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Introdução

Definição

Anemia durante o período neonatal: valor de hemoglobina (Hb) ou hematócrito (Htc) inferior a 2 desvios padrão da média para a idade gestacional (IG), de acordo com tabelas de referência.

Numa amostra capilar, os valores de Hb podem ser 5-25% mais elevados.

Epidemiologia

Patologia hematológica mais frequente em recém-nascidos (RN), com incidência dependente da causa.

Etiologia

Após o nascimento, o aumento da oxigenação tecidular é responsável pela diminuição da produção de eritropietina, com consequente redução da eritropoiese, resultando na designada anemia “fisiológica” do RN de termo, entre a 8ª-12ª semana (valor mínimo Hb 9-11 g/dL).

A anemia da prematuridade, forma mais precoce e com maior impacto, ocorre entre 3ª-12ª semana (valor mínimo Hb 7-9 g/dL) em RN

Causada por interrupção da eritropoiese no 3º trimestre, menor produção de glóbulos vermelhos (GV) e menores reservas de ferro (Fe), produção inadequada de eritropoietina, semivida menor dos GV e aumento rápido do peso.

ANEMIA HEMORRÁGICA
Pré-natal e intraparto Transfusão fetomaterna

Espontânea, amniocentese, preeclâmpsia, parto instrumentado

Transfusão fetofetal Gémeos monocoriónicos
Alterações da placenta Placenta previa, placenta anterior, descolamento de placenta
Alterações do cordão umbilical  Vasa previa, inserção velamentosa, hematoma, aneurisma, prolapso ou ruptura
Clampagem precoce do cordão umbilical
Pós-natal Traumatismo do parto Cefalohematoma, hemorragia subgaleal, hemorragia intracraniana, hemorragia de outros órgãos
Malformações vasculares congénitas
Trombocitopenia
Alterações da coagulação Deficiência congénita, CID
Iatrogenia Colheitas sanguíneas
ANEMIA HEMOLÍTICA
Imunológica Doença hemolítica do RN Isoimunização Rh, ABO ou grupos minor
Anemia hemolítica autoimune LES materno, fármacos (penicilina, cefalosporinas, α-metildopa)
Não imunológica Infecção Sepsis, TORCH, outros vírus 
Congénita Alterações da membrana eritrocitária Esferocitose, eliptocitose
  Défices enzimáticos G6PD, piruvato-quinase
  Alterações da hemoglobina α-talassemia, hemoglobinas instáveis.
Metabólica Galactosémia
ANEMIA HIPOPLÁSICA
Alterações congénitas Anemia de Fanconi, anemia de Diamond-Blackfan, atransferrinemia, disgenesia reticular, leucemia congénita, anemia sideroblástica
Alterações adquiridas Infecções  Parvovírus B19, rubéola, sífilis
Alterações nutricionais Deficiência de vitamina E
Doenças metabólicas

CID – coagulação intravascular disseminada, LES – Lupus eritematoso sistémico; TORCH – toxoplasmose, outros vírus, rubéola, citomegalovírus, herpes; G6PD – glicose-6-fosfato desidrogenase

História Clínica

Sintomas: prostração, apneia, taquicardia, palidez, irritabilidade, dificuldade a mamar.

Hemorragia – palidez

Aguda: má perfusão, hipovolémia e choque, acidose metabólica, anemia normocrómica, reticulocitose (em 2-3 dias).

Crónica: assintomática, dificuldade respiratória ligeira, anemia microcítica hipocrómica, reticulocitose, hepatomegália.

Hemorragia intracraniana – fontanela anterior tensa, alterações da consciência, apneia, convulsões.

Hemorragia gastro-intestinal – hematemeses, melenas, rectorragias

Hemólise – icterícia, palidez, colúria, hiperbilirrubinemia não conjugada, hepatoesplenomegalia.  

História familiar de anemia, esplenectomia, icterícia, litíase biliar, colecistectomia, incompatibilidade sanguínea, doença autoimune materna, fármacos.

Aplasia  – evolução superior a 48 horas, reticulocitopenia.

Exames Complementares


1ª linha
Hemograma Hb  
  VGM Microcitose – transfusão feto-materna ou feto-fetal, α-talassemia
Normocitose – hemorragia aguda, hipoplasia
  Reticulocitos Contagem corrigida de reticulócitos: Ret x Htc/Htc N idade
valores normais: 3 –7% D1-3; 1–3% D3; 0-1% D7-14
aumentados: hemorragia, hemólise
diminuídos: aplasia
  Plaquetas  
  Esfregaço sanguíneo esferocitos – isoimunização ABO, esferocitose hereditária
eliptocitos – eliptocitose hereditária
picnocitos –  défice de G6PD
esquizocitos e corpos de Heinz – coagulopatia de consumo
Bilirrubina total e conjugada
Tipagem sanguínea e teste de Coombs directo
2ª linha
Hb fetal no sangue materno Kleihauer-Betke (método qualitativo)
Citometria de fluxo (método quantitativo, mais preciso)
TP, APTT, D-dímeros, fibrinogénio
Estudos enzimáticos, da membrana e das cadeias de Hb
Estudo de infecções do grupo TORCH e/ou outras infecções 
Exames imagiológicos (ecografia cerebral, ecografia abdominal, outros)
3ª linha
Mielograma

VGM – volume globular médio, Ret – reticulocitos, Htc – hematócritoTP – tempo de protrombina, APTT – tempo de tromboplastina parcial activada

Algoritmo

Tratamento

Transfusão de CE (concentrado eritrocitário) - 10-20 mL/kg endovenoso em 4h
(Ponderar administração de furosemida 1 mg/kg endovenoso pelos riscos de sobrecarga hídrica e aumento da viscosidade sanguínea).

