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Introdução

Definição

Amenorreia secundária define-se como ausência de menstruação durante 3 ciclos menstruais em jovens com ciclos regulares, de 21-45 dias, ou durante 6 meses nos casos de ciclos irregulares. Apesar do estabelecimento de ciclos regulares poder demorar até 3 anos após a menarca, um padrão menstrual com estas características deve ser investigado. (1)

Epidemiologia

O padrão menstrual do tipo oligomenorreia/amenorreia afecta 27,8% a 36,5% das adolescentes. Apesar da longa lista de potenciais causas e da escassez de estudos na população pediátrica, o Síndrome do Ovário Poliquístico (SOP) constitui a causa mais frequente. (1)

História Clínica

Anamnese

A anamnese deve ser dirigida à pesquisa de possíveis factores desencadeantes:

Sintomas associados:

  • Dor abdominal associada a amenorreia secundária deve levantar a suspeita de gravidez ectópica;
  • Sintomas neurológicos (cefaleias, alteração dos campos visuais) podem indiciar uma causa central;
  • Sintomatologia vasomotora sugere insuficiência ovárica prematura (IOP);
  • Galactorreia é sugestiva de hiperprolactinemia.

Atividade física e hábitos alimentares:

  • A actividade física intensa e a privação calórica são causas de amenorreia hipotalâmica funcional (AHF).

Stress psicológico:

  • Stress psicológico recente, constitui igualmente uma causa de AHF.

Antecedentes patológicos:

  • Doenças autoimunes e antecedentes de quimioterapia (em particular com agentes alquilantes)  e/ou radioterapia (sobretudo pélvica ou do sistema nervoso central) podem estar relacionadas com IOP;
  • Doenças crónicas mal controladas podem ser causa de amenorreia secundária.

Medicação habitual:

  • Contracetivos com progestativo isolado ou a toma prolongada de estroprogestativos, sobretudo de baixa dosagem, podem cursar com amenorreia secundária;
  • Alguns medicamentos cursam com hiperprolactinemia, nomeadamente, antipsicóticos de primeira geração, risperidona, clomipramina, metoclopramida ou domperidona.

História ginecológica:

  • Idade da menarca: Os ciclos menstruais tendem a ser longos nos primeiros 2 a 3 anos pós-menarca.
  • Desenvolvimento pubertário
  • Coitarca: a avaliação etiológica da amenorreia secundária após a coitarca deve iniciar-se pela exclusão de gravidez
 

Exame objectivo 

Avaliação geral:

  • Peso e altura: Um índice de massa corporal (IMC) inferior ao Percentil 5 é sugestivo de AHF, enquanto que a obesidade é frequente nas adolescentes com SOP. A presença de amenorreia secundária numa adolescente com baixa estatura pode levantar a suspeita de Síndrome de Turner, a causa cromossómica mais frequente de IOP.
  • Sinais clínicos de hiperandrogenismo, nomeadamente acne e hirsutismo, sugerem SOP, ou, mais raramente, a forma não-clássica de hiperplasia congénita da supra-renal ou tumores virilizantes.
  • A presença de galactorreia sugere hiperprolactinemia
  • Acantose nigricans, habitualmente no contexto de obesidade e insulinorresistência,  sugere SOP.
 

Exame ginecológico:

O exame ginecológico no contexto de amenorreia secundário é pouco elucidativo e pode ser dispensado na primeira abordagem de uma adolescente que ainda não tenha iniciado a actividade sexual e na ausência de suspeita de massa pélvica.

A inspecção da vulva pode revelar sinais de hiperandrogenismo como o hirsutismo ou a clitoromegália. O exame com espéculo tem pouco valor na avaliação etiológica da amenorreia secundária. O toque pélvico bimanual pode revelar um útero aumentado de volume, no caso de gravidez intrauterina, ou dor à mobilização do colo ou à palpação anexial no caso de gravidez ectópica.

Diagnóstico Diferencial

Para que a menstruação ocorra é necessária a secreção de GnRH pelo hipotálamo, à qual a hipófise deve responder com a libertação de LH e FSH. Estas, por sua vez, estimularão a produção das hormonas ováricas, que irão exercer a sua acção sobre o endométrio e o fluxo menstrual será eliminado através de um trato genital inferior patente. A interrupção de qualquer nível desta sequência resultará numa amenorreia secundária.

