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Introdução

A alergia alimentar resulta de uma resposta imunológica mediada por imunoglobulinas E (alergia IgE mediada), por mecanismos imunes envolvendo células ou outros mediadores do sistema imunológico (alergia não IgE mediada) ou por ambos os mecanismos.

A maioria das reações imediatas são mediadas por anticorpos IgE específicos alimentares, provocando sintomas de aparecimento rápido que podem ir desde urticária até anafilaxia.

Epidemiologia

A alergia ao amendoim é uma das alergias alimentares mais frequentes em idade pediátrica e é uma causa importante de anafilaxia. Verificou-se um aumento significativo da sua prevalência nos últimos anos e estima-se que afete cerca de 1-3% das crianças.

O amendoim é da família das leguminosas mas é frequentemente associado aos frutos de casca rija pela similaridade alergénica. Cerca de 35% dos indivíduos alérgicos ao amendoim apresentam reação cruzada aos frutos de casca rija. Pode ainda ocorrer reação a outras leguminosas como o tremoço, a soja e ervilha.

O amendoim isoladamente é responsável por mais casos fatais do que os outros alergénios combinados. A prevenção desta alergia alimentar assim como a sua orientação diagnóstica e terapêutica são fundamentais.

História Clínica

Anamnese

O método de diagnóstico mais eficaz na alergia ao amendoim é a história clínica detalhada. A história clínica deve ser completa e exaustiva. A anamnese deve incluir os seguintes pontos:

  • Antecedentes pessoais ou familiares de alergia (dermatite atópica, asma, rinite, conjuntivite, outras alergias alimentares);
  • Alimento suspeito e sua caracterização (cru vs cozinhado, isolado, quantidade ingerida, cofatores, processamento do alimento, etc.)
  • Caracterização das reacções adversas nomeadamente quando ocorreu a primeira reacção, manifestações clínicas, qual a reacção mais grave, qual o tempo decorrido entre a ingestão e início da reacção, isto é, se imediato ( 2h) ou bifásico;
  • Em que circunstâncias ocorreu a reacção nomeadamente o local do corpo e a forma de exposição ao alergénio (ingestão, inalação ou contacto);
  • Determinar evolução e quanto tempo ocorreu desde última reação alérgica;
  • Determinar se existe algum fator desencadeante da reação alérgica como o exercício físico, stress, calor ou administração de algum fármaco;
  • Em caso de anafilaxia caracterizar a reação e qual a medicação necessária para reverter o quadro.

Exame objectivo

A alergia ao amendoim é tipicamente mediada por IgE e as manifestações clínicas ocorrem habitualmente entre minutos até duas horas após a ingestão do alimento. O amendoim também pode estar implicado como fator desencadeante em distúrbios não mediados por IgE como dermatite atópica e esofagite eosinofílica.

Variam em gravidade desde sintomas leves isolados na orofaringe até anafilaxia grave. A maioria das reacções envolve a pele como angioedema e urticária, sintomas respiratórios como estridor, sibilância, tosse e dispneia e gastrointestinais como distensão abdominal, diarreia ou vómitos. Também se pode manifestar mais raramente como alteração do estado de consciência, tonturas, convulsões, síncope, taquicardia e bradicardia ou paragem cardio-respiratória (em caso de choque anafilático).

Diagnóstico Diferencial

Os sinais e sintomas de alergia ao amendoim são semelhantes aos restantes quadros alérgicos desencadeados por múltiplos fatores, nomeadamente outros alimentos, medicamentos, picadas de inseto, entre outros. A história clínica completa com evolução temporal dos sintomas é fundamental para determinar os elementos causadores da reacção alérgica.

Exames Complementares

Testes diagnósticos que fazem parte da investigação:

Testes cutâneos (ou skin prick tests, SPT): são muito específicos e só devem ser realizados se não tiver ocorrido reação alérgica grave prévia (ver algoritmo 1). Para a sua realização, pode ser usado o extrato comercial ou o amendoim “fresco” (prick-to-prick). Além de testar o amendoim também se deve testar os frutos de casca rija. Quando positivos podem indicar apenas sensibilização na ausência de história clínica sugestiva. Quanto ao amendoim sabe-se que os SPT em crianças com idade inferior a 2 anos com pápula ≥ 4 mm ou crianças com 2 ou mais anos com pápula ≥ 8 mm apresentam valor preditivo positivo (VPP) de 95%.

Doseamento de IgE específica para amendoim: um valor elevado de IgE específica ao amendoim aumenta a probabilidade de alergia. Na ausência de história clínica sugestiva a sua positividade indica apenas sensibilização ao alergénio; tem a vantagem de não apresentar riscos para o doente. O estudo da alergia ao amendoim deve incluir o alergénio completo do amendoim (F13) e pesquisa do painel de alergénios de frutos de casca rija (Fx1). A IgE do amendoim também faz parte do painel que inclui a clara de ovo, leite, bacalhau, trigo, amendoim e soja (Fx5E). A IgE específica para amendoim > 15 KU/l está associada a VPP de 95%.

