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Introdução

O látex natural é extraído da seiva da árvore-da-borracha (Hevea Brasiliensis), compondo a estrutura de inúmeros materais, desde utensílios de uso diário como balões, brinquedos, tetinas, preservativos, a materiais de uso médico.

Existem cerca de 250 polipeptídeos da borracha natural identificados, sendo cerca de 60 destes capazes de se ligar à IgE humana. Destacam-se os alergénios major Hev b 5 e Hev b 6, particularmente envolvidos na sensibilização ao látex em profissionais de saúde, e Hev b 1 e Hev b 3, relacionados com doentes submetidos a múltiplas cirurgias. Vários alergénios do látex foram identificados como estando envolvidos em fenómenos de reatividade cruzada entre o látex e plantas filogeneticamente distantes, constituindo o síndrome látex-frutos (ver Tabela 1).

As reações alérgicas ao látex podem ser de hipersensibilidade imediata (IgE mediada) e de hipersensibilidade tardia (não IgE mediada). A sintomatologia pode surgir por contato cutâneo, respiratório, digestivo ou parentérico com o látex.

Epidemiologia

Estima-se prevalência

Cerca de 30-50% dos alérgicos ao látex têm hipersensibilidade a alimentos derivados de plantas, especialmente frutas frescas (síndrome látex-frutos).

História Clínica

Anamnese

É importante investigar:

  • Situações que permitam inclusão em grupos de risco (doentes com cirurgias múltiplas, profissionais de saúde, trabalhadores em áreas com exposição a látex/ borracha);  
  • Reações durante procedimentos médico-cirúrgicos;
  • Sintomas imediatos após contacto com luvas ou outros produtos contendo látex na sua composição (contato direto e/ou inalação): prurido, angioedema, rouquidão, rinite, dispneia, sincope, cólicas abdominais, náuseas, vómitos e diarreia;  
  • Sintomas em locais onde se usa látex para diagnóstico e tratamento (hospitais, consultórios médicos/dentários/veterinários);
  • Antecedentes pessoais do foro alérgico (dermatite atópica, rinite, conjuntivite, asma e outras alergias alimentares ou medicamentosas);
  • Reações com alimentos de origem vegetal com reatividade cruzada descrita com o látex (ex. banana, castanha, kiwi, abacate, papaia, batata, tomate, etc.);  
  • Episódios de urticária e anafilaxia não explicados (em caso de reação anafilática, caraterizar a reação e necessidade de tratamento).

As manifestações clínicas durante uma reação induzida pelo látex dependem da via de exposição, da frequência, intensidade e tempo de exposição e da existência de atopia prévia. Podem ser:  

  • Manifestações cutâneas. São as mais frequentes, e podem ser do tipo não imunológico (dermatite de contacto irritativa) ou alérgicas (dermatite de contacto alérgica, urticária de contacto, urticária sistémica e angioedema).
  • Manifestações respiratórias. Rinite, conjuntivite e/ou asma, despoletadas pela inalação das proteínas do látex agregadas no pó contido nas luvas e que ficam em suspensão com a manipulação.
  • Anafilaxia. A alergia ao látex é a 2ª causa causa de anafilaxia peri-operatória, surgindo os sintomas 15-60 minutos após o início da cirurgia (ao contrário das reações atribuídas a agentes anestésicos que se iniciam nos minutos seguintes à indução anestésica). Produtos como luvas, catéteres, chupetas, tetinas, preservativos e balões, são os que mais frequentemente causam anafilaxia, particularmente em grupos de risco.
  • Síndrome látex-frutos. Quadro clínico com associação entre alergia ao látex e alergia alimentar a frutos/vegetais por reatividade cruzada, sendo os alimentos mais envolvidos o abacate, a castanha, a banana, kiwi, pêssego, abacate, figo, pimento, tomate e batata. As manifestações clínicas podem variar desde o síndrome de alergia oral até reações graves como anafilaxia.

Exame objectivo

No exame físico podem ser detetadas as seguintes alterações:

  • Exantema: eritema, edema, pápulas, vesiculas na área de contacto, pele fina, e com alterações da pigmentação após exposição crónica (hipersensibilidade tardia) ou urticária (hipersensibilidade imediata);
  • alterações: angioedema, conjuntivite, rinite, estridor, sibilância, hipotensão e choque.