Indicações

Aumento imediato da entrega de O2 aos tecidos

Hemorragia aguda >20%
Hemorragia aguda >10% + sinais clínicos de diminuição de entrega de O2 aos tecidos - acidose persistente após ressuscitação com volume
Necessidade imediata de aumento de entrega de O2 aos tecidos não alcançada com suporte ventilatório
Hb (g/dL) / Htc (%) Ventilação mecânica / Sintomatologia
≤ 10/30 VM moderada/significativa
Convencional: MAP >8 cmH20 e FiO2 >0,4
VAF: MAP >14 cmH20 e FiO2 >0,4
≤ 8/25 VM mínima
Convencional: MAP ≤8 cmH20 e FiO2 ≤0,4
VAF: MAP ≤14 cmH20 e FiO2 ≤0,4
≤ 7/20 Ausência de VM com O2 baixo ou alto fluxo e ≥1 critério:
FC ≥180 bpm, FR ≥60 ciclos/min  ≥24 horas
Duplicação das necessidades de O2 (48 horas anteriores)
Acidose metabólica: lactato sérico ≥2,5 mEq/L ou pH Aumento ponderal Cirurgia em 72h
≤ 6/18 Assintomático e reticulocitos

VM – ventilação mecânica, MAP – pressão média das vias aéreas, VAF – ventilação de alta frequência, FC – frequência cardíaca, FR – frequência respiratória

Adaptado de Ohls R, Red blood cell transfusions in the newborn. UpToDate 2017.

Recomendações

Para a prevenção da anemia da prematuridade e diminuição de transfusões de CE, os procedimentos mais eficazes são: clampagem tardia do cordão umbilical (30-60s)/milking do cordão umbilical, limitação de colheitas sanguíneas através de monitorização não invasiva, utilização de micro-métodos e remoção precoce de vias centrais, nutrição adequada e suplementação com ferro, assim como a aplicação de critérios transfusionais restritivos, de acordo com a situação clínica dos doentes.

As recomendações da Academia Americana de Pediatra (2010) para a administração de ferro oral são as seguintes:

  • Todos os RN prematuros devem ter um aporte de Fe de 2 mg/kg/dia até aos 12 meses de idade, o que corresponde à quantidade de Fe fornecida pelas fórmulas para lactente.
  • Os RN prematuros sob aleitamento materno devem receber um suplemento de Fe oral de 2 mg/kg/dia a partir da 2ª semana de vida, até aos 12 meses. Excepção: RN que receberam múltiplas transfusões, que podem não necessitar de suplementos de Fe.
  • Os RN de termo com aleitamento materno exclusivo devem receber um suplemento de Fe oral de 1 mg/kg/dia, com início aos 4 meses de idade, até à diversificação alimentar.
  • Considerar iniciar ferro oral em dose terapêutica (5-6 mg/kg/dia) de acordo com situação e evolução clínicas
  • Rastreio universal de anemia ferropénica: determinação da concentração de Hb aos 12M com avaliação de factores de risco (história de prematuridade e baixo peso ao nascer).

A ESPGHAN (European Society for Pediatric Gastroenterology, Hepatology and Nutrition), em 2013, recomendou a administração de ferro oral até aos 6 meses de idade, de acordo com os seguintes critérios:

  • Os RN com peso ao nascer (PN) entre 2000-2500g devem receber suplementos de ferro entre 1-2 mg/kg/dia.
  • Os RN com PN inferior a 2000g devem receber suplementos de ferro entre 2-3 mg/kg/dia.
  • Não há indicação para suplementação de ferro em RN de termo com PN normal e sob aleitamento materno exclusivo nos primeiros 6 meses.

Actualmente, a utilização de eritropoietina não está recomendada por rotina, uma vez que os potenciais benefícios (eficácia limitada na redução de exposição a dadores), são ultrapassados pelos riscos associados (retinopatia da prematuridade) e custos elevados.

Bibliografia

  1. Baker R, Greer F, American Academy of Pediatrics, The Committee on Nutrition. Clinical Report – Diagnosis and Prevention of Iron Deficiency and Iron-Deficiency Anemia in Infants and Young Children (0-3 Years of Age). Pediatrics. 2010; 1040-1050.
  2. Damellof M, Braegger C, Campoy C et al, ESPGHAN Committee on Nutrition, Iron Requirements of Infants and Toddlers, Journal of Pediatric Gastroenterology & Nutrition; 58: 119-129, 2014.
  3. Garcia-Prats, Anemia of prematurity. UpToDate 2017. Disponível em: www.uptodate.com. Last updated Oct 27, 2015.
  4. Guimaraes J et al, editors. Neonatologia, Manual prático. Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais, HSFX, 2012.
  5. Ohls R., Red blood cell transfusions in the newborn. UpToDate 2017. Disponível em: www.uptodate.com. Last updated Jan 12, 2017.

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