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Introdução

Definição

A pediculose é uma infestação que afecta o ser humano sendo causada por um ectoparasita obrigatório, o piolho da cabeça (Pediculus humanus capitis), no caso da pediculose capitis, pelo piolho do corpo (Pediculus humanus humanus), no caso da pediculose corporis e pelo piolho púbico (Phthirus pubis), no caso da pediculose pubiana. Na criança são frequentes a pediculose capitis e, em alguns casos, a pediculose das pestanas causada pelo Phthirus pubis. A transmissão ocorre por contacto directo, sendo o papel dos fómites na transmissão menos importante.

Epidemiologia

Existem poucos dados sobre a prevalência da pediculose capitis nos países desenvolvidos, sendo muito variável. Afecta todos os grupos socioeconómicos, tipicamente as crianças em idade pré-escolar e escolar (3-12 anos), sendo mais frequente na raça branca e no género feminino. A pediculose pubiana, tal como a pediculose corporis, são raras em idade pediátrica, no entanto, algumas crianças podem desenvolver pediculose das pestanas após transmissão ocasional por um adulto infestado pelo Phthirus pubis.

História Clínica

Anamnese 

Na pediculose capitis o prurido é o sintoma principal surgindo geralmente 4 a 6 semanas após a primeira exposição. Trata-se de uma reacção de hipersensibilidade à saliva do piolho. Nas reinfestações o prurido surge mais precocemente. Em crianças, na ausência de pelos púbicos ou corporais, o Phthirus pubis tem predilecção pelas pestanas e pelos cabelos curtos na periferia do couro cabeludo. A pediculose das pestanas pode manifestar-se como uma blefaroconjuntivite com queixas de prurido ocular, epífora e olho vermelho.  

Exame objectivo 

Na pediculose capitis, na maior parte dos casos, existem menos de 10 piolhos adultos, sendo difícil observá-los uma vez que são translúcidos e se movimentam rapidamente. A observação com o cabelo húmido, após a utilização de um condicionador, que dificulta o movimento do piolho, com um pente de dentes finos para separar as madeixas, pode facilitar a sua observação. É a favor de infestação activa, além da observação do piolho vivo, a existência de ovos na haste capilar (lêndeas) até 1cm do couro cabeludo, mais frequentemente observados nas áreas occipital e retroauriculares. Estes ovos com embrião têm uma cor acinzentada e são mais difíceis de observar. Ovos vazios, geralmente com uma cor branca, a mais de 1cm do couro cabeludo não são diagnóstico de infestação ativa. Podem observar-se também pequenas pápulas eritematosas próximas à linha de implantação do cabelo, reactivas à picada do piolho.

Sinal suspeito de pediculose do couro cabeludo é a existência de lesões de eczema na região da nuca. 

Ocasionalmente pode ocorrer sobreinfeção bacteriana provocada pela coceira e palparem-se adenomegalias retroauriculares e cervicais posteriores.

A pediculose das pestanas manifesta-se com sinais de eczema periorbitário, hiperémia e edema conjuntival. Uma observação cuidada permite identificar o Phthirus pubis na implantação das pestanas.

Diagnóstico Diferencial

O diagnóstico diferencial inclui a dermatite seborreica e, eventualmente, a psoríase do couro cabeludo, na qual as escamas podem ser confundidas com os ovos do piolho. No caso da pediculose capitis os ovos estão aderentes à haste capilar ao contrário da dermatite seborreica em que as escamas facilmente se destacam. É importante também distinguir os ovos de outros detritos que possam estar aderentes ao cabelo, como resquícios de tintas ou outros cosméticos.

Na pediculose das pestanas o diagnóstico diferencial inclui outras causas oftalmológicas de olho vermelho e causas de eczema periorbitário, atópico ou de contacto.

Exames Complementares

Patologia Clínica

Não aplicável

Imagiologia

O diagnóstico é clínico. A observação cautelosa com auxílio de uma lupa ou mesmo de um dermatoscópio manual ou digital pode aumentar a eficácia diagnóstica. 

Tratamento

Antibioterapia

Nos casos de sobreinfecção bacteriana justifica-se a associação de antibioterapia oral dirigida aos agentes mais frequentes (Staphylococcus aureus e Streptococcus do grupo A).

Algoritmo clínico/ terapêutico

Pediculose capitis

O tratamento deve ser realizado apenas após o diagnóstico da infestação. A escolha do tratamento deve ter em conta a idade da criança e os perfis de resistência aos pediculocidas de determinada região.

