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Introdução

A torção testicular (TT) é uma emergência cirúrgica caracterizada por dor testicular de início agudo acompanhado de edema e/ou aumento da sensibilidade escrotal. A TT geralmente ocorre espontaneamente e é causada pela torção do cordão espermático resultando no comprometimento do fluxo sanguíneo testicular.

Epidemiologia

A TT é responsável por 7 a 30% de todos os casos de escroto agudo em crianças, com incidência anual de 3.8:100000 crianças/adolescentes. A TT pode ocorrer em qualquer idade mas tem uma distribuição etária bimodal: pico de incidência no período neonatal e na puberdade.

História Clínica

Anamnese

Na anamnese é fundamental ter atenção aos seguintes aspectos:

Idade: pico de incidência bimodal (período neonatal e adolescência);

- Dor: tipicamente dor testicular ou escrotal unilateral intensa, constante, que acorda o doente durante a noite/madrugada. Pode ser localizada ao escroto ou irradiar para os quadrantes inferiores do abdómen. Associa-se frequentemente a náuseas e vómitos;

- Sintomas urinários e febre: permitem excluir outras causas de dor testicular, nomeadamente a orquiepididimite;

- História sexual: abordar este assunto em adolescentes sexualmente ativos com o intuito de excluir infecções sexualmente transmissíveis (IST´s);

- História médica: anomalias estruturais do tracto urinário favorecem o desenvolvimento de ITU´s e orquiepididimite.

- Trauma: a TT também deve ser considerada na presença de um trauma minor, sobretudo quando a gravidade dos sintomas é desproporcional à natureza do trauma.

Exame objectivo

O exame físico deve incluir investigação completa do abdómen, região inguinal, pénis e escroto. Na TT verifica-se edema, eritema e endurecimento testicular, tipicamente unilateral. O testículo tende a estar em posição alta, com uma orientação testicular anormal (horizontal/transversal). O reflexo cremastérico está tipicamente ausente e o sinal de Prehn (agravamento / ausência de melhoria da dor com a elevação do testículo afectado) é positivo.

O risco de TT pode ser avaliado com o TWIST (Testicular Workup for Ischemia and Suspected Torsion) Score, escala já validada (ver esquema abaixo):

  • Edema Testicular: 2 pontos;
  • Testículo duro à palpação: 2 pontos;
  • Reflexo Cremastérico ausente: 1 ponto;
  • Náuseas ou vómitos: 1 ponto;
  • Testículo elevado: 1 ponto.

Um Score ≥5 pontos apresenta uma sensibilidade e especificidade de 76 e 100%, e valor preditivo positivo de 100% (prevalência de 15%) no diagnóstico de TT. Por sua vez, um Score ≤2 pontos excluiu a torção testicular com sensibilidade de 100%, especificidade de 82% e valor preditivo negativo de 100%. Um Score entre 3-4 pontos apresenta um risco intermédio de TT, sendo aconselhável a realização de ecografia com Doppler.

 

TWIST SCORE
 Pontuação
Edema testicular 2 pontos
Testículo endurecido 2 pontos 
Ausência de reflexo cremastérico 1 ponto 
Náuseas ou vómitos 1 ponto 
Testículo elevado 1 ponto 

 

Risco de Torção Testicular
 Pontuação 
Baixo  ≤2 pontos
Intermédio 3 - 4 pontos 
Elevado≥5 pontos

Resumindo, a apresentação clássica de TT aguda inclui:

  1. Início súbito de dor testicular intensa associada a náuseas / vómitos
  2. Edema e endurecimento testicular unilateral
  3. Testículo em posição alta
  4. Orientação testicular anormal (horizontal/transversal)
  5. Palpação do epidídimo anteriormente
  6. Reflexo cremastérico ausente
  7. Sinal de Prehn positivo

Diagnóstico Diferencial

O diagnóstico diferencial da TT deve incluir outras patologias causadoras de escroto agudo, que podem ser de natureza isquémica ou traumática (torção do apêndice testicular, hematoma testicular, varicocelo trombosado, hérnia inguino-escrotal), infecciosa ou inflamatória (epididimite, orquiepididimite), neuropática ou referida (cálculo renal, hérnias inguinais (obstruídas / estranguladas), aneurisma da aorta / artéria ilíaca comum, compressão nervosa, abuso sexual) ou idiopática.

