Recém-nascido com suspeita de doença hereditária do metabolismo
- Surdez/ Perda de audição
- Alterações de comportamento alimentar
- Atraso de desenvolvimento
- Convulsões
- Desidratação
- Hemorragia
- Icterícia
- Alteração do ritmo cardíaco (disritmia)
- Tensão arterial alta (Hipertensão)
- Vómitos
- Alteração da cor da urina
- Bolsar
- Cabeça grande (macrocefalia)
- Cabeça pequena (microcefalia)
- Enjôos e náuseas
- Fontanelas deprimidas/ afundadas
- Fontanelas tensas
- Icterícia
- Irritabilidade
- Malformação congénita
- Vómitos
Introdução
Definição
As doenças hereditárias do metabolismo (DHM) correspondem a um grupo heterogéneo de doenças causadas por um defeito nos processos bioquímicos celulares.
São classificadas em três grupos fisiopatológicos: grupo 1 – doenças do tipo intoxicação, grupo 2 – doenças que envolvem o metabolismo energético e grupo 3 – doenças que envolvem defeitos na síntese/catabolismo de moléculas complexas.
Epidemiologia
Estão identificados mais de 1000 DHM diferentes. Individualmente são raras mas coletivamente têm uma incidência cumulativa de 1:800 a 1:2500 indivíduos. Podem apresentar-se em ambos os sexos e em qualquer idade.
História Clínica
Anamnese
A suspeita diagnóstica de DHM deve ser colocada em todo o recém-nascido (RN) doente, particularmente se:
- Existiu um período inicial livre de sintomas,
- Ocorreu uma deterioração lenta para coma sem causa aparente,
- A investigação foi inconclusiva, ou
- Não existiu uma resposta à terapêutica instituída.
Pontos importantes a abordar na história clínica de um RN com suspeita de DHM incluem:
1) Antecedentes familiares:
- Consanguinidade – a maioria das DHM são autossómicas recessivas;
- Irmão com sintomatologia semelhante ou doença metabólica conhecida;
- Mortes inexplicadas na família, sobretudo mortes neonatais inexplicadas ou morte súbita do lactente;
2) Antecedentes pessoais:
- Mãe com esteatose hepática, pré-eclâmpsia ou síndroma HELLP (Hemolysis, Elevated Liver enzymes and Low Platelets) durante gestação – pode estar associado a defeitos da β-oxidação dos ácidos gordos (OAG);
- Hidropsia fetal não imune recorrente em gestações anteriores – sugestivo de doenças lisossomais (DL);
3) História atual:
- Idade de apresentação – o intervalo entre nascimento e início dos sintomas é relevante (primeiros dias ou semanas nas Doenças do Ciclo da Ureia (DCU), Acidurias orgânicas (AO), Aminoacidopatias (AA);
- Fatores precipitantes – estados catabólicos (infeções, vacinação, corticoterapia, cirurgia, acidentes, jejum prolongado), alimentação (leite);
- Sintomas na apresentação inicial – a maioria são inespecíficos (dificuldades alimentares, vómitos e letargia);
- Progressão dos sintomas – em doenças do tipo intoxicação verifica-se período livre de sintomas, seguido de quadro clínico com progressão para encefalopatia (letargia, hipotonia, convulsões e coma);
- Presença de sintomas sistémicos (dificuldade respiratória, icterícia prolongada, diátese hemorrágica, dismorfismos, organomegalias);
- Existem fundamentalmente 5 apresentações clinicas principais:
- deterioração neurológica tipo “intoxicação” – leucinose, acidúria metilmalónica, isovalérica e DCU
- convulsões isoladas – convulsões respondedoras à piridoxina e ao ácido folínico
- icterícia ou insuficiência hepática – galactosemia, intolerância hereditária à frutose (raro no RN), tirosinémia (após 3 semanas) ou defeitos da síntese dos ácidos biliares
- Insuficiência cardíaca ou alterações da condução – defeitos OAG
- Hipoglicémia persistente – defeitos da glucogénese e neoglucogénese, hiperinsulinismo ou defeitos OAG
Exame objetivo
Geralmente inespecífico mas podem ser encontrados aspetos característicos que podem sugerir alguns grupos diagnósticos:
- Aspeto geral – RN com ar doente pode sugerir doença tipo intoxicação, sobretudo se com sinais de encefalopatia;
- Envolvimento de múltiplos órgãos – nas doenças mitocondriais (DM), doenças dos peroxissomas (DP) e defeitos de glicosilação das proteínas (CDG);
- Dismorfias/malformações – nas DP, DM, DL, CDG;
- Odor corporal – são característicos os seguintes:
- Acetona nas AO;
- Xarope de ácer na leucinose;
- Repolho na tirosinémia;
- Pés suados na acidémica isovalérica e acidúria glutárica tipo 2;
- Mofo na fenilcetonúria e DCU;
- Exame oftalmológico – as cataratas bilaterais podem ocorrer na galactosemia e outros achados nas DL, DP, DM e CDG;
- Taquipneia com alcalose respiratória num RN doente pode ser sugestivo de DCU (a hiperamoniémia é um estimulador do centro respiratório);
- Cardiomiopatia deve levantar suspeita de defeito da OAG, doença de Pompe, DM e deficiência de carnitina. Arritmias podem ocorrer nas doenças da OAG e nalgumas AO. Insuficiência cardíaca com derrame pericárdico nas CDG;
- Organomegalias – sugestivas de DL, DM e DP;
- Icterícia, diátese hemorragia e hepatomegalia sugerem DHM com acometimento hepático como galactosemia, tirosinémia e DM;
- Musculoesquelético: fraqueza muscular e hipotonia podem estar presentes nos defeitos OAG, AO, DCO, DP e DM;
- Neurológico: convulsões no período neonatal precoce refratárias ao tratamento com múltiplos fármacos são características das doenças dos neurotransmissores.
