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Introdução

A alergia ao veneno de himenópteros corresponde a uma resposta imunológica mediada por imunoglobulina E (IgE mediada) ao veneno de insectos da ordem Hymenoptera (abelhas, vespas e formigas), em indivíduos previamente sensibilizados. O veneno é uma mistura de moléculas bioactivas que podem actuar como alergénios ou activar reacções tóxicas.

Epidemiologia

Na Europa, a prevalência de alergia grave ao veneno de himenópteros em crianças é cerca de 20% e corresponde à segunda causa de reações alérgicas graves, a seguir à alergia alimentar. A mortalidade anual é de 0,03-0,48 mortes por milhão de habitantes.

História Clínica

Anamnese

A história clínica deve incluir: descrição da reacção adversa, caracterização do inseto suspeito (quando possível) e identificação dos fatores de risco para a gravidade da reacção.

Antecedentes pessoais nomeadamente do foro alérgico - a atopia é um factor de risco para reações alérgicas mais graves nas crianças. Nos asmáticos, a gravidade da reacção está associada com o controlo/gravidade da asma.

Identificação do insecto suspeito – abelhas, vespas, formigas, entre outros; o reconhecimento do insecto suspeito é importante na abordagem das reações alérgicas e na selecção da imunoterapia específica. A abelha tem ferrão serrilhado que fica preso na pele da vítima com o saco do veneno, enquanto que os vespídeos e outros apídeos (abelhões) têm ferrões lisos que podem picar várias vezes consecutivas sem se soltar do insecto.

 Caracterização da reacção adversa- descrever as circunstâncias e quando ocorreu, número e localização das picadas, intervalo de tempo decorrido entre o contacto e o início das reações.

Exame objectivo

 As reações alérgicas a picada de insecto podem ser: locais, locais extensas, reações alérgicas generalizadas ou reações tóxicas generalizadas.

A reação local caracteriza-se por dor, eritema e edema no local da picada e a maioria resolve-se em horas.

A reacção local extensa afecta uma grande área da pele (> 10 cm de diâmetro). Manifesta-se por dor, edema, rubor e/ou prurido no local da picada. Agrava nas 24-48 horas iniciais e resolve em 3 a 10 dias.

A reacção alérgica generalizada ou anafiláctica envolve a pele e/ou mucosas (ex.: urticária, eritema ou prurido generalizado, edema dos lábios, língua ou úvula) e pelo menos um dos seguintes sistemas - gastrointestinal (ex.: náuseas, vómitos, diarreia, dor abdominal), respiratório (dispneia, sibilância/broncospasmo, estridor, hipoxemia) e/ou cardiovascular (tonturas, hipotonia, hipotensão, perda de consciência). Ocorre poucos minutos após a picada e quanto mais rápido o início da reacção, mais grave é a sua evolução. Se não forem rapidamente tratados pode levar à morte.

A reacção tóxica generalizada é causada pela acção de componentes do veneno com actividade enzimática e toxicidade específica de órgão e geralmente manifestam-se após várias picadas simultâneas. Os efeitos tóxicos ocorrem em horas/dias e consistem em rabdomiólise, hemólise intravascular, alterações da coagulação, lesão hepática e insuficiência renal. São raras nas crianças.

Diagnóstico Diferencial

Os sinais e sintomas da alergia aos himenópteros são susceptíveis de aparecerem   noutras patologias, como erisipela, celulite, dermatite de contacto, linfedema ou exantemas víricos, pelo que a história clínica com a evolução temporal dos sintomas é importante para se apurar a etiologia.

Exames Complementares

Patologia Clínica

Investigadar todas as crianças com reacção generalizada após picada de himenópteros. A alergia pode ser confirmada através de testes cutâneos (testes prick e/ou testes intradérmicos) e/ou por doseamento de IgE específica, realizados em meio hospitalar.

