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Introdução

A utilização de acessos vasculares é uma prática comum em neonatologia e permite a colheita de amostras de sangue, infusão de soluções, medicamentos e nutrição parentérica, bem como a monitorização hemodinâmica do doente. O acesso vascular pode ser efetuado por punção percutânea ou por dissecção cirúrgica do vaso sanguíneo a ser cateterizado. Os vasos sanguíneos utilizados podem ser veias e artérias. Existe ainda o acesso intra-ósseo, utilizado em situações de emergência, quando não é possível a colocação de acessos habituas.

Os acessos vasculares para técnicas específicas como ECMO e hemofiltração não são prática corrente na maioria das unidades de cuidados intensivos neonatais. A Tabela 1 resume as indicações para uso de acessos vasculares no recém-nascido. (1)

Tabela 1 – Indicações para acesso vascular no recém-nascido
INDICAÇÕES Uso Tipo de acesso vascular

Colheitas de amostras de sangue

Avaliação de parâmetros hematológicos, bioquímicos hemoculturas, outros

  • Punção venosa ou arterial, colheita através de cateter arterial ou venoso central.
  • A punção venosa periférica é o método de eleição para a colheita de hemoculturas

Colheitas de amostras de sangue arterial

Avaliação de gases do sangue, pH arterial, saturação de oxigénio, cálculo de índices ventilatórios
  • Cateter arterial umbilical ou periférico
  • Punção arterial

Reanimação

Administração de fuídos/volume, medicação, glicose, sangue e plasma fresco congelado

  • Cateter venoso umbilical
  • Acesso intra-ósseo (acesso de emergência quando os outros acessos não são possíveis) 

Situações emergentes

Para administração de fluídos, medicação, glicose, sangue e produtos de sangue, colheitas de amostras de sangue

  • Acesso venoso periférico
  • Cateter venoso umbilical (se ainda disponível)
  • Acesso intra-ósseo

Administração de produtos

Fuídos, nutrição parentérica total, medicação

  • Acesso venoso periférico
  • Epicutaneo-cava
  • Cateter venoso central (Broviac)

Administração de sangue total e concentrado de plaquetas

Transfusões

Exsanguíneo-transfusão total ou parcial

  • Acesso venoso periférico
  • Cateter venoso central (Broviac)
  • Cateter venoso umbilical
  • Cateter arterial umbilical e venoso umbilical para exsanguino-transfusão

Monitorização da pressão venosa central

Avaliação hemodinâmica

  • Cateter venoso umbilical (se a ponta passa o ductus venosus)
  • Cateter venoso central

Monitorização da pressão arterial invasiva

Doentes críticos, hipotensão, sempre que é necessário a monitorização da pressão intra-arterial

  • Cateter venoso umbilical
  • Cateter arterial periférico

Monitorização metabólica

Monitorização da oxigenação venosa

(SