Mononucleose infecciosa
Introdução
A Síndrome Mononucleose Infecciosa (MNI) é caracterizada pela tríade: febre, faringite/amigdalite aguda e adenomegalias.
Na grande maioria dos casos, a MNI é causada pelo vírus Epstein-Barr (EBV) e em 10% dos casos por citomegalovírus (CMV), Toxoplasma gondii, adenovírus, vírus da imunodeficiência humana (VIH) ou vírus da hepatite.
Epidemiologia
Pico de incidência entre os 15 e 24 anos de idade, nos países ocidentais.
A infeção por EBV na infância é geralmente assintomática e
A transmissão ocorre por contacto íntimo através de secreções de saliva. Estudos recentes demonstraram isolamento de vírus das células epiteliais cervicais e sémen, sugerindo a possibilidade de transmissão por via sexual. O período de incubação do vírus é de 4 a 8 semanas.
É mais prevalente nos caucasianos e nos países em desenvolvimento (seroprevalência ~ 100%).
Não apresenta pico de sazonalidade e a prevalência é semelhante em ambos os sexos.
Fisiopatologia
Após o contacto do vírus Epstein-Barr com as células epiteliais da orofaringe este replica-se e vai-se libertando pelas secreções. O homem é o reservatório do vírus e a sua excreção pode prolongar-se até 6 meses.
Ao mesmo tempo que se replica, o vírus infeta os linfócitos B, onde permanece latente. Os linfócitos T também têm um papel essencial no controlo da infeção aguda.
Apesar do controlo inicial por parte dos linfócitos B e T, a infeção por EBV é duradoura e o vírus pode permanecer latente e apresentar períodos de reactivação e replicação periódicos, sobretudo em imunocomprometidos. Nestes casos, pode haver um risco de malignidade.
A infeção por EBV está associada a maior risco de linfoma de Hodgkin, Esclerose Múltipla e Lupus Eritematoso Sistémico (LES).
História Clínica
A MNI é mais frequente na 2ª década de vida, com início insidioso (1-2 semanas) caracterizado por mal-estar, cefaleias, mialgias e náuseas.
A MNI clássica inclui sintomas de:
- Febre: geralmente baixa, surge em 98% dos doentes;
- Faringite: com hipertrofia amigdalina com exsudado esbranquiçado-esverdeado e por vezes necrótico; ocasionalmente estão presentes petéquias no palato. Surge em 85% dos doentes.
- Adenomegalias: simétricas e bilaterais, localizadas sobretudo na região cervical posterior e retroauricular. Surgem em praticamente todos os doentes e tendem a regredir a partir da 2ª semana de doença.
- Cansaço: pode ser grave e persistente, em alguns casos pode durar 1 mês.
Outras manifestações clínicas:
- Esplenomegalia: surge em 50-60% dos doentes, geralmente na 3ª semana de doença. Palpável 2-3 cm abaixo do rebordo costal. Em 1-2/1000 doentes, pode surgir ruptura esplénica, sendo espontânea em 50% dos casos. Mais frequente no sexo masculino.
- Hepatomegalia: surge em 10% dos doentes.
- Exantema: maculopapular generalizado, urticariforme ou petequial. Surge ocasionalmente (3-15% dos doentes), muitas vezes associado a administração prévia de amoxicilina.
- Síndromes neurológicos: podem surgir 2 a 4 semanas após os sintomas iniciais. Inclui a Síndrome de Guillain-Barré, a paralisia de nervos cranianos, a meningoencefalite, a meningite asséptica, a mielite transversa, a encefalomielite, a neurite óptica e a neuropatia periférica.
Outros: edema palpebral bilateral (sinal de Hoagland), hepatite, colestase, pneumonia, miocardite, pancreatite, colecistite, adenite mesentérica, insuficiência renal aguda, miosite, glomerulonefrite aguda, úlceras gástricas.
Complicações raras: abcesso periamigdalino, edema das amígdalas e do palato mole com obstrução da via aérea.
Diagnóstico Diferencial
Amigdalite aguda estreptocócica do grupo A: ausência de esplenomegalia ou hepatomegalia; adenomegalias mais frequentemente localizadas na região cervical anterior e não posterior como na MNI; fadiga menos comum; pesquisa de teste rápido de streptococcus do grupo A na orofaringe é positiva.
- Hepatite viral anictérica: fadiga, anorexia, adenopatias; apresenta níveis mais elevados de transaminases.
- Linfoma: também apresenta adenopatias e esplenomegalia; falso positivo para Ac heterófilos.
- Toxoplasmose: adenomegalias cervicais indolores e sintomatologia ligeira.
- Infeção por VIH: lesões mucocutâneas, exantema, diarreia, perda ponderal, náuseas e vómitos. Apresenta ainda linfopenia.
- Infeção por CMV: clínica semelhante à infeção por EBV embora com faringite ligeira e esplenomegalia mais exuberante. Serologia para CMV com IgG positiva (aumento 4x título) e IgM pelo menos 30% do valor da IgG.