Estudo molecular: doseamento de IgE dirigido a componentes alergénicos específicos do amendoim. As 4 proteínas disponíveis comercialmente são Ara h1, h2, h3 e h9. Os componentes significativos associados a alergia são Ara h1, h2, h3 e h6 e são proteínas termorresistentes de sementes. A Ara h2 parece ter o maior VPP. A presença de anticorpos a Ara h8 é comum na sensibilização cruzada à bétula e por ser uma proteína termolábil está associada a um fenótipo mais ligeiro (++ síndrome oral alérgico).

Prova de provocação oral: é o gold standard para confirmação da presença de alergia. Consiste habitualmente na administração de um preparado de manteiga de amendoim que pode ou não conter vestígios de frutos de casca rija dependendo se existe ou não sensibilização a estes últimos. Pode misturar-se 1 g de manteiga de amendoim com 250 ml de leite de vaca aquecido e administrar-se este preparado em doses crescentes com intervalo de 15 minutos. Habitualmente mantém-se a vigilância 2h após a última dose deste preparado. Esta prova deverá ser sempre realizada em contexto hospitalar e com profissionais treinados na abordagem da anafilaxia.

Deve ser apenas realizada se testes cutâneos e IgE específicia negativos e sem história anterior de reações graves recentes estando contra-indicada na presença de anafilaxia prévia. Se a IgE específica for positiva ponderar de acordo com o valor:

  • Se IgE amendoim 2-5 kUA/L – probabilidade de PPO negativa em 33% dos casos;
  • Se IgE amendoim

De notar que 9% das crianças com reações alérgicas anteriores a frutos de casca rija passam na PPO com amendoim.

Tratamento

A eliminação da dieta do alimento causador da alergia é o único tratamento eficaz após o diagnóstico de alergia alimentar. Geralmente recomenda-se a evicção do amendoim quando a criança tem idade inferior a 5 anos e o teste é “fortemente positivo”, isto é, SPT com pápula superior a 8 mm e/ou IgE específica superior a 15 kUa/L.

Assim sendo, é fundamental a educação da criança e dos pais, nomeadamente instruções específicas para lerem os rótulos da composição dos alimentos que ingerem.

É possível a contaminação de alimentos isentos de amendoim na sua composição durante o processamento por equipamentos utilizados na produção de outros alimentos e também durante a preparação e manipulação em restaurantes.

Nos doentes com risco de anafilaxia deve ser ensinado o uso da caneta de autoinjecção de adrenalina e devem ser treinados para identificar precocemente os sintomas e ter sempre disponíveis anti-histamínicos e adrenalina. Em Portugal existem as seguintes canetas de adrenalina:

  • Anapen/Epipen Júnior® - 0,15 mg de adrenalina para injeção única IM nas crianças até aos 30 Kg;
  • Anapen/Epipen®- 0,30 mg de adrenalina para injeção única IM nas crianças com mais de 30 Kg

Os anti-histamínicos podem aliviar os sintomas da síndrome de alergia oral e dos sintomas cutâneos mediados por IgE, mas não bloqueiam as reações sistémicas. Os corticóides sistémicos também podem ser um tratamento adjuvante nomeadamente na prevenção de reações alérgicas tardias.

A imunoterapia (IT) ao amendoim parece ser uma opção terapêutica promissora e consiste na administração de doses crescentes de amendoim como o objetivo de induzir uma dessensibilização a este alergénio. Atualmente é utilizada apenas em contexto de ensaios clínicos. 

Evolução

A criança com alergia ao amendoim deve ser vigiada periodicamente

A resolução da alergia é incomum após os 6 anos de idade. Crianças que não tenham tido nenhuma reação alérgica nos 1 ou 2 anos prévios e com IgE amendoim ≤ 5 kUA/L e/ou SPT

Em doentes com alergia persistente, isto é, exposição acidental com reação alérgica associada e nos quais a IgE ou SPT se mantêm elevados ou inalterados durante vários anos apresentam baixa a probabilidade de resolução desta alergia.