Estes são a 1ª linha terapêutica. Os tratamentos oclusivos e, sobretudo, a remoção mecânica devem ser um complemento ao tratamento com pediculocidas, em especial no caso dos lactentes. O tratamento com um pediculocida deve ser realizado em 2 ciclos, ao dia 0 e ao dia 9. No caso da remoção mecânica e dos agentes oclusivos poderão ser necessários 2 a 4 ciclos.

Pediculocidas tópicos

As evidências disponíveis provêm de ensaios clínicos controlados e aleatorizados muito heterogéneos, o que compromete a análise dos resultados e a objectividade das recomendações.

A permetrina 1% em creme ou loção é o pediculocida mais utilizado, e apesar de estar documentada a sua resistência em vários países é considerada terapêutica de 1ª linha. Tem baixa toxicidade, podendo causar prurido e eritema ligeiros do couro cabeludo. Está aprovada para crianças com idade ≥6 meses, mas a sua utilização em lactentes com mais de 2 meses demonstrou-se segura em casos pontuais. Deve ser aplicada sobre o cabelo húmido após lavagem com champô, sem condicionador, e removida após 10 minutos. Uma 2ª aplicação é recomendada ao 9º dia.

Piretrinas associadas a butóxido de piperonila, álcool benzílico 5%, malatião 0,5%, ivermectina 0,5% e espinosade são outros pediculocidas aprovados em alguns países como 1ª ou 2ª linha terapêuticas para crianças em diferentes idades, não disponíveis actualmente no mercado.

A remoção dos pediculocidas deve ser feita através de uma lavagem isolada do cabelo e do couro cabeludo, evitando o contacto do agente removido com o resto do corpo, e com água tépida para minimizar a vasodilatação e a sua absorção.

Agentes oclusivos

Os agentes oclusivos originam a asfixia do piolho. Não levam ao desenvolvimento de resistências, mas têm eficácia inferior aos pediculocidas, existindo menos evidência científica sobre a sua utilização. 

A vaselina é comumente utilizada e pensa-se que pode atuar quer sobre o piolho, quer sobre o opérculo dos ovos sendo duplamente eficaz. Deve ser aplicada por um período de 12h. Os cuidados de manutenção do cabelo após as aplicações, com sucessivas lavagens por 7-10 dias para remover o resíduo, leva também à remoção mecânica dos ovos. É, contudo, técnica cosmeticamente pouco aceitável, pele enorme dificuldade de lavar cabelos após aplicação de vaselina.

O dimeticone 4% em loção aplicado por 8h, em 2 aplicações em 2 semanas consecutivas, mostrou, em alguns estudos, eficácia próxima de 70% na erradicação do piolho. No mercado existem disponíveis formulações diferentes deste composto que recomendam a sua aplicação por períodos entre 15min e 1h com posterior lavagem e remoção manual dos piolhos e ovos.

Remoção mecânica

A remoção mecânica pode ser realizada através da remoção digital dos ovos da haste capilar ou utilizando um pente fino metálico adequado para o efeito, com o cabelo húmido após lavagem e aplicação de condicionador (para facilitar a passagem do pente). Este método é pouco eficaz se utilizado isoladamente, mas é um bom adjuvante em associação aos pediculocidas com reduzida acção ovicida. 

Dissecação

A dissecação pelo calor realizada por um dispositivo desenhado para o efeito, o AirAllé™, é uma terapêutica alternativa que mostrou uma eficácia de 100% na morte dos ovos e de 80% na morte dos piolhos em ensaios clínicos. Esta tecnologia utiliza ar aquecido controlado, de uma forma específica em relação ao tempo de utilização e à forma de operar para garantir que todas as áreas da cabeça são cobertas, sem que haja dispersão dos piolhos, como pode ocorrer se utilizado um secador de cabelo convencional, o que é desaconselhado. Tem a desvantagem de ser uma técnica dispendiosa, realizada em estabelecimentos específicos com operadores treinados. É uma alternativa segura e eficaz nos casos refratários.