De realçar que as causas mais comuns de dor escrotal aguda em crianças e adolescentes incluem, por ordem decrescente de incidência, a orqui-epididimite, a torção do apêndice testicular e a TT.

Exames Complementares

Em doentes com anamnese e EO sugestivas de TT, não devem ser realizados exames imagiológicos que possam atrasar a exploração cirúrgica imediata, visto que prolongam o tempo de isquemia testicular e consequentemente diminuem as taxas de recuperação testicular.

Quando se verificam dúvidas diagnósticas, a ecografia com Doppler é a modalidade de imagem mais adequada para auxiliar no diagnóstico. Os sinais característicos são a ausência de fluxo sanguíneo testicular ou torção do cordão espermático.

A investigação laboratorial raramente é necessária, podendo ser realizada para fazer diagnóstico diferencial com outras patologias (tira teste urinária, sedimento urinário, urocultura, pesquisa de N. gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis por PCR em amostra de urina). 

Tratamento

Com a suspeita clínica de TT, o doente deve ser imediatamente referenciado  à Cirurgia Pediátrica para exploração cirúrgica imediata. É importante, à data de referenciação, a pausa alimentar e a analgesia (paracetamol, cetorolac).

O tratamento disponível varia dependendo da viabilidade do testículo. Se testículo viável procede-se à destorção cirúrgica e orquidopexia bilateral; por sua vez, se testículo inviável (necrótico) recorre-se à orquidectomia do testículo não viável e orquidopexia do testículo contralateral. A orquidopexia contralateral deve ser sempre realizada independentemente da viabilidade do testículo afectado devido ao risco de torção contralateral futura.

A destorção manual, embora não substitua a correcção cirúrgica, pode restaurar o fluxo sanguíneo enquanto o doente aguarda a correcção cirúrgica e aumenta igualmente a probabilidade de recuperação testicular. A destorção manual deve ser efectuada após a administração de sedação e analgesia:

- Segurar no testículo e rodá-lo de medial para lateral (em direcção à coxa), uma ou duas rotações de 360º, como se estivesse a “abrir um livro”;

- O alívio imediato da dor e o retorno do fluxo arterial na ecografia com Doppler sugerem destorção bem-sucedida;

- Na ausência de melhoria da dor, deve-se rodar o testículo na direcção oposta (lateral para medial), uma vez que em 30% dos casos, a torção ocorre em sentido oposto.

Evolução

Se a correcção cirúrgica é efectuada 4-6 horas após o início da torção, a viabilidade do testículo é de 90-100%; se a correcção cirúrgica é efectuada mais de 12 horas após a torção, a viabilidade testicular ronda os 20%; por último, se a duração da torção for superior a 24 horas a viabilidade é de 0%, sendo que estas percentagens variam de acordo com o grau da torção.

O atraso no diagnóstico e tratamento imediato da TT pode resultar em várias complicações:

  • No caso do testículo torcido não ser removido, pode ocorrer gangrena, infecção e consequentemente resultar em septicemia.
  • Lesões nos dois testículos podem resultar em infertilidade.

Após a orquiectomia, recorre-se ao uso de próteses testiculares para compensar o efeito inestético da ausência do testículo.

Recomendações

A TT é uma patologia imprevisível que ocorre espontaneamente, não podendo ser prevenida. Contudo, traumas na região genital devem ser evitados.

É fundamental o pediatra estar familiarizado com esta entidade rara, devendo conhecer os sinais e sintomas que necessitam de encaminhamento urgente para a especialidade de Cirurgia Pediátrica

Saber Mais

Emergência; Testículo; Torção testicular

Bibliografia

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