A tabela seguinte resume as principais causas de amenorreia secundária:


1. Causas hipotalâmicas e hipofisárias:

1.1. Amenorreia hipotalâmica funcional (AHF)

A AHF reflecte uma resposta psicobiológica a anomalias comportamentais como dietas restritivas e perda de peso, associadas ou não a perturbações do comportamento alimentar, exercício físico extenuante ou stress psicológico. O seu diagnóstico é estabelecido após exclusão de outras causas de amenorreia. Independentemente do desencadeante, o mecanismo comum é o balanço energético negativo, com consequente redução da secreção de GnRH e anovulação.(2)

1.2. Hiperprolactinemia

A hiperprolactinemia é uma causa frequente de oligomenorreia e/ou amenorreia secundária, uma vez que a elevação dos níveis séricos de prolactina suprime a secreção de GnRH com consequente redução dos níveis de gonadotrofinas e estradiol. A dopamina é o inibidor fisiológico da secreção de prolactina.

As causas patológicas de hiperprolacinemia incluem (3):

  • Tumores hipofisários produtores de prolactina (prolactinomas)
  • Outras lesões do SNC que interfiram com o transporte da dopamina através do pedículo hipofisário, nomeadamente, outros tumores da hipófise, traumatismo, antecedentes de radiação ou cirurgia, infecção e doenças crónicas como a tuberculose, sarcoidose, hemocromatose hereditária ou hipofisite linfocítica;
  • Fármacos antagonistas da dopamina como antipsicóticos, clomipramina, metoclopramida, domperidona;
  • Hipotiroidismo;
  • Diminuição da clearance da prolactina (doença renal crónica).

1.3. Tumores e doenças infiltrativas do hipotálamo e/ou da hipófise

Craniofaringeomas, adenomas, quistos dermóides e, mais raramente, hamartomas ou astrocitomas são causas raras de compromisso da secreção de GnRH e do eixo hipotálamo-hipófise com consequente amenorreia. De igual modo, doenças infiltrativas e lesões do sistema nervoso central, nomeadamente após traumatismo, cirurgia ou radioterapia podem ser causas de disfunção hipotalâmica e/ou hipofisária (1).

1.4. Doenças sistémicas crónicas

Doenças sistémicas crónicas podem ser causa de amenorreia através de dois mecanismos fisiopatológicos:  Quando a sua gravidade é suficiente para comprometer a secreção de GnRH, e/ou quando a se associam a défices nutricionais suficientes para suprimirem o eixo hipotálamo-hipófise (1).

 

2. Outras endocrinopatias

2.1. Síndrome do Ovário Poliquístico (SOP)

Trata-se da causa mais comum de anovulação e hiperandrogenismo na mulher.(5) Na adolescência, o diagnóstico de SOP baseia-se na presença de um quadro de hiperandrogenismo clínico e/ou bioquímico (após exclusão de outras patologias) associado a oligomenorreia persistente. (4)

2.2. Patologia da tiróide
2.3. Patologia da supra-renal

A forma não clássica de hiperplasia congénita da suprarrenal é a segunda causa mais frequente de hiperandrogenismo em adolescentes. Deve-se, na maioria dos casos, a um défice da enzima 21-hidroxilase, cursando com hiperandrogenismo e irregularidades menstruais na ausência de ambiguidade sexual, característica da forma clássica. (1)

Outros defeitos congénitos do metabolismo dos esteroides da suprarrenal, Síndrome de Cushing ou tumores da supra-renal produtores de androgénios podem ser causa de amenorreia secundária com hiperandrogenismo. (1)

2.4. Patologia do ovário

Tumores do ovário produtores de hormonas esteróides são causas raras de amenorreia secundária. (1)

3. Insuficiência ovárica prematura

A IOP define-se como a perda de função ovárica antes dos 40 anos e caracteriza-se por um quadro de amenorreia/oligomenorreia com duração igual ou superior a 4 meses, associado a um estado de hipogonadismo hipergonadotrófico. As principais causas de IOP são: anomalias cromossómicas (mais frequentemente, Síndrome de Turner ou outras anomalias do cromossoma X), pré-mutação do gene FMR1, patologia auto-imune e lesão gonadal após radioterapia, quimioterapia ou cirurgia anexial. No entanto, em cerca de 90% dos casos, a etiologia permanece idiopática. (1, 5)

As adolescentes com IOP podem ser assintomáticas ou apresentar sintomatologia sugestiva de privação estrogénica, como sintomatologia vasomotora, alterações do humor, dispareunia ou secura vaginal.  (5)