Ivermectina oral

A ivermectina oral, um antihelmíntico, utilizada no tratamento da oncocercíase, tem sido utilizada de forma off-label no tratamento da escabiose e também da pediculose. Dois esquemas terapêuticos foram reportados como eficazes: duas administrações de 200mcg/Kg com o intervalo de 10 dias ou 2 administrações de 400mcg/Kg com o intervalo de 7 dias. Não se encontra licenciada em vários países, mas pode ser formulada e manipulada. A segurança não está estabelecida para crianças com menos de 15Kg. Tem sido uma preocupação a sua utilização crescente em vários países no tratamento da pediculose no que respeita à segurança e à emergência de resistências. Deve ser considerada apenas nos casos refratários. 

Reacções adversas

Pode ocorrer um eczema irritativo ligeiro secundário aos pediculocidas tópicos que leve à persistência do prurido por alguns dias após a terapêutica. A aplicação de um corticóide tópico pode ser útil nestes casos.

Tratamento dos fómites

A transmissão através dos fómites é menos provável do que pelo contacto directo, mas nas crianças a transmissão pode ser feita através de chapéus ou outras peças. Os objectos em contacto directo com o cabelo e a roupa de cama devem ser tratados, assim como as roupas utilizadas nas últimas 48h. A roupa deve ser lavada a temperatura >50º, os tecidos em contacto directo com a cabeça, como os sofás, os encostos de cabeça do automóvel devem ser apenas aspirados. Medidas exageradas de desinfecção não são recomendadas. A viabilidade do piolho e dos ovos fora do hospedeiro após 48h é muito pouco provável. 

Tratamento dos contactos

Os contactos próximos das crianças devem ser observados e tratados em simultâneo caso estejam infestados. Embora a presença isolada de ovos afastados do couro cabeludo não seja diagnóstica de infestação ativa, é aconselhável, mesmo assim, o tratamento. O tratamento profilático não é recomendado.

Frequência escolar

As crianças não devem ser excluídas da atividade escolar. Quando diagnosticada a infestação, na maior parte dos casos, esta já tem cerca de um mês de evolução. A criança deve realizar o primeiro ciclo de tratamento e regressar à escola no dia seguinte. 

Pediculose das pestanas

No caso da pediculose das pestanas não devem ser utilizados pediculocidas tópicos pelo risco de irritação ocular. Recomenda-se a aplicação de vaselina nas pestanas em 3 aplicações diárias durante 7 dias seguida de remoção mecânica (com pinça) dos piolhos. O couro cabeludo deve ser observado e no caso de existir infestação ativa deve proceder-se ao tratamento como na pediculose capitis. Os contactos devem ser observados e tratados se diagnosticada a infestação pelo Phthirus pubis.

Evolução

Em caso de persistência da infestação após aplicado o tratamento várias hipóteses devem ser colocadas:

  • Resistência ao pediculocida utilizado
  • Aplicação incorrecta do tratamento
  • Persistência da infestação por acção ovicida incompleta 
  • Reinfestação a partir de um contacto próximo

O médico deve rever com a família todos os passos do tratamento para identificar eventuais falhas e assim prescrever a repetição da terapêutica ou uma terapêutica alternativa. A reinfestação é uma problemática frequente nos infantários e nas escolas.

Recomendações

A prevenção da transmissão da pediculose capitis é difícil dado o tempo de latência entre o início da infestação e o desenvolvimento de sintomas, e por outro lado devido ao contacto próximo entre as crianças. A partilha de materiais que entram em contacto com o cabelo deve ser desaconselhada mas o contacto de proximidade entre as crianças em casa e nos infantários não deve ser desencorajada por rotina. Nos infantários e nas escolas os chapéus e os casacos devem ser sempre colocados em cabides separados. As meninas devem manter os cabelos mais curtos pois facilita a remoção mecânica dos piolhos e das lêndeas em caso de infestação. O ato de rapar o cabelo não é aconselhado por razões sociais. Em caso de infestação a observação cuidadosa dos contactos para o diagnóstico precoce de infestação ativa é a medida principal de prevenção de disseminação da infestação. Os cuidadores devem observar periodicamente o couro cabeludo da criança para identificar possíveis reinfestações. 

Bibliografia

Prendiville JS. Scabies and Lice. In: Irvin AD, Hoeger PH, Yan AC. Harper´s Textbook of Pediatric Dermatology. 3. ed. Oxford: Wiley-Blackwell; 2011. p 72.9-72.14.

Devore CD, Schutze GE; Council on School Health and Committee on Infectious Diseases, American Academy of Pediatrics. Head Lice. Pediatrics 2015; 135(5):e1355-65.

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