutricionais.

Epidemiologia

CAP tem uma prevalência até 45% nas crianças (pico de incidência: 1- 3 anos). ARFID tem uma prevalência estimada de 3,2% na população geral. Ambas são mais comuns em crianças com perturbação do neurodesenvolvimento.

História Clínica

Anamnese

A anamnese deve incluir os antecedentes pré e perinatais, destacando-se a prematuridade, encefalopatia hipoxico-isquémica/ paralisia cerebral, malformações congénitas do trato gastrointestinal e/ou vias aéreas (superiores e inferiores) e patologia sindrómica como condições predisponentes a ambas as condições.

Atentar na existência de comorbilidades do Neurodesenvolvimento como  por exemplo: perturbação do espetro do autismo, perturbação de oposição/ desafio, perturbação do desenvolvimento intelectual, perturbação de ansiedade e depressão.

Deve ser escrutinado o processo de diversificação alimentar (nomeadamente marcos de introdução de cada grupo alimentar, intolerâncias e/ou alergias) e detalhado o atual plano alimentar, nomeadamente horas das refeições, fases da refeição, quais os alimentos e sua proporção no prato, quantidade ingerida e fatores de distração (exemplo: ecrãs).

Devem também ser pesquisados os antecedentes familiares, nomeadamente antecedentes de patologia psiquiátrica. Neste seguimento, deve ser avaliado o ambiente familiar e a eventual existência de fatores causadores de stress/ disrupção da dinâmica familiar, bem como a possibilidade de negligência parental.

Na anamnese é também importante investigar a existência de sinais de alarme: disfagia, odinofagia, descoordenação da deglutição (sugerida por tosse, engasgamento ou pneumonias recorrentes), alimentação interrompida por choro (sugere presença de dor), vómitos, diarreia, exacerbação de eczema atópico e má evolução ponderal.

Podem também ser aplicados alguns questionários validados que visam avaliar o comportamento alimentar da criança, a severidade dos problemas alimentares durante a refeição, a relação da criança com a comida e possíveis défices nas competências alimentares (exemplo: Children’s Eating Behavior Questionnaire, Child Feeding Questionnaire, Preschooler Feeding Questionnaire). Existem outros questionários que permitem avaliar os pais e sua perceção face ao comportamento alimentar do filho.

Exame objectivo

O exame físico deve ser geral e detalhado com especial atenção para sinais indicativos de possíveis défices nutricionais (como por exemplo gengivite/ gengivorragia, alterações da conformação óssea, cáries dentárias, entre outros). Deve incluir também a determinação dos parâmetros antropométricos no sentido de avaliar a evolução estaturo-ponderal da criança.

Com igual importância, deve ser avaliado o neurodesenvolvimento da criança.

Diagnóstico Diferencial

O CAP da infância e ARFID constituem duas entidades muito semelhantes, pelo que é necessária a sua consideração no diagnóstico diferencial de ambas.

No DSM-5 estão definidos critérios para o diagnóstico de ARFID, que permite a sua distinção de CAP da infância:

A- Perturbação do comportamento alimentar (ex.: ausência de interesse em comer ou em comida, evitar alimentos com base nas suas características, etc.) que se manifesta por falência em suprir as necessidades nutricionais e/ou energéticas associada a um dos seguintes:

  • - Perda ponderal significativa (ou falha em atingir o peso ideal para a idade);
  • - Défice nutricional  ignificativo;
  • - Dependência de alimentação por via entérica (tubo naso ou orogástrico) ou suplementos orais;
  • - Marcada interferência com o funcionamento psicossocial

B- A perturbação não é explicada pela indisponibilidade de alimentos ou por prática cultural;

C- A perturbação alimentar não ocorre exclusivamente no curso de anorexia nervosa ou bulimia nervosa e não há evidência de da perturbação ser desencadeada pelo peso ou formato corporal;

D- A perturbação alimentar não decorre de nenhuma condição médica ou não é explicada por outro distúrbio mental.

O CAP da infância e ARFID fazem ainda diagnóstico diferencial com Anorexia nervosa, Bulimia nervosa, Pica ou fobias alimentares.

Exames Complementares

O diagnóstico de CAP baseia-se essencialmente na anamnese (o exame objetivo é habitualmente normal). O diagnóstico de ARFID, além de se basear na história clínica e exame objetivo, assenta nos critérios diagnósticos definidos pelo DSM-5.

Na suspeita de ARFID, devem ser doseadas as vitaminas B12, C e D, e avaliar a cinética do ferro, por forma a diagnosticar eventuais défices nutricionais.

Outros exames complementares mais dirigidos devem ser realizados se houver  suspeita de outras patologias ou se sinais de alarme.