Diagnóstico Diferencial
Perante um RN gravemente doente importa excluir outros diagnósticos, nomeadamente:
- Sépsis;
- Desequilíbrios eletrolíticos;
- Encefalopatia hipoxico-isquémica;
- Síndromes polimalformativos.
Exames Complementares
Quando surge uma suspeita de DHM, a investigação deverá ser feita simultaneamente com as medidas terapêuticas de suporte. O armazenamento em fase aguda de plasma, urina, e sangue em papel de filtro é muito importante, devendo a sua utilização ser cuidadosamente planeada após discussão com especialista.
Patologia Clínica
1) Exames de 1ª linha:
- Sangue:
- Glicose;
- Gasimetria;
- Ionograma (hiato aniónico);
- Cálcio;
- Hemograma com plaquetas;
- Coagulação;
- Ácido úrico;
- Função hepática;
- Creatina-quinase;
- Amónia – DCU, AO, OAG;
- Lactato e piruvato – defeitos da gliconeogénese, metabolismo do piruvato e DM;
- Corpos cetónicos – leucinose, AO, tirosinémia.
- Urina:
- Corpos cetónicos;
- Sulfitos (Sulfiteste);
- Substâncias redutoras.
2) Exames de 2ª linha (a pedir apenas para suspeitas diagnósticas específicas):
- Sangue
- Cromatografia de aminoácidos – AA, AO, DCU;
- Perfil de acilcarnitinas – AO, OAG;
- Ácidos gordos de cadeia muito longa (AGCML), ácido fitânico e pristânico, plasmalogeneos – doenças dos peroxissomas;
- Quantificação da transferrina deficiente em carboidratos (CDT) e focagem isoeléctrica da transferrina – CDG;
- Estudos enzimáticos (sangue, fibroblastos da pele);
- Estudos genéticos.
- Urina
- Cromatografia de aminoácidos – AA, DCU;
- Cromatografia de ácidos orgânicos – AO, DM, OAG;
- Cromatografia de açúcares – galactosemia, doenças do metabolismo da frutose (raro no RN);
- Cromatografia de oligossacáridos e glicosaminoglicanos – doenças lisossomais;
- Pterinas – doenças dos neurotransmissores.
- Liquor
- Glicorráquia;
- Cromatografia de aminoácidos (glicina);
- Lactato e piruvato;
- Neurotransmissores.
Outros Exames Complementares de Diagnóstico
Ecocardiograma e eletrocardiograma se suspeita de doença metabólica com acometimento cardíaco.
Ecografia transfontanelar, ressonância magnética nuclear e eletroencefalograma se doença metabólica associada a convulsões ou encefalopatia.
Tratamento
Existem várias opções terapêuticas disponíveis cujo objetivo é ultrapassar o defeito bioquímico causado pelo bloqueio metabólico primário.
Nas doenças do tipo intoxicação o tratamento visa:
- Redução da acumulação dos metabolitos tóxicos através da modulação dietética dos percursores enzimáticos – restrições dietéticas específicas, como a restrição de proteínas da dieta nas AA, AO e DCU, ou a restrição de galactose na galactosemia.
- Promoção do estado anabólico com reversão simultânea do estado catabólico através da administração de um aporte calórico cerca de 120% acima das necessidades básicas tendo em conta a idade e o peso da criança.
- Aumento da excreção de metabolitos tóxicos acumulados. Vários fármacos são utilizados como destoxificadores endógenos como o N-carbamilglutamato, o benzoato e o fenilbutirato de sódio na hiperamoniémia; nitisinona (NTBC) na tirosinémia tipo I. Em algumas situações de hiperamoniémia grave ou descompensação grave de leucinose pode ser necessário recorrer a técnicas de destoxificação extracorpórea por hemodiálise ou hemodiaflitração.
Cofatores enzimáticos são usados como potenciadores da atividade enzimática deficitária nas DHM como:
- Vitamina B12 na acidúria metilmalónica e nos défices de cobalamina;
- Tiamina na leucinose
- Biotina na acidúria propiónica
- Riboflavina nas acidúrias glutáricas tipo I e II
- Ácido folínico nas convulsões folínico-dependentes
- Piridoxina nas convulsões piridoxina-dependentes.
Em situações de hipoglicemia deve ser fornecido um aporte suplementar de glicose e evitar o jejum.
Em algumas doenças por défice energético como é o caso das DM, a hiperlactacidemia pode ser agravada pela administração de glicose ou hidratos de carbono em excesso, pelo que estes devem ser limitados e pode ser necessário administrar bicarbonato.
Terapêuticas mais recentes que incluem terapêutica de substituição enzimática, terapêutica de inibição dos substratos, transplante de medula óssea e terapêutica génica estão a transformar as doenças lisossomais em condições tratáveis.
Evolução
O prognóstico depende da DHM em questão. Um elevado índice de suspeição é fundamental para o diagnóstico precoce e tratamento atempado da DHM.
O seu diagnóstico e tratamento precoces podem, em muitos casos, evitar sequelas graves e permanentes (p. ex., do SNC) ou a morte.
O rastreio neonatal precoce de muitas destas doenças veio permitir antecipar o tratamento e melhorar muito a qualidade de vida dos doentes. Nos casos não passíveis de tratamento médico eficaz, o diagnóstico molecular permite oferecer o aconselhamento genético à família e o diagnóstico pré-natal ou até mesmo pré-implantatório em gestações futuras.
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