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Introdução

O exercício físico e a participação em actividades desportivas tem inúmeras vantagens para a saúde e bem-estar. Melhora não só a performance cardiovascular e pulmonar, mas também a força e a flexibilidade musculotendinosa e articular e contribui ainda para o controlo do peso, factor importante na optimização da função dos vários órgãos e sistemas, em particular dos aparelhos musculoesqueléticos e cardiovascular.

Outra das áreas onde o exercício físico tem reconhecido benefício é sobre os sistemas nervoso e imunitário e a literatura mostra que a actividade física pode prevenir o efeito imunológico nefasto do stress sobre o corpo humano.

Na sociedade moderna em que vivemos, o desporto e actividade física em geral estão na moda e por isso são muitas vezes praticados em situações fora das condições ideais para a idade ou para as limitações individuais do nosso aparelho musculoesquelético e em particular da nossa coluna vertebral (ex: desporto juvenil).

Adequar a actividade desportiva à nossa coluna vertebral implica falar das alterações estruturais que a nossa coluna adquire ao longo da vida, em particular na fase de desenvolvimento.

Definição

Em termos posturais, o nosso corpo muda constantemente para se adaptar às exigências do nosso dia-a-dia. Todos sabemos que se “trabalharmos” um determinado grupo muscular, este se vai tornando mais forte, mas que, pelo contrário, ao mantermos determinadas posições estáticas por períodos prolongados, os nossos músculos também se adaptam “negativamente” tornando-se mais curtos ou alongados (p.e. posicionamentos incorrectos de relaxamento no sofá ou segurar o auscultador do telefone entre o ombro e a cabeça).

Para a nossa qualidade de vida é, portanto, importante que tenhamos a noção de quais as posturas correctas e ideais, para podermos garantir que o nosso aparelho músculo-esquelético será capaz de se adequar às exigências da nossa actividade física diária.

No entanto, outras circunstâncias existem em que a coluna vertebral já tem alterações estruturais e o clínico é confrontado com a necessidade de recomendar, permitir, ou mesmo desaconselhar, actividades físicas e desportivas específicas, em função da interferência positiva ou negativa que, cada uma delas, possa ter na saúde do doente.

Da mesma forma, não podemos ignorar que os discos intervertebrais são muito resistentes à pressão axial, mas a constituição do próprio anel fibroso torna-os vulneráveis às forças rotatórias. Deste modo se explica que, se por um lado, o atleta, mesmo no pico da sua performance, está em risco de poder sofrer uma lesão disco-ligamentar, por outro lado, é fácil de compreender que o praticante desportivo de fim-de-semana estará muito mais vulnerável (na coluna como em múltiplas outras regiões do esqueleto) se não for cuidadoso na manutenção da sua performance física durante toda a semana. A boa condição física permite também uma mais rápida recuperação das lesões.

As alterações estruturais da coluna vertebral são deformidades que podem ser observadas em dois planos – plano sagital e coronal.

A deformidade mais comum no plano sagital é o aumento ou diminuição das curvaturas fisiológicas da coluna vertebral, nomeadamente as lordoses e cifoses. Estas deformidades podem ter etiologias diversas mas são muitas vezes compensatórias de desequilíbrios posturais que se tornam estruturadas mais tarde e cujas formas mais habituais na observação são – a postura cifótica com agravamento da cifose dorsal, hiperlordótica (sway back ou saddleback) com agravamento da lordose lombar ou rectificada (flat back) com diminuição da cifose dorsal e da lordose lombar.

No plano coronal, a deformidade mais frequente é a escoliose, geralmente associada a outras deformidades do plano sagital anteriormente descritas, e pode ser definida resumidamente como uma doença do crescimento caracterizada por uma alteração estruturada ou rígida do alinhamento da coluna vertebral, surgida durante o processo de maturação óssea, com existência de um encurvamento que se projecta predominantemente no plano frontal, com acunheamento e deformidade torcional das vértebras, mais acentuada junto ao ápex.

Epidemiologia

Tanto a cifose dorsal/torácica como a escoliose são encontradas com maior frequência nos adolescentes.

História Clínica

Anamnese, exame objectivo

Cifose

Na infância, o exagero da curvatura cifótica reflecte, com muita frequência, apenas uma atitude postural, mantendo a coluna a sua normal flexibilidade.

A cifose torácica pode também estar aumentada, pelo reflexo de alterações existentes a outro nível do aparelho locomotor que se repercutem secundariamente no alinhamento postural da coluna vertebral.

Isso observa-se, por exemplo, quando existe uma contractura em flexão das ancas. Neste caso, em posição erecta, as ancas para atingirem a posição vertical obrigam a um movimento de báscula anterior da bacia, com o consequente acentuar da lordose lombar e, compensatoriamente, o aumento da cifose dorsal.

Desta forma, uma discreta contractura em flexão das ancas pode estar associada ao designado dorso redondo (round back). Este último é caracterizado por uma postura, em crianças ou adolescentes aparentemente normais, com aumento da cifose dorsal, mantendo a coluna a sua flexibilidade, sem alterações musculares ou ósseas.

