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Introdução

Definição

Pancreatite Aguda (PA) requer 2 de 3 critérios: 1) Dor abdominal compatível; 2) Amilase ou lipase três vezes superior ao normal; 3) Achados de imagem compatíveis.

Pancreatite recorrente (PR) requer dois episódios de PA com ausência de dor durante no mínimo um mês, ou normalização de amílase e lípase entre ambos.

Pancreatite crónica (PC) requer achados de imagem de PC mais um critério: dor abdominal típica; insuficiência exócrina; insuficiência endócrina.

Epidemiologia

A incidência de PA é 3-13 casos por 100000 habitantes, por ano.

A incidência de PC é 2 casos por 100000 habitantes, por ano.

História Clínica

Anamnese

A apresentação da pancreatite nem sempre é linear, sendo importante equacionar o diagnóstico com achados relativamente comuns. Dor abdominal é uma das principais características da PA, habitualmente de localização epigástrica, com irradiação para o dorso, intensa, com instalação rápida e carácter persistente. Nos casos de PC o reinício de dor pode ser insidioso.

A presença de colecções peripancreáticas associa-se a dor abdominal mais severa e prolongada. Crianças pequenas podem não verbalizar dor e apresentar apenas irritabilidade.

Náuseas e vómitos são também frequentes em doentes com pancreatite.

O doente irá ainda manifestar sinais e sintomas da doença subjacente, como febre na presença de infeção ou icterícia, colúria e acolia, se colestase.

Caso existam complicações precoces como Síndrome de Resposta Inflamatória Sistémica (SIRS), derrame pleural ou trombose vascular haverá clínica correspondente, nomeadamente falência respiratória ou mesmo choque.

Na PC com insuficiência exócrina a criança irá manifestar anorexia, perda ponderal, esteatorreia e sinais de insuficiência das vitaminas A, D, E e K.

Se insuficiência endócrina apresentará quadro de diabetes.

Exame objectivo

Ao exame objectivo pode identificar-se atingimento do estado geral, de acordo com a gravidade da pancreatite e presença de SIRS. O doente poderá adoptar posição antálgica em anteflexão do tronco. Podem ter icterícia.

Na inspecção abdominal pode verificar-se distensão, equimose periumbilical (sinal de Cullen) ou no flanco (sinal de Grey Turner), sinais de gravidade sugerindo complicação hemorrágica.

A auscultação pode revelar diminuição dos ruídos hidroaéreos, por ileus paralitico.

A palpação abdominal pode ser inocente, apresentar defesa abdominal ou massas compatíveis com edema pancreático, pseudoquistos ou abcessos.

Diagnóstico Diferencial

Os diagnósticos diferenciais de pancreatite são sobretudo aqueles que cursam com dor epigástrica.

Será de equacionar a presença de úlcera péptica ou perfuração de víscera oca sendo que, nestes casos, a história clínica apontará o diagnóstico.

Coledocolitiase ou colangite são diagnósticos diferenciais ou predisponentes a pancreatite.

Hepatite deve ser excluída embora apresente dor com início subagudo, localizada no quadrante superior direito e possivelmente acompanhado de hepatomegalia detectável ao exame físico.

Para além do diagnóstico diferencial de pancreatite, deve haver estudo etiológico protocolado e cuidado, embora 15-30% das PA em idade pediátrica permaneçam idiopáticas.

Num primeiro episódio a diversidade etiológica é elevada devendo haver elevado grau de suspeição. Causas obstrutivas como calculose, lama biliar, quistos do colédoco, disfunção do esfíncter de Oddi ou malformações pancreáticas (pâncreas divisum ou anular) contam com 10-30% dos casos.

Terapêuticas em curso como corticoterapia, cotrimoxazol, valproato, tacrolimus, messalasina, azatioprina ou 6-mercaptoporina podem predispor a pancreatite e devem ser rastreados. Doença sistémica metabólica, inflamatória e / ou infecciosa podem também cursar com pancreatite. Os traumatismos abdominais podem ainda ser complicados por lesão pancreática e pancreatite.

Na PR ou PC devem ser consideradas sobretudo alterações estruturais biliares e pancreáticas, predisposição genética, doença autoimune ou metabólica.

Exames Complementares

Para todos estes casos, o recurso ao estudo analítico e exame imagiológico é indicado e poderá estabelecer o diagnóstico.

Patologia Clínica

Amílase e lípase estarão seriamente elevadas na PA mas quase normais na PC. transaminases, bilirrubinas, GGT, triglicerídeos e Cálcio devem ser sempre doseados. A infeção primária ou secundária deve ser explorada por serologias e exames culturais, nomeadamente abcessos.

Na PR ou devem ser testadas mutações PRSS11, SPKIN1, CFTR e CTRC.

Na PC pode ser necessário testar actividade exócrina.

Imagiologia

Ecografia abdominal é primeira escolha na PA, podendo completar-se com tomografia computadorizada (TC), Ressonância Magnética ou colângeo-pancreatografia. A TC distingue edema, líquido adjacente, sinais de necrose e/ou infeção (sugerido por gás extraluminal). Se precoce, a TC subestima a gravidade, já que a necrose instala-se ao longo de dias.