Recomendações

Conselhos gerais

  • Confirmar a ausência de amendoim ou frutos de casca rija das refeições e recusar refeições das quais não se conhece a composição exata (ver tabela 1 com lista de alimentos permitidos e proibidos);
  • Evitar a utilização de utensílios ou superfícies contaminadas com frutos de casca rija (ex.: facas, bancada de cozinha) ou amendoim;
  • Recusar refeições onde tenham estado frutos de casca rija ou utensílios contaminados;
  • Evitar exposição a alergénio inalado (ex: sala onde estão a descascar amendoim) e evitar o contacto físico com amendoim;
  • Atenção às refeições de compra (caseiras ou não), nomeadamente as mais “exóticas” na qual o amendoim pode estar incluído;
  • Suprimir as gorduras não específicas: “gorduras vegetais”, “produtos proteicos vegetais” ou “óleo vegetal” incluindo óleo de amendoim;
  • Evitar o contacto com isco de pesca e comida de peixe e de pássaros, os quais podem conter amendoim;
  • Evitar produtos de higiene e beleza à base de óleo de amêndoas doces;
  • Evitar medicamentos que contenham óleo de amendoim na sua composição.

Frutos de casca dura que podem produzir alergia:

  • amendoim
  • amêndoa
  • avalã
  • coco
  • pinhão
  • noz
  • pistacho
  • sementes de sésamo

Alimentos processados que podem conter o alergénio:

  • Amendoim - manteiga de amendoim, rebuçados, pastéis e óleo de amendoim, gelados bolachas e cereais (muesli);
  • Amêndoa - pasdtéis, pastas, cremes, gelados, torrões, produtos de pastelqaria, sobremesas e bolos;
  • Avelã - Doces, chocolates, bonbons, licores, pratos de culinária e pão;
  • Coco - óleo de coco, leite de coco, muesli, produtos de pastelaria, chocolates e gelados;
  • Caju - alguns pratos de culinária e doces;
  • Noz - alguns pratos de culinária, doces, gelados, bolos e pão;
  • Pinhão - doces, enchidos (morcela) arroz com pinhões;
  • Pistacho - gelados, doces, biscoitos;
  • Sementes de sésamo - cereais, hambúrgers, molhos, saladas, massas orientais, bolachas, aperitivos, cones de gelado e pão.

(In: Manual Educacional de Alergia Alimentar na Restauração. DGS, Portugal, 2016)

Como identificar amendoim na rotulagem: Amendoim, óleo de amendoim, farinha de amendoim, manteiga de amendoim, aroma artificial de frutos secos, aroma natural, lecitina (E 322) proveniente de amendoim, proteína de amendoim hidrolisada, proteína vegetal, óleo vegetal, Arachis hypogea (em cosméticos).

Tabela 1. Exemplos de algumas preparações e produtos que devem ser evitados em caso de alergia ao amendoim com obrigatoriedade legal de constar em rotulagem. (Imagem retirada do Manual Educacional de Alergia Alimentar na Restauração. DGS, 2016)
Alergia ao amendoim e frutos de casca rija
Alimentos a excluir Amendoim. Amêndoa. Avelã. Coco. Caju. Noz. Pinhão. Pistacho. Sementes de sésamo
Alimentos processados que podem conter o alergénio Amendoim Manteiga de amendoim, rebuçados, pastéis e óleo de amendoim, gelados, bolachas, cereais (muesli)
Amêndoa Pastéis, pastas, cremes, gelados, torrões, produtos de pastelaria, sobremesas e bolos
Avelã Doces, chocolates, bombons, licores e pratos de culinária, pão
Coco Óleo de coco, leite de coco, muesli, produtos de pastelaria, chocolates, gelados
Caju Alguns pratos de culinária, doces
Noz Algumas confeções culinárias, doces, gelados, bolos, pão
Pinhão Doces, enchidos (morcela), arroz com pinhões
Pistacho Gelados, doces, biscoitos
Sementes de sésamo Cereais, hambúgueres, molhos, saladas, massas orientais, bolachas, aperitivos, cones de gelado, pão

Saber Mais

Alergia alimentar, noz, frutos de casca rija, testes cutâneos, IgE específica.

Bibliografia

  1. Abrams EM, Chan ES, Sicherer S. Peanut Allergy : New Advances and Ongoing Controversies. Pediatrics. 2020;145(5).
  2. Kim EH, Yang L, Ye P, Guo R, Li Q, Hill C, et al. Long-term sublingual immunotherapy for peanut allergy in children: Clinical and immunologic evidence of desensitization.J Allergy Clin Immunol. 2019;1–8. Available from: https://doi.org/10.1016/j.jaci.2019.07.030.
  3. Sindher S, Long A,, et al. Analysis of a Large Standardized Food Challenge Data Set to Determine Predictors of Positive Outcome Across Multiple Allergens. Frontiers in Immunology. (2018) 9:2689
  4. Programa Nacional para a Promoção de Alimentação Saudável. Manual Educacional de alergia alimentar na restauração. Direção Geral de Saúde, 2016.
  5. Grupo de Interesse de Alergia a Alimentos da SPAIC, 2017. Alergia Alimentar: conceitos, conselhos e precauções, 1a Edição. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica com apoio de Thermo Fisher.

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