Exames Complementares
Na MNI verifica-se:
- Leucocitose e linfocitose (> 4500 / microL e >50% linfócitos). Presença de linfócitos atípicos (> 10% dos linfócitos totais).
- Alguns doentes podem apresentar neutropenia e trombocitopenia que são transitórias e benignas.
- Aumento ligeiro das transaminases AST e ALT; FA e GGT normais.
O diagnóstico implica a presença de clínica compatível com MNI e serologia positiva.
Serologia:
Anticorpos heterófilos (Monoteste): Não específicos para EBV. Sensibilidade 85%. Especificidade elevada.
Se positivos em doente com clínica sugestiva de MNI, fazem diagnóstico de infeção por EBV. Neste caso, não é necessário procurar anticorpos específicos no doente.
- Falsos negativos: infeção precoce e em crianças com menos de 4 anos de idade.
- Falsos positivos (raro): doentes com leucemia, linfoma, neoplasia pancreática, LES, VIH, CMV, toxoplasmose e rubéola. Podem manter-se positivos até 1 ano após MNI.
Anticorpos específicos para EBV: Geralmente não são necessários uma vez que os anticorpos heterófilos são positivos na maioria dos doentes com MNI. São utilizados em doentes com clínica sugestiva de MNI e anticorpos heterófilos negativos.
- Anticorpos contra a cápside viral (VCA): IgM: estão presentes na fase aguda e persistem até 4-8 semanas. IgG: aumentam no final da fase aguda e persistem para toda a vida.
- Anticorpos dirigidos contra antigénios do núcleo do EBV (EBNA): Surgem a partir das 6-12 semanas após início de sintomas e persistem para toda a vida. A sua positividade no inicio dos sintomas exclui infeção primária ativa.
Anticorpos contra a fase lítica precoce das proteínas (EA – Early antigen): aparecem em associação com o pico de VCA IgM. Desaparecem em 3-6 meses (20% persistem durante anos). Não são expressos por todas as pessoas.
Outros: se serologia para EBV for negativa devem ser pedidas serologias para outros agentes etiológicos da síndrome mononucleosa-like (positivos em 10% dos casos): CMV, VIH, HHV-6, adenovírus, toxoplasma gondii, rubéola, hepatites.
Fig.1 Interpretação dos perfis serológicos específicos para o diagnóstico de infeção
Infeção EBV | Resposta dos Ac a EBV | |||
Monoteste | IgM VCA | IgG VCA | Anti-EBNA | |
Sem infecção prévia | - | - | - | - |
Infecção aguda | + | + | - | - |
Infecção recente | +/- | +/- | + | +/- |
Infecção tardia | - | - | + | + |
Tratamento
O tratamento na MNI é de suporte e sintomático:
- Paracetamol ou ibuprofeno: indicados se sintomas de febre, odinofagia ou mal-estar.
- Reforço hídrico e repouso.
Estudos indicam que a Corticoterapia com dexametasona (0,25 mg/kg 6/6h dose máx. 10mg/dose) ou prednisolona (1 mg/kg/dia, máx. 60 mg/dia) até 14 dias, pode ter indicação em casos de obstrução grave da via aérea. Esses casos devem ser discutidos com a Otorrinolaringologia para decisão terapêutica.
A antibioticoterapia tem apenas indicação se sobreinfeção bacteriana.
O aciclovir não tem indicação no tratamento da MNI.
Evolução
Na maioria dos casos o prognóstico é favorável e os sintomas resolvem gradualmente ao longo de 2 semanas. No entanto, o sintoma de fadiga pode persistir durante meses.
Retoma de prática desportiva:
- Mais de 50% dos doentes com MNI desenvolvem esplenomegalia nas primeiras 2 semanas após início de sintomas, pelo que as atividades desportivas com grande impacto devem ser evitadas de modo a impedir uma eventual ruptura esplénica.
- Recomendamos que todos os desportos de contacto vigoroso com potencial traumatismo abdominal ou torácico, tais como ginástica, futebol, rugby, wrestling, basquetebol, devam ser evitados nas primeiras 4 semanas após inicio da doença.
- Os desportos de menor intensidade e de menor contacto podem ser iniciados gradualmente, após as 3 semanas, de acordo com a tolerância do doente.
Retoma da actividade escolar:
- Uma vez que o vírus EBV pode ser secretado intermitentemente durante meses a anos pelos doentes que adquiriram a infeção, e uma vez que o portador do vírus raramente é identificado, não existem restrições para o retorno escolar.
- A decisão deve basear-se apenas na presença de sintomas do doente.
Saber Mais
- Mononucleose infecciosa
- Vírus Epstein-Barr (EBV)
- Febre
- Faringite
- Adenomegalias.
Bibliografia
- Ceraulo AS, Bytomski JR. Infectious Mononucleosis Management in Athletes. Clin Sports Med. 2019;38(4):555-561.
- Bolis V, et al. Atypical manifestations of Epstein-Barr virus in children: a diagnostic challenge. J Ped (Rio J). 2016; 92: 113-21.
- Womack J, Jimenez M. Common questions about infectious mononucleosis. American Family Physician. 2015 Mar;91(6):372-376.
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