Até 10% destas jovens podem apresentar reactivação intermitente da função ovárica, com normalização da concentração de FSH e melhoria dos sintomas.(5)

 

4. Patologia do trato genital inferior

Patologia obstrutiva do trato genital inferior pode ser causa de amenorreia secundária. No entanto, são causas raras nesta faixa etária. (1)

Exames Complementares

Patologia Clínica (1)

  • Teste imunológico de gravidez
  • FSH
  • Prolactina
  • TSH
  • Avaliação do status estrogénico:

1. Estradiol sérico: O seu doseamento deve ter em conta a elevada variabilidade.

2. Prova progesterónica (administração de um progestativo cíclico durante 10 dias por mês): A presença de hemorragia de privação após suspensão do progestativo indica exposição prévia a estrogénios, enquanto a sua ausência sugere hipoestrogenismo ou anomalia do tracto genital. No entanto, esta abordagem apresenta uma elevada taxa de falsos positivos e negativos.

3. Avaliação ecográfica do endométrio: Um valor inferior a 4-5 mm é sugestivo de hipoestrogenismo.

  • Androgénios: Em caso de hiperandrogenismo clínico ou suspeita de SOP, deverá ser solicitado o doseamento de testosterona total, androstenediona e sulfato de desidroepiandrosterona (SDHEA). O doseamento de 17-hidroxiprogesterona, idealmente matinal, permite excluir a forma não clássica de hiperplasia congénita da supra-renal.
 

Imagiologia (1, 3)

  • Ressonância Magnética Nuclear (RMN) do SNC: Deve ser solicitada em caso de hipogonadismo hipogonadotrófico ou hiperprolactinemia sem factor etiológico identificável e sempre que se verifiquem sintomas neurológicos.
  • TAC/RMN da supra-renal – Deve ser solicitada nos casos de hiperandrogenismo clínico e bioquímico marcados (testosterona >150 ng/dL ou SDHEA >700 mcg/dL) para exclusão de tumor da supra-renal.
  • Ecografia pélvica - Permite excluir anomalias anatómicas e patologia ovárica.
 

Medicina Nuclear

  • Densitometria óssea – Deve ser incluída na avaliação inicial da AHF em adolescentes com amenorreia superior a 6 meses. (2)
 

Avaliação psicológica

  • Deve ser solicitada em caso de suspeita de AHF para exclusão de patologia do foro psicológico. (2)

Tratamento

O tratamento deve ser dirigido à doença de base, sempre que possível. Seguem-se as abordagens terapêuticas das causas mais frequentes de amenorreia secundária:

Tratamento médico

Amenorreia hipotalâmica funcional:

Intervenções comportamentais para correcção dos factores desencadantes e incluindo psicoterapia, aumento do aporte calórico e redução dos níveis de actividade física, parecem restabelecer a menstruação e  a função reprodutiva nas adolescentes com AHF. (2)

A eficácia do uso de contraceptivos orais combinados com objectivo de restabelecer os ciclos menstruais ou melhorar a DMO não está comprovada. No entanto, deve ser ponderada a administração de terapêutica hormonal sequencial em adolescentes com amenorreia superior a 6 meses. Deve ser recomendado um aporte diário de 1200-1500 mg de Cálcio e 600UI de Vitamina D para prevenção da diminuição da DMO, alertando, porém, para a ineficácia destas medidas quando tomadas isoladamente, sem o restabelecimento do equilíbrio energético. (2)

Hiperprolactinemia:

O tratamento da hiperprolactinemia deverá ser sempre etiológico. Nos casos relacionados com hipotiroidismo deverá proceder-se à correcção com levotiroxina. Nas situações induzidas por fármacos, recomenda-se, sempre que possível, a suspensão do agente desencadeante ou a sua substituição por outro fármaco não indutor de hiperprolactinemia. Quando estas medidas não são possíveis, a administração cautelosa de agonistas da dopamina poderá constituir uma alternativa, tendo sempre em atenção a possível interacção com o mecanismo de acção do fármaco psicotrópico. Todo este processo deve ser conduzido em diálogo com o médico assistente que instituiu a terapêutica. (4)

Nos casos de micro e macroprolactinomas, os agonistas da dopamina são a terapêutica de primeira linha com o objectivo de restabelecer o funcionamento do eixo hipotálamo-hipófise-ovário. No entanto, nos casos em que se pretende uma contracepção eficaz, a contracepção hormonal combinada constitui uma opção. (1, 3)