Assim, estas cifoses juvenis discretas e flexíveis, em que o exame radiológico é normal, devem ser consideradas como variantes da normalidade.

Escoliose

As deformidades escolióticas são alterações do alinhamento vertebral causadas por doenças surgidas durante o período de crescimento vertebral em que se observa o desenvolvimento de uma curvatura rígida, estruturada, que não desaparece com a alteração da postura.

Para o diagnóstico deste tipo de deformidades há que observar cuidadosamente:

  • a existência de assimetria nos ombros e pescoço (linha de contorno dos ombros, altura e saliência das omoplatas e grelha costal);
  • o contorno da cintura; a região torácica e lombar (Manobra de Adams para observação tangencial do dorso flectido e membros superiores pendentes);
  • o alinhamento sagital da coluna (associado muitas vezes a alterações estruturais neste plano);
  • a avaliação do equilíbrio da coluna (verificado com um fio de prumo se a vertical tirada pelo ponto médio do occipital passa pelo sulco internadegueiro);
  • a observação da pele em busca de múltiplas manchas de tipo “café com leite” (sugestivas de neurofibromatose, patologia associada a escolioses graves e progressivas) ou a existência de tufos pilosos (podem apontar para defeitos congénitos na medula e/ou vértebras);
  • a avaliação do desenvolvimento global (pico de crescimento da coluna durante a puberdade associado a pico de agravamento da escoliose);
  • o comprimento dos membros inferiores para diferenciar a postura assimétrica causada por uma eventual dismetria, de uma verdadeira deformidade escoliótica.

A existência de uma deformidade cifótica associada à escoliose aponta para que a deformidade não seja idiopática, mas esteja ligada a uma qualquer etiologia, congénita, displasia óssea ou neurofibromatose).

 

Diagnóstico Diferencial

Cifose

O diagnóstico diferencial da cifose postural é feito com outras causas de cifose como: doença de Scheuermann, causas congénitas, neuromusculares, mielomeningocelos, traumáticas, pós-cirurgicas, pós-irradiação, metabólicas, displasias ósseas, doença do colagénio, tumores e doenças inflamatórias/infeciosas.

Escoliose

As escolioses idiopáticas constituem, de longe, o grupo mais numeroso (80% a 90% de todas as escolioses) e são classificadas em escolioses infantis (antes dos 3 anos de idade - 0,5%), juvenis (entre 3 e 10 anos de idade - 10,5%) e do adolescente (acima dos 10 anos de idade - 89%).

O diagnóstico diferencial das escolioses idiopáticas (sem causa conhecida) é feito com as escolioses congénitas, paralíticas, por neurofibromatose (ou doença de Von Recklinghausen) ou escoliose por outras causas onde se inclui: osteocondrodisplasias, mucopolissacaridoses, doenças fragilizantes (osteogénese imperfeita), doenças com hiperlaxidão ligamentar (doença de Marfan, Síndrome de Ehlers-Danlos) e lesões tumorais de localização vertebral.

Exames Complementares

Imagiologia

Para o estudo das alterações estruturais da coluna, os exames radiológicos são fundamentais.

Cifose

O valor da cifose torácica é variável, considerando-se normal a existência de uma curvatura cujo ângulo varia entre os 20 e os 40 graus, medido entre a primeira (T1) e a última (T12) vértebras torácicas. No entanto, mesmo dentro destes valores, a curva deverá ser harmónica, não devendo ter angulações localizadas (concentrada em poucas vértebras).

Escoliose

No caso da escoliose, a radiografia da coluna no plano frontal permite definir a localização, orientação e limites e características da deformidade. Visualizam-se as vertebras limite, a vertebra apical, e as vertebras neutras, o que pode dar informação acerca dos limites da fusão óssea (artrodese) a executar, em caso de tratamento cirúrgico.

Podemos também confirmar se a escoliose é direita ou esquerda, se desenha uma curva longa abrangendo muitas vértebras, como nas paralisias, ou se é curta e angulada, como as causadas por malformações congénitas das vértebras ou por neurofibromatose.

A observação de vértebras malformadas (ex: hemivértebras ou fusões vertebrais) orienta-nos para uma escoliose congénita por defeito embrionário. Outras alterações da estrutura e morfologia dos corpos vertebrais ou arcos posteriores das vértebras facilitam o diagnóstico de processos displásicos, tumores ou infeciosos, embora sejam causas mais raras de escoliose.

O exame radiológico possibilita ainda a medição da curva – ângulo da escoliose – através do método de Cobb (o mais utilizado) (fig 1).

Para uma avaliação mais rigorosa da deformidade torsional, torna-se necessário a Tomografia Computorizada (TC)da  coluna, com ou sem reconstrução 3D.

