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Introdução

A Síndrome de Williams (SW), também conhecida como Síndrome de Williams-Beuren, é uma patologia multissistémica causada por uma microdeleção do cromossoma 7 na região 7q11.23. Nesta localização encontra-se o gene ELN, responsável pela codificação da proteína estrutural elastina, importante componente das fibras elásticas do tecido conjuntivo de múltiplos órgãos. Assim, a deleção do gene ELN é responsável por muitas das manifestações clínicas verificadas na SW, nomeadamente as complicações cardiovasculares e as dismorfias faciais.

Por outro lado, o fenótipo cognitivo e comportamental da SW parece estar relacionado com polimorfismos no GTF2I (fator de transcrição) dado que conferem aumento das interações sociais, ansiedade social reduzida e altos níveis de ocitocina.

A maioria das deleções na região da SW são mutações de novo (esporádicas), mas existem alguns casos de transmissão vertical (autossómica dominante). Os indivíduos com SW têm 50% de probabilidade de transmitirem a deleção aos descendentes.

Epidemiologia

A SW é uma doença genética relativamente rara que apresenta uma incidência ao nascimento de 1:7500 a 1:20000, com igual frequência em ambos os sexos.

História Clínica

As características dismórficas clássicas na SW são predominantemente a nível facial, o hipertelorismo, padrão estrelado da íris, proeminência periorbitária, nariz curto com ponta nasal bulbosa, boca larga, lábios carnudos, micrognatia, por vezes denominada “face de duende ou fadinha”.

A microcefalia ocorre em cerca de um terço dos casos. Em idades mais precoces apresentam dentes pequenos e espaçados; a má oclusão dentária é comum em todas as idades (85%).

A maioria das crianças com SW (80%) apresenta anomalias cardiovasculares secundárias à arteriopatia da elastina, destacando-se a estenose supravalvular aórtica. Outras alterações incluem estenose pulmonar periférica, prolapso da válvula mitral, insuficiência aórtica, estenose da artéria renal e hipertensão.

Na SW verifica-se um perfil cognitivo e comportamental distinto caraterizado por atraso cognitivo, motor e linguístico. A maioria tem uma perturbação do desenvolvimento intelectual ligeira a moderada (QI médio 60), sendo o QI verbal geralmente superior ao não verbal. Assim, manifestam dificuldades nas competências visuo-espaciais (capacidade de aprendizagem e construção, memória visuo-espacial e discriminação visual), processamento motor sensorial e funções executivas (inibição comportamental e capacidade de planeamento). Destaca-se a sua elevada facilidade de disfrutar e interpretar música.

Relativamente à linguagem, verifica-se um atraso da linguagem recetiva relativamente à expressiva ou escrita e o uso social-pragmático da linguagem está prejudicado comparativamente às competências lexicais, fonológicas, sintácticas e morfológicas.

Em idades precoces tendem a ser muito sociáveis, extrovertidos, verborreicos, empáticos e, muitas vezes, confiam excessivamente em estranhos pois têm dificuldade em entender as “regras” das relações sociais.

Na adolescência e idade adulta, os défices na cognição social tendem a aumentar, condicionando dificuldades em fazer e manter amizades e ocorrendo frequentemente rejeição pelos pares, vitimização social, bullying e abuso, sendo a sua função adaptativa inferior comparativamente à dos seus pares.

Assim, os pacientes com SW são descritos como tendo um perfil social de “picos e vales”, demonstrando forte motivação social combinada com baixa consciência e cognição social, o que predispõe a comportamentos repetitivos e restritos.

As alterações comportamentais podem incluir perturbação de hiperatividade - défice de atenção, ansiedade e hipersensibilidade a sons, demonstrando medo ou ansiedade quando ouvem ou antecipam esses sons. Os distúrbios do sono são comuns (50 a 65% dos casos).

As alterações neurológicas incluem hipotonia axial e hipertonia periférica com aumento dos reflexos nas extremidades inferiores. Sinais de disfunção cerebelar, como ataxia e tremor, aumentam com a idade.

A hipercalcemia idiopática é comum (15-45%) podendo manifestar-se por irritabilidade, vómitos, obstipação e caimbras musculares nos primeiros dois anos de vida. Posteriormente tende a ser assintomática, mas pode associar-se a desidratação, hipercalciúria e nefrocalcinose. Aproximadamente 50% dos casos apresentam osteopenia ou osteoporose.

A nível gastrointestinal tendem a ocorrer dificuldades na alimentação, refluxo gastroesofágico, cólicas, obstipação e má progressão ponderal nos primeiros anos de vida. Na adolescência e idade adulta pode ocorrer obesidade.