Diagnóstico Diferencial

Os sinais e sintomas de alergia ao látex podem ser semelhantes aos quadros alérgicos causados por outro alergénios, nomeadamente alimentos, medicamentos, picadas de inseto, entre outros. A história clínica completa com evolução temporal dos sintomas é fundamental para determinar os elementos causadores da reação alérgica.

Exames Complementares

O indicador mais fiável de alergia ao látex é a história clínica sugestiva, que associe a exposição aos sintomas. Os estudos alergológicos devem ser ajustados à situação clínica e meios disponíveis.

  • Testes cutâneos: Os testes “prick” são um método simples para confirmação da existência de sensibilização, podendo ser feitos com extratos comerciais do látex (sensibilidade de 65-96% e especificidade de 88-94%) ou, na eventualidade destes serem negativos, testes “prick-to-prick” através de lavados de luvas ou por meio de picada direta trans-fragmentar (menos aconselhados). Os testes epicutâneos (“patch” testes) são relevantes no diagnóstico de reações de hipersensibilidade tardia ao látex ou aditivos usados no seu processamento.
  • Doseamento de IgE específica para o látex: Permite confirmação diagnóstica, monitorização e avaliação do prognóstico, sendo uma alternativa válida aos testes cutâneos, sem risco para o doente mas mais dispendiosa e com menor sensibilidade diagnóstica.
  • Estudo molecular: Em situações mais específicas (ex. iniciar imunoterapia) pode-se determinar IgE específicas para alergénios recombinantes do látex. A deteção múltipla de IgE específicas (ex. ImmunoCAP- ISAC®) permite identificar os componentes alergénicos e eventuais reatividades cruzadas (ver Tabela 1).
  • Prova de provocação. Realiza-se na existência de discrepância entre a clínica e os testes cutâneos ou laboratoriais. Podem ser feitas provas como o teste de uso com luva de látex; teste de fricção; testes de provocação inalatória, nasal e ocular. A prova de provocação deve ser realizada em meio hospitalar e com acompanhamento de profissionais de saúde experientes na atuação em caso de reação alérgica.

Tratamento

Prevenção

O tratamento da alergia ao látex engloba a evicção da exposição aos alergénios, quer como prevenção primária (medidas de evicção de sensibilização nos indivíduos de risco) e a prevenção secundária (em doentes sensibilizados assintomáticos ou com doença alérgica ao látex).

A evicção é o método mais eficaz e menos dispendioso. As medidas gerais passam pelo uso de luvas sem látex (por exemplo, de nitrilo) ou com baixo teor alergénico (

Nos doentes sensibilizados/ com alergia ao látex, deverá ser usada uma sinalização da alergia, como a pulseira identificativa. Estes doentes, nomeadamente aqueles com risco de reação grave, devem ainda transportar consigo a caneta auto-injetável de adrenalina.

O tratamento dos sintomas alérgicos agudos e crónicos com farmacoterapia é possível, no entanto é preferível que as reações sejam prevenidas e a terapêutica preventiva raramente é eficaz.

Imunoterapia específica

O uso da imunoterapia (IT) específica deve ser ponderada nos casos em que exista alergia respiratória e/ou anafilaxia em contato com látex, ou nos doentes com síndrome látex-frutos.

Os estudos sugerem que o perfil de segurança com a imunoterapia sublingual (ITSL) seja superior comparativamente com a IT subcutânea. A IT específica permite uma dessensibilização a longo prazo, com redução dos sintomas na exposição ao alergénio e modificação na história natural da doença. A ITSL tem-se revelado promissora, com reacções adversas mínimas e autolimitadas no entanto, por existir risco de reação sistémica no período de indução, esta deve ser sempre efetuada em meio hospitalar.

O único extrato disponível comercialmente é maioritariamente composto por Hev b 6, contendo baixa quantidade, mas detetável, de Hev b 5 e vestígios de Hev b 2. A fase de indução deve ser realizada em meio hospitalar sob supervisão de um especialista, durante 4 dias, e a fase de manutenção preconiza a administração da IT três vezes por semana ou diariamente.

Os profissionais de saúde, por apresentarem maior sensibilização a Hev b 6 e Hev b 5, são os principais candidatos a ITSL com este extrato, enquanto que nos sensibilizados submetidos a múltiplas cirurgias, a ITSL deve ser consideradas apenas nos casos de comprovada sensibilização ao Hev b 6.