Faz também parte do diagnóstico a observação da díade criança-cuidador no momento da refeição que permitirá verificar se esta interação poderá ser causadora ou fator agravante do problema alimentar.

Esta avaliação deve ser realizada in vivo, numa altura em que seja expectável a criança ter fome, idealmente por um psicólogo especialista em perturbações do comportamento alimentar e um terapeuta da fala, ou em alternativa pela visualização de vídeos relativos a esses momentos.

Tratamento

A maioria das crianças com CAP são normativas pelo que não necessitam de tratamento específico. A abordagem desta condição assenta essencialmente em orientar os cuidadores por forma a diminuir a sua ansiedade (conselhos, informação escrita sob técnicas a utilizarem ou “in vivo coaching”).

O tratamento do ARFID é mais complexo e pode envolver medidas de psicoterapia e medidas farmacológicas. Deve ser instituída terapia cognitivo-comportamental baseada numa dessensibilização sistemática (quatro “Rs”):

  1. Registar: as crianças são encorajadas a registar os seu hábitos alimentares e sentimentos associados; nesta fase não devem tentar mudar os seus comportamentos alimentares;
  2. Recompensa: as crianças devem elaborar uma lista de alimentos que podem vir a experimentar em algum dia; como o objectivo é as crianças experimentarem novos alimentos, são premiadas com uma recompensa caso o façam;
  3. Relaxamento: esta fase é mais importante para crianças com ansiedade severa quando confrontadas com alimentos não gostados. As crianças devem procurar imagens e cenários relaxantes face à ideia de experimentar alimentos causadores de ansiedade;
  4. Revisão: acompanhar o progresso da criança, com sessões de revisão com a criança e com os pais.

Sessões de psico-educação sobre o ARFID e as suas consequências, selecção de novos alimentos, promover conhecimento acerca dos nutrientes e potenciais consequências dos défices nutricionais, explorar a etiologia da perturbação do comportamento alimentar e fatores agravantes

Como referido, a abordagem terapêutica do ARFID pode englobar medidas médicas/ farmacológicas:

  • Suplementos alimentares no sentido de prevenir défices nutricionais;
  • Pode ser necessária a colocação de sonda nasogástrica ou de gastrostomia percutânea para assegurar a ingestão de uma dieta variada e em porções adequadas;
  • Ansiolíticos ou antidepressivos, se comorbilidade com perturbação de ansiedade e depressão.

Evolução

O prognóstico do CAP na infância é favorável. Sabe-se contudo que crianças com CAP apresentam maior probabilidade de vir a apresentar perturbação do neurodesenvolvimento.

O ARFID apresenta um prognóstico menos favorável.

Tal como o CAP, o ARFID também configura maior risco para desenvolvimento de perturbação do neurodesenvolvimento (perturbação do desenvolvimento intelectual, perturbação do espectro do autismo, etc). Importa referir também que são frequentemente observadas comorbilidades como perturbação de ansiedade e transtorno obsessivo-compulsivo.

A exposição continuada a comportamentos alimentares restritivos severos leva a défices nutricionais que poderão condicionar o bem-estar da criança e interferir com crescimento adequado.

Recomendações

Concretizar um processo de diversificação alimentar dinâmico e adequado à idade da criança e a eventuais comorbilidades.

Não negligenciar determinados alimentos após a criança os recusar.

Promover um ambiente saudável, familiar, seguro e desprovido de estímulos sensoriais no momento da refeição. Incentivar a autonomia da criança, permitindo que se sujem e explorem a comida (na primeira infância).

Partilhar as refeições em momentos de convívio familiar, partilha e diversão.

Saber Mais

  • Alteração do comportamento alimentar;
  • ARFID;
  • Comportamento alimentar restritivo;
  • Perturbação do comportamento alimentar;
  • Picky eater.

Bibliografia

  • Taylor CM, Emmett PM. Picky eating in children: causes and consequences. Proceedings of the Nutrition Society. 2019; 78: 161-169;
  • Kambanis PE, Thomas JJ. Assessment and Treatment of Avoidant/Restrictive Food Intake Disorder. Curr Psychiatry Rep. 2023; 25(2):53-64;
  • Dolman L, Thornley S, Doxtdator K, Leclerc A, Findlay S, Grant  C, et al. Multimodal therapy for rigid, persistent avoidant/restrictive food intake disorder (ARFID) since infancy: A case report. Clin Child Psychol Psychiatry. 2021; 26(2): 451-463;
  • Diamantis DV, Emmett PM, Taylor CM. Effect of being a persistent picky eater on feeding difficulties in school-aged children. Appetite. 2023; 183:106483;
  • American Psychiatric Association. (2013) Diagnostic and statistical manual of mental disorders: DSM-5. 5th edn. Washington, D.C.: American Psychiatric Publishing. Páginas 334-338.

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