Malformações genitourinárias ocorrem em 10% e infeções urinárias de repetição em 25% dos casos.

Hipermetropia, obstrução do ducto nasolacrimal e estrabismo são comuns. A perda auditiva neurossensorial leve a moderada ocorre em 60% das crianças e 90% dos adultos. A otite média recorrente é comum.

A nível endócrino ocorre hipotiroidismo em cerca de 5 a 10% das crianças e verifica-se um risco aumentado de puberdade precoce, baixa estatura e diabetes mellitus tipo 2.

Diagnóstico Diferencial

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial da SW inclui outras causas de dismorfias faciais, nomeadamente a Síndrome de Noonan e a Síndrome de Beckwith-Wiedemann.

Perturbação do Espetro do Autismo (PEA) – em idades precoces pode ocorrer uma sobreposição de sintomas entre a SW e a PEA nomeadamente linguagem limitada, interesses restritos e comportamentos repetitivos.

Perturbação de Hiperatividade – Défice de Atenção (PHDA) – existe uma associação conhecida entre SW e PHDA, sendo que a presença de PHDA condiciona maior dificuldade na aquisição de aprendizagens pelas crianças com SW.

Diagnóstico

O diagnóstico da SW é baseado no perfil clínico do doente e na confirmação através de um estudo genético.

A observação clínica, deve incidir sobre eventuais anomalias major ou minor (dismorfologia) e sinais neurológicos e ou comportamentais que possam sugerir o diagnóstico.

É fundamental uma avaliação formal do perfil cognitivo e comportamental baseada em testes ou checklists, efetuada por profissional experiente. O instrumento ideal será um adaptado e validado para cada idade, com propriedades psicométricas, com adequada sensibilidade e especificidade.

Na RMN cerebral verifica-se redução do volume cerebral, principalmente devido à diminuição da substância branca e configuração anormal dos giros. O atingimento cerebral não é uniforme, ocorrendo preservação das áreas pré-frontal e orbitofrontal, do giro temporal superior e do cerebelo e diminuição dos gânglios da base, tronco cerebral e corpo caloso. Devido à diminuição do tamanho da fossa posterior com preservação do volume cerebelar pode observar-se malformação de Chiari I.

A deteção da deleção 7q11.23 pode ser realizada por técnicas de citogenética molecular, nomeadamente a hibridização in situ fluorescente (FISH) ou por uma análise de microarray. Dado que na maioria dos casos a SW ocorre espontaneamente, o risco de recorrência em gerações futuras é sobreponível ao da população geral.

Tratamento

A SW é uma perturbação multissistémica pelo que é necessário uma avaliação e seguimento multidisciplinar individualizado, para otimização terapêutica e prevenção de complicações.

Do ponto de vista do neurodesenvolvimento, o tratamento é predominantemente de suporte e tem como objetivo a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos afetados e a otimização das suas competências cognitivas e sociais.

É fundamental que as crianças sejam encaminhadas para um programa de intervenção precoce (Sistema Nacional de Intervenção precoce – SNIPI) que pode incluir terapia da fala, terapia ocupacional e terapia cognitivo-comportamental, de acordo com as necessidades da criança. As crianças em idade escolar devem beneficiar de um plano pedagógico apropriado e individualizado.

As intervenções baseadas na análise do comportamento podem ser úteis principalmente em crianças mais velhas onde o treino das habilidades sociais lhes permitem um maior domínio nas tarefas do dia a dia. Assim, pretende-se melhorar as habilidades de conversação (distância física apropriada, como e quando interromper), as habilidades de brincar (interagir com os outros, compartilhar, gerir amizades) e as habilidades de gestão de emoções (reconhecer sentimentos, resolver problemas).

Adicionalmente, devem ser dadas ferramentas educativas que reduzam a vulnerabilidade social nomeadamente através da consciencialização do “perigo dos estranhos” e das medidas de segurança na internet.

A hipoterapia deve ser equacionada individualmente. A musicoterapia ajuda a estimular as competências cognitivas. Quando necessário deve recorrer-se a farmacoterapia para o tratamento da PHDA e da perturbação de ansiedade, que frequentemente surgem na SW e dificultam a aprendizagem e o comportamento adaptativo.

Evolução

A esperança média de vida dos indivíduos com SW tende a ser igual à da população em geral. A qualidade de vida destes indivíduos está diretamente relacionada com as complicações multiorgânicas e com o grau de severidade do atraso cognitivo, motor e linguístico.

No sentido de estabelecer um diagnostico precoce e melhorar os cuidados de saúde a estas crianças, como noutros casos de doenças raras, é fundamental a existência de colaboração internacional entre grupos de investigadores, clínicos e cuidadores.

Bibliografia

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