Fig 1 – Determinação do ângulo da escoliose através do ângulo de Cobb

Tratamento

Alterações posturais

Para conseguirmos trabalhar a coluna vertebral sem problemas e sem dor, deveremos aproximar-nos o mais possível do seu equilíbrio postural ideal e correcto, de forma a evitar retracções musculares de um dos lados e grupos musculares alongados do outro, comprometendo assim a sua performance e resistência, tão importantes para resistir às exigências do nosso dia-a-dia.

Deste modo, antes de decidirmos iniciar alguns exercícios para correcção postural é necessário termos a noção de qual será a postura correcta no nosso caso particular e, assim, ter a noção exacta dos “desvios” que teremos de corrigir.

Deformidades estruturadas

Quando as alterações verificadas deixam de ser posturais para se apresentarem como deformidades estruturadas, devemos focar-nos em dois aspectos principais:

  • como melhorar a deformidade, e
  • que tipo de actividade física é recomendável ou, pelo contrário contra-indicada, pelo risco de agravamento da deformidade.

Na cifose sintomática dos adolescentes o tratamento conservador pode consistir na utilização de uma ortótese, que deverá ser retirada para a realização de exercícios.

Nos casos em que não existe indicação para ortótese devemos insistir na correcção da inclinação pélvica (anterior pelvic tilt) para diminuir a lordose lombar compensatória, nos alongamentos dos tendões isquiotibiais e das cadeias lombares posteriores (geralmente encurtados) e no fortalecimento da musculatura extensora da coluna dorsal, para diminuir a cifose desta região deformada.

No que se refere à actividade desportiva, há que privilegiar os desportos que promovem o desenvolvimento destes grupos musculares, como por exemplo a natação (nas várias modalidades e estilos, com excepção da mariposa, pelo risco de agravar o quadro clínico). Devem, também, ser desaconselhados os desportos de contacto e o remo, pelo facto de não desenvolverem os músculos que contrariam as forças deformantes.

Os adolescentes com escoliose beneficiam de exercício físico regular.

Nos casos de dor, o primeiro aspecto que devemos verificar é a cinesia articular das coxofemorais como forma de diminuir a sobrecarga mecânica na coluna lombar. Optimizar a cinesia articular das ancas com alongamentos dos quadricípites, isquiotibiais e flexores das coxofemorais deve ser parte do plano terapêutico destes casos.

A melhoria da mobilidade e flexibilidade desta articulação pode compensar a falta de mobilidade da coluna e permitir, assim, determinados movimentos de rotina que, de outro modo, se encontrariam limitados e dolorosos (como por exemplo em casos de artrodese por tratamento da escoliose).

Deveremos, também, concentrar-nos no fortalecimento muscular dos extensores da coluna como forma de aumentar a tolerância às diversas actividades da vida diária. Nestes casos, a actividade física deverá ser praticada várias vezes por semana de forma a aumentar os níveis de resistência a actividades tão simples como o caminhar, andar de bicicleta ou, mesmo, outras actividades aeróbicas sem grande impacto.

Alongamentos e fortalecimento das cadeias musculares são também adequados para os casos de escoliose para manter uma coluna forte e flexível.

Nos casos de escoliose dos adolescentes, mesmo em tratamento com ortótese, não existe qualquer evidência na literatura que contra-indique a prática de educação física escolar (excluindo alguns exercícios que coloquem em risco a coluna vertebral) ou dos programas de desporto de grupo (com excepção dos desportos de contacto) desde que esta actividade física esteja integrada no plano terapêutico da utilização da ortótese.

Cirurgia

A razão primordial do tratamento cirúrgico (único capaz de corrigir a deformidade) é a correcção estética (e razões psicológicas associadas) quando a deformidade se torna esteticamente inaceitável. As técnicas cirúrgicas variem conforme o tipo e localização da deformidade e a idade do doente.

As desvantagens de se fazer a cirurgia na idade adulta estão associadas a maior rigidez e maior dificuldade na cicatrização.

 

Evolução

A história natural da escoliose idiopática do adolescente é relativamente benigna e estudos não mostraram a existência de incapacidade, dores espinhais, compromisso pulmonar ou maior mortalidade.

Recomendações

O exercício físico regular é uma actividade com enormes benefícios para a coluna vertebral e aparelho músculo-esquelético em qualquer fase da vida.

Apesar desta realidade, o clínico deve estar consciente das alterações estruturais da coluna de forma a poder adequar o exercício físico e o desporto às limitações do esqueleto axial.

Nos casos em que a coluna apresenta alterações estruturais, a actividade física deve ser aconselhada como parte integrante do plano terapêutico, mas devemos ser cuidadosos e rigorosos na escolha apropriada da modalidade ou do tipo de desporto, de modo a prevenir um possível agravamento do quadro clínico.

Saber Mais

Lordose, Cifose, Escoliose, Actividade física.

Bibliografia

  1. Mineiro J. Alterações estruturais da coluna e exercício físico. Revista de Medicina Desportiva In Forma. 2010 (cited 11th Septembre 2018). Tema 4: 22-24. Available from: http://www.revdesportiva.pt
  2. Seabra J. Ortopedia infantil - o fundamental. 1a edição. Coimbra: ASIC; 2016. P. 29-62.

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