Insuficiência ovárica prematura:

A abordagem destas doentes passa pelo apoio psicológico das jovens e respectivas famílias,  e pela introdução de terapêutica hormonal e adopção de um estilo de vida saudável para prevenção das sequelas ósseas e cardiovasculares resultantes do défice de estrogénios a longo prazo. A terapêutica hormonal deve ser mantida até à idade média da menopausa. Importa recordar que em 5-10% dos casos se verifica uma reactivação da função ovárica pelo que a contracepção eficaz deverá ser sempre assegurada no sentido de evitar uma gravidez indesejada. (5)

Síndrome do Ovário Poliquístico:

A contracepção hormonal combinada (CHC) constitui o tratamento de primeira linha das adolescentes com SOP, associadas a modificações do estilo de vida (dieta restritiva em calorias e exercício físico) nos casos de excesso de peso. A administração de metformina está indicada nos casos de síndrome metabólico e/ou alteração da tolerância à glicose. (4) Nas doentes com SOP com contra-indicação para CHC, deverá ser administrado um progestativo cíclico com o objectivo de proteger o endométrio da acção isolada dos estrogénios secundária à anovulação, característica destas pacientes. (1, 4)

Cirurgia

A cirurgia é o tratamento de segunda linha para os prolactinomas refractários ou no caso de intolerância a terapêutica médica. (3) Constitui o tratamento de eleição nos restantes tumores da hipófise e do hipotálamo, bem como nos casos de tumores do ovário ou da supra-renal.

Algoritmo clínico/ terapêutico

Anti ACA, anticorpos anti-adrenocorticais; Anti-21HO, anticorpos anti-21-Hidroxilase; Ac Anti-TPO, anticorpos anti-tiroperoxidase; AHF, amenorreia hipotalâmica funcional; CHC, contracepção hormonal combinada; DHEAS, sulfato de Desidroepiandrosterona; 17H-Progesterona, 17 hidroxiprogesterona;  SOP, síndrome do ovário poliquístico; SR, supra-renal

Evolução

O prognóstico depende da etiologia, sendo geralmente favorável quando esta é reversível.

Uma vez que os estrogénios estão implicados no metabolismo ósseo, doentes sujeitas a hipoestrogenismo prolongado, como nos casos de AHF, apresentam com frequência uma diminuição da densidade mineral óssea (DMO). Este facto levou ao aparecimento do conceito da “Female Athlete Triad”, composta pelo défice nutricional, amenorreia, e diminuição da DMO, particularmente comum em modalidades desportivas associadas a um baixo IMC. (2)

As doentes com IOP apresentam uma redução da esperança média de vida, sobretudo à custa do aumento da doença cardiovascular, pelo que devem ser implementadas medidas comportamentais para controlo dos factores de risco. Nestas doentes é ainda fundamental não esquecer o impacto psicológico deste diagnóstico e um esclarecimento adequado do prognóstico reprodutivo. (5)

Nos casos de SOP, o risco de hiperplasia e carcinoma do endométrio devido à acção isolada dos estrogénios na ausência do efeito opositor da progesterona deve ser prevenido com a administração de CHC ou de um progestativo cíclico. (4)

Bibliografia

  1. Fritz MA, Speroff L. Amenorrhea. In: Fritz MA, Speroff L (eds.) Clinical gynecologic endocrinology and infertility. 8th Edition. Philadelphia.Lippincott Williams & Wilkins, 2011. p435-93.

  2. Gordon CM, Ackerman KE, Berga SL et al. Functional Hypothalamic Amenorrhea: An Endocrine Society Clinical Practice Guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2017 May 1;102(5):1413-1439.

  3. Melmed S, Casanueva FF, Hoffman AR. Diagnosis and treatment of hyperprolactinemia: an Endocrine Society clinical practice guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2011 Feb;96(2):273-88

  4. Legro RS, Arslanian SA, et al. Diagnosis and Treatment of Polycystic Ovary Syndrome: An Endocrine Society Clinical Practice Guideline. J Clin Endocrinol Metab. 2013 Dec;98(12):4565-92.

  5. European Society for Human Reproduction and Embryology (ESHRE) Guideline Group on POI, ESHRE Guideline: management of women with premature ovarian insufficiency. Hum Reprod. 2016 May;31(5):926-37.

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