Lepra
Introdução
Definição
Lepra, também conhecida por Doença de Hansen, é uma doença infecto-contagiosa crónica, provocada pela Mycobacterium leprae. Afecta, principalmente, a pele, os nervos periféricos, a mucosa das vias aéreas superiores e os olhos.
Devido às graves lesões cutâneas e deformidades que provoca é uma das doenças mais estigmatizantes socialmente.
Epidemiologia
A Mycobacterium leprae, é um bacilo ácido-álcool resistente, intracelular obrigatório, aeróbico, de desenvolvimento muito lento, cujos hospedeiros naturais verdadeiramente conhecidos, são o ser humano e os tatus.
A doença afecta principalmente os habitantes das regiões rurais e mais pobres da Ásia, América do Sul e África, sendo, actualmente, a Índia, a Indonésia, o Bangladesh e o Brasil os países onde a incidência e a prevalência são de longe mais elevadas, cerca de 75% dos casos.
Existem casos autóctones nos Estados Unidos da América, nomeadamente nos estados de Texas, Luisiana e Hawaii.
A concertada campanha para eliminação da doença, iniciada na década 90 do séc. XX, pela Organização Mundial de Saúde, teve um efeito inquestionavelmente notável – os 763 000 novos casos registados em 2001 desceram para cerca de 233 000 em 2012.
A contracção da infecção é rara nos menores de 1 ano de idade; os adolescentes e os adultos jovens são os mais vulneráveis.
O modo de transmissão não está completamente esclarecido, mas parece evidente o contágio pessoa a pessoa, pelas vias respiratórias altas (gotículas nasais infectadas) e cutânea (através de soluções de continuidade da pele) e, hipoteticamente, por insectos (picada). A via respiratória é de longe a via de transmissão mais frequente.
O bacilo sobrevive vários dias no meio ambiente.
Infecções por contacto dentro do agregado familiar são estimadas em cerca de 30%.
O período de incubação pode ir de 6 meses a décadas. Geralmente, é de 2 a 5 anos para a Lepra tuberculóide e de 8 a 12 anos para a Lepra lepromatosa.
Fisiopatologia
Após a entrada no organismo, o bacilo desenvolve-se lentamente – a duplicação demora 12 a 13 dias.
As manifestações clínicas ocorrem quando o bacilo atinge a pele e os nervos periféricos.
As lesões produzidas nos nervos levam à perda da sensibilidade e da função motora local. O envolvimento cutâneo leva à formação de máculas, pápulas, placas, nódulos, infiltração cutânea difusa e deformidades.
História Clínica
Exame objectivo
O diagnóstico faz em presença de lesão cutânea típica, com perda de sensibilidade; e espessamento dos nervos periféricos
A apresentação e a evolução clínicas dependem muito do grau da resposta imune:
Resposta imune fraca – elevado número de bacilos (multibacilar), por multiplicação facilitada e grande infecciosidade;
Resposta imune forte - baixo número de bacilos (paucibacilar), por multiplicação dificultada e baixa infecciosidade;
A maioria dos infectados desenvolve uma forte resposta imune, não tendo por isso manifestações da doença.
Os sinais e sintomas dependem da gravidade, do estadio e das zonas afectadas. Podem observar-se:
- parestesias, perda de sensibilidade, alterações motoras, cegueira, epistaxe, congestão nasal e, raramente, colapso do septo nasal;
- máculas, pápulas, placas, nódulos, ou infiltração cutânea difusa, com perda da sensibilidade;
- espessamento, visualizado ou detetado por palpação, dos troncos nervosos periféricos da orelha, do cotovelo, do punho, da popliteia, dos maléolos, etc.;
- reabsorção óssea - dactilite, amputações, deformidades;
- orquite e esterilidade.
Com base nos vários tipos de apresentação / evolução, condicionados pela resposta imune e consequente grau de infecciosidade, paucibacilares / multibacilares, foi estabelecida a classificação TBd, BT, BB, BL e LL, útil no plano terapêutico.
1.TBd = Lepra tuberculóide (paucibacilar) – lesões com margens bem definidas e perda de sensibilidade; pode apresentar-se como mononeuropatia.
2.BT = Lepra tuberculóide borderline (paucibacilar) – placas irregulares com margens elevadas, perda de sensibilidade e lesões satélite; envolvimento assimétrico dos nervos periféricos.
3.BB = Lepra borderline (multibacilar) – muitas lesões com margens denteadas; lesões satélites são comuns; espessamento generalizado dos nervos periféricos; perda de sensibilidade e da função motora.
4.BL = Lepra lepromatosa borderline (multiibacilar) – muitas lesões com margens difusas; perda de sensibilidade variável; fraqueza muscular; espessamento generalizado dos nervos.
5.LL = Lepra lepromatosa (multibacilar) – muito fraca resposta imune -> grande infecciosidade –> espessamento generalizado da pele e dos nervos periféricos, de que resulta marcada perda de sensibilidade e de força muscular; muitos nódulos de distribuição simétrica; graves lesões da face, testículos e extremidades.
Diagnóstico Diferencial
- Micoses cutâneas superficiais
- Alterações hipopigmentadas pós-inflamatórias
- Eczema
- Sífilis
- Pelagra
- Psoríase
- Pitiríase rosae
- Linfoma
- Micose fungóide
- Granuloma anular
- Leishmaniase
- Neurofibromatose
- Neuropatia Hipertrófica familiar
- Neuropatia diabética
- Lupus
- Sarcoidose
- Síndrome do túnel cárpico
- Siringomelia
- Intoxicação pelo chumbo
- Amiloidose primária
Exames Complementares
Patologia Clínica
Existe Mycobaterium leprae em:
- esfregaços das margens das lesões cutâneas.