Após 4 semanas, identificam-se complicações tardias como pseudoquistos ou necrose pancreática delimitada (em inglês walled-off necrosis).

Achados de PC incluem alterações da estrutura ductal, alterações do parênquima, cavidades ou calcificações.

Tratamento

Cirurgia

A indicação para tratamento cirúrgico ou endoscópico é rara, sendo a atitude maioritariamente conservadora, mesmo na presença de pseudoquistos ou necrose não infectada.

Em caso de complicação como obstrução, hemorragia ou infeção das colecções peripancreáticas pode ser realizada drenagem percutânea ou por laparotomia das mesmas.

Em casos de colangite e PA a terapêutica endoscópica é urgente, devendo realizar-se nas primeiras 24 – 72 h.

A colecistectomia pode estar indicada na PR de causa litiásica mas o timing ideal não está bem definido.

Casos seleccionados de PC podem ainda ser elegíveis para pancreatectomia total e autotransplante.

Antibioterapia

O uso de antibioterapia profiláctica não é recomendado.

Terapêutica antibiótica deve ser instituída na evidência de infeção sistémica, colangite ou necrose infectada, de acordo com os exames culturais ou perfil de resistências local.

Algoritmo clínico / terapêutico

O tratamento deve incidir em eliminar a causa, manter hidratação, analgesia e nutrição adequadas e tratamento de complicações:

  • Eliminação do factor causal: Remoção de cálculos impactados, suspensão de fármacos predisponentes, correcções iónicas ou metabólicas.
  • Hidratação: Não existe protocolo unânime na criança, adoptando-se a prática dos adultos, com precaução. Nas primeiras 12 – 24 h a fluidoterapia deve ser optimizada podendo recorrer-se a bólus de cristalóides 10 – 20 ml / kg ou hiperhidratação até duas vezes as necessidades basais. Posteriormente a fluidoterapia de manutenção pode ser reduzida, dependendo do balanço hídrico e sinais de sobrecarga hídrica.
  • Analgesia: Titulada conforme as queixas. A dor ligeira pode atenuar com paracetamol ou anti-inflamatórios não-esteróides, mas casos graves necessitaram de opióides. Na PC podem ser usados outros fármacos, como amitriptilina e gabapentina.
  • Nutrição: apesar da ausência de evidência robusta, parece haver benefício em reiniciar alimentação entérica precocemente, em 48 – 72 h na maioria dos casos. A alimentação polimérica ou elementar parece ter bom perfil de tolerabilidade sem aumentar significativamente a dor ou haver agravamento dos parâmetros de pancreatite. Se há intolerância oral pode ser administrada nutrição via sonda nasogástrica ou nasojejunal. A nutrição parentérica é segunda linha, caso a via entérica esteja contra-indicada, ou seja necessário reforço nutricional.

Evolução

A pancreatite inicia-se com lesão nas células acinares autoperpetuada. Na primeira fase, a activação da cascata inflamatória pode levar a falência orgânica e / ou choque.

Na PA ligeira, sem falência orgânica ou complicações, os sintomas resolvem rapidamente, e os doentes terão alta em uma semana, embora crianças pequena permaneçam internadas durante cerca de 20 dias. Habitualmente não apresentam sequelas futuras.

NA PA moderada há falência orgânica transitória ou complicações locais como necrose. Apesar de tratados maioritariamente de forma conservadora, estes casos têm risco de intervenção cirúrgica, exigindo maior tempo de vigilância.

Na PA severa, se a falência orgânica persiste após 48 h, há 36-50% de mortalidade, sobretudo se coexiste necrose com infeção secundária.

Até 25% dos doentes terão PR e a progressão para PC não é clara. Em fases tardias da PC há insuficiência endócrina e exócrina com pior qualidade de vida e mortalidade. Estes doentes têm ainda maior risco de adenocarcinoma pancreático, 4%.

Complicações

Para além da possível indicação cirurgia e antibioticoterapia instituídas caso a caso, devem ser compensadas possíveis insuficiências pancreáticas endócrinas e exócrinas. A insuficiência exócrina pancreática necessita de reposição enzimática pancreática e insuficiência endócrina requer insulina.

Mortalidade

A mortalidade global é inferior a 5% mas variável conforme a gravidade da doença.

Recomendações

Se a maioria dos casos de PA não serão passiveis de serem prevenidos, as recorrências ou evolução para PC devem ser activamente evitados. Isto passa sobretudo pela identificação do agente causal e resolução do mesmo sempre que possível, assim como pela evicção de fármacos potenciadores de pancreatite.

Em crianças com história familiar de pancreatite deve haver maior índice de suspeição de pancreatite.

Os casos de PR ou PC devem ser vigiados sinais de insuficiência pancreática ou adenocarcinoma pancreático.

Saber Mais

SIRS: Síndrome de Resposta Inflamatória Sistémica. Define-se pela presença de pela alteração em menos 2 dos seguintes parâmetros, normalizados por idade: frequência cardíaca, frequência respiratória, Temperatura e Contagem leucocitária.

Bibliografia

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