Evolução

As diferentes vias de exposição ao látex, seja por cirurgias repetidas ou precoces ou exposição ocupacional em profissionais de saúde, determinam o perfil de sensibilização alergénica e a idade de surgimento. A possibilidade de reatividade cruzada com frutos e outros alimentos de origem vegetal também altera a gravidade da alergia e as implicações clínicas e terapêuticas.

Não existem dados sobre a resolução espontânea da alergia ao látex, mas a imunoterapia específica com extracto de látex por via sublingual tem demonstrado eficácia clínica comprovada a longo prazo nos casos de doença alérgica ao látex, apesar de poucos estudos serem realizados em idade pediátrica.

Recomendações

A prevenção primária tem-se mostrado muito eficaz na redução da sensibilização ao látex, pelo que é fundamental instituir medidas preventivas de exposição, especialmente em indivíduos de risco (priveligiar o uso de luvas com baixo teor proteico, sem pó lubrificante e/ou a utilização de luvas sintéticas; desde o nascimento realizar intervenções cirúrgicas em ambiente isento de látex e realizá-las como primeira cirurgia do dia).

Todos os doentes alérgicos ao látex devem ser portadores de uma pulseira e/ou cartão identificador e de informação escrita sobre a sua alergia. Nos casos de antecedentes de reações graves, os doentes devem transportar consigo um dispositivo auto-injector de adrenalina para situações de exposição acidental, quer seja ao látex e/ou a alimentos com reactividade cruzada.

Tabela 1. Caraterização dos alergénios moleculares do látex (EB – espinha bífida; PS – profissionais de saúde; ND – não determinado)
Nomenclatura Nome Significado Reatividade
cruzada
Hev b 1 REF (fator de alongamento da borracha) alergénio major (EB) Papaia
(papaína), figo
Hev b 2 β-1,3-glucanase

alergénio major (PS)

-
Hev b 3 REF-like
(proteína das pequenas
partículas de borracha)
alergénio major (EB)  
Hev b 4 Componente da micro-
hélice
alergénio minor  
Hev b 5 Proteína ácida do látex

alergénio major (PS)

Kiwi
Hev b 6 Proheveína (Hev b 6.01)
Heveína (Hev b 6.02)
alergénio major (PS)
(Hev b 6.01 e Hev b 6.02)
Abacate,
banana,
castanha
Hev b 7 Patatina-like alergénio minor Batata (patatina)
Hev b 8 Profilina do látex alergénio minor Pólenes, aipo
Hev b 9 Enolase do látex alergénio minor Fungos
Hev b 10 Superóxido dismutase alergénio minor Fungos
Hev b 11 Quitinase da classe I alergénio minor Banana,
abacate
Hev b 12 LTP (proteína de
transferência de lípidos
não específica) do látex
alergénio minor Pêssego e outras frutas de caroço
Hev b 13 Esterase do látex alergénio major (PS)  
Hev b 14 Hevamina ND  
Hev b 15

Inibidor de serina protease do látex

ND Trigo

Saber Mais

Alergia ao látex, Alergia alimentar, Alergia cutânea, Anafilaxia, Choque, Dermatite, Eczema, Enjoos e nauseas, Falta de ar (Dispneia), Imunoterapia, Manchas (Eritema, Exantema), Urticária, Vómitos

Bibliografia

1. Mazón Ramos A, Fernández Cortés S. Alergia a látex y Anisakis. Protoc diagn ter pediatr. 2019;2:381-96. Disponível em: https://www.aeped.es/sites/default/files/documentos/26_alergia_latex_anisakis.pdf

2. Nguyen K, Kohli A. Latex Allergy. [Updated 2020 Nov 21]. In: StatPearls [Internet]. Treasure Island (FL): StatPearls Publishing; 2020 Jan-. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK545164/

3. Benito-Garcia F, Gaspar A, Mota I, Morais-Almeida M. Imunoterapia sublingual ao látex e estudo de perfil alergénico – 3 casos. Rev Port Imunoalergologia 2019; 27 (2): 157-164.

4. Miaozong Wu, James McIntosh, Jian Liu. Current prevalence rate of latex allergy: Why it remains a problem? J Occup Health. 2016 Mar 20; 58(2): 138–144.

5. Smith DM, Freeman TM. Sublingual Immunotherapy for Other Indications: Venom Large Local, Latex, Atopic Dermatitis, and Food. Immunol Allergy Clin North Am. 2020 Feb;40(1):41-57.

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