- material de biópsia da pele ou dos nervos envolvidos.
Serologias:
- PCR (polimerase chain reaction)
- Ac IgM: Na LL - positivo em >95%; Nas TBd e TB ≈ 30%.
Tratamento
Médico
Medidas gerais:
- Cuidados com os pés – usar calçado suave, exemplo ténis
- Monitorizar zonas que apresentam alteração da sensibilidade
- Apoio cirúrgico – desbridamento das zonas infetadas e correção das deformidades
- Apoio psicossocial, oftalmológico, etc.
Tratamento específico:
É necessário prevenir resistências associando antibióticos
O esquema e duração do tratamento dependem de se estar em presença de lepra paucibacilar ou multibacilar.
1 - Lepra paucibacilar – (entre 1 a 5 lesões cutâneas) - tratamento 6 meses:
- rifampicina, 1x/mês, toma supervisionada: entre os 10 e 14 anos de idade – 450mg; se mais de 14 anos - 600mg
- dapsona 1x/dia; entre os 10 a 14 anos de idade - 50mg; se mais de 14 anos - 100mg
2 - Lepra multibacilar – (mais de 5 lesões cutâneas) – tratamento 12 meses:
- rifampicina, 1x/mês, toma supervisionada: entre os 10 e 14 anos de idade – 450mg; se mais de 14 anos - 600mg
- clofazimina, 1x/ mês, toma supervisionada: entre os 10 e 14 anos de idade – 150 mg; se mais de 14 anos – 300 mg
- clofazimina, auto-administrada: entre os 10 e 14 anos de idade – 50 mg, em dias alternados; se mais de 14 anos - 50 mg, diariamente
- dapsona, 1x/dia, auto-administrada: entre os 10 e os 14 anos de idade – 50 mg; se mais de 14 anos – 100 mg.
3 - Tratar a iridociclite com colírios de corticóides e de homatropina.
As recomendações acima referidas são da OMS.
O Programa Nacional Americano para a Doença de Hansen tem algumas normas diferentes:
- Administração diária de rifampicina;
- Período de 12 meses de tratamento para a Lepra paucibacilar e de 24 meses para a Lepra multibacilar.
Evolução
Com terapêutica correcta e precoce a melhora é rápida.
Recidivas ocorrem, geralmente, dentro de 5 a 10 anos, em cerca de 1% dos casos após o fim da terapêutica, e é atribuída à falha no seu total cumprimento.
Os pacientes deixam de ser contagiantes 72 horas após início de terapêutica e podem ter vida social normal.
Geralmente não há resistência às associações antibióticas recomendadas.
No decorrer da doença, antes, durante ou após a antibioticoterapia, podem surgir reacções imunes graves, que requerem tratamento urgente. A antibioticoterapia, caso já tenha sido iniciada, não deve ser suspensa.
1. Reacção reversa (Reacção Tipo 1) - As lesões cutâneas tornam-se eritematosas, os nervos periféricos dolorosos e surge febre; a lesão dos nervos pode ser muito grave. A terapêutica consiste na administração de prednisolona oral, 1-2 mg / kg, 1x / dia, máximo 40-60 mg / dia, até haver melhoras; depois reduzir lentamente ao longo de várias semanas.
2. Eritema nodosum (Reacção Tipo 2) – Nódulos muito dolorosos, geralmente nas superfícies extensoras, que podem ulcerar, febre, mal-estar, anorexia, neurite, uveíte, irite, linfadenopatia, orquite, anemia, leucocitose e glomerulonefrite. Administra-se -prednisolona oral 1-2 mg / kg, 1x / dia (máximo 40-60 mg / dia), até haver melhoras; depois reduzir lentamente ao longo de várias semanas, ou talidomida (interdito nas grávidas): 150-200 mg, 2x/dia, durante semanas, até haver melhora; depois diminuir 50 mg de em 2 semanas.
3. No Eritema nodosum crónico a talidomida deve ser prescrita em manutenção – 50 mg todas as noites.
Recomendações
As grandes deformidades e incapacidades provocadas pela lepra, há décadas, por falta de terapêutica, estão actualmente em franco decréscimo, podendo mesmo ser consideradas ausentes em países desenvolvidos.
A melhor prevenção é a detecção e tratamento precoce da doença na comunidade.
Monitorizar os agregados familiares em que foram detectados casos de lepra.
Administração profiláctica de antimicrobianos parece não ter justificação.
Ainda não existe vacina contra a lepra. Vacinação com BCG confere protecção em 50% dos casos.
Bibliografia
- Davidson R, Brent A, Seale A. Oxford Handbook of Tropical Medicine 4th edition. Oxford University Press, 2014.
- Kwan-Gett TSC, Kemp C, Kovarik C. Infectious and Tropical Diseases 1th edition. Elsevier Mosby, 2006.
- Longmore M, Wilkinson IB, Baldwin A, Wallin E. Oxford Hanbook of Clinical Medicine. 9th edition. Oxford University Press, 2014.
- Torok E, Moran E, Fiona C. Oxford Handbook of Infectious Diseases and Microbiology 2nd edition. Oxford University Press, 2017.
- Matthews PC. Tropical Medicine Notebook 1th edition. Oxford University Press, 2017.
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