  • Testes prick: simples e pouco dispendiosos. Realizados 2 a 6 semanas após a reacção, para evitar falsos-negativos. Coloca-se na pele do antebraço o extracto com o veneno suspeito (100 µg / mL), pica-se com lanceta e observar se surge reacção (valorizáveis pápulas >3 mm de diâmetro em comparação com o controlo).
  • Testes intradérmicos: quando os testes prick são negativos e a suspeita clínica é elevada, apresentando maior sensibilidade. Consiste em injectar na pele solução com veneno (concentrações de 0,001 a 1 µg / mL) e formar pápula de 3 mm de diâmetro. A leitura é realizada após 15-20 minutos (valorizável se pápula> 3mm do diâmetro com eritema associado).
  • Doseamento de IgE específica: 1 a 4 semanas após reacção à picada. Menos sensibilidade que os testes cutâneos e são negativos em 15% dos casos. Pode haver, simultaneamente, positividade para a vespa e abelha, podendo traduzir sensibilização dupla ou reacção cruzada entre os anticorpos IgE que reconhecem epítopos semelhantes dos diferentes venenos.
  • Estudo molecular- doseamento de alergénios recombinantes específicos de espécie. Indicação nos casos de polisensibilização a abelha e vespa, pois distingue reacção cruzada de verdadeira sensibilização.

Tratamento

Terapêutica da reacção alérgica aguda:

A reacção local imediata apresenta-se habitualmente por dor, edema e eritema no local da picada. Caso o ferrão ainda esteja presente, este deve ser retirado imediata e cuidadosamente sem o comprimir para evitar a injecção adicional de veneno. Deve-se realizar a higienização do local com água limpa e antissético. Para controlar o edema pode utilizar-se gelo na área afectada. Em caso de prurido é indicado a utilização de anti-histamínicos e, se dor, analgesia.

Se reacção local extensa, poderá ser necessário recorrer a corticosteróides orais.

Se se verificar a existência de reações generalizadas ou anafilaxia, a adrenalina é a terapêutica de 1ª linha, que deve ser administrada na face externa da coxa, por via intramuscular, o mais rapidamente possível.

Após o tratamento apropriado imediato, o doente deve manter-se sob observação, em meio hospitalar, durante um período de 6 a 24h, dependendo da gravidade da reacção e eventuais comorbilidades. A todos os doentes com história de reacção anafiláctica devem ser prescritos 2 auto-injetores de adrenalina e feito ensinamento para a sua administração. Estes doentes devem ser encaminhados para consulta específica.

À data da alta devem ser feitas recomendações relativamente a medidas de evicção de novas picadas.

Imunoterapia específica a veneno de himenópteros

Numa criança que sofreu uma reação generalizada prévia com envolvimento cardiovascular ou respiratório após picada de himenóptero, a imunoterapia subcutânea com veneno purificado é o tratamento de escolha, uma vez que pode induzir tolerância para o veneno.

A imunoterapia geralmente não está indicada em crianças com história de reações cutâneas generalizadas devido ao risco muito baixo deste tipo de reacção evoluir para uma reacção mais severa. A imunoterapia é realizada nas Unidades de Imunoalergologia, é segura, tem boa tolerância e permite uma protecção mais rápida para reações generalizadas após picadas futuras de himenópteros. Reduz o risco de anafilaxia em nova exposição de 70% para menos de 5%. Geralmente é administrada por um período de 5 anos.

Evolução

A maioria das picadas de himenópteros em crianças resulta em reacções locais sem gravidade, não necessitando de qualquer orientação. Nalguns casos, porém, podem ocorrer reacções alérgicas generalizadas, que uma vez diagnosticadas podem ser prevenidas e tratadas.

O risco de reacção generalizada grave é tanto maior, após nova picada, quanto mais grave for a reacção prévia, pelo que qualquer criança que desenvolva uma reacção generalizada deverá ser referenciada a uma consulta específica.

Recomendações

  • Evitar locais onde estes insectos costumam estar: jardins com flores, árvores de fruto, ou caixotes de lixo;
  • Evitar aproximar-se de colmeias e de ninhos de vespa
  • Evitar perfumes ou cosméticos com cheiros intensos;
  • Não andar descalço, principalmente em relvados;
  • Cobrir o corpo o mais possível, evitar o uso de roupa larga;
  • Evitar comer e beber ao ar livre;
  • Evitar exercício intenso ao ar livre (o suor atrai estes insectos).

Bibliografia

  1. Bilò MB, Pravettoni V, Bignardi D, Bonadonna P, Mauro M, Novembre E, et al. Hymenoptera venom allergy: Management of children and adults in clinical practice. J Investig Allergol Clin Immunol. 2019;29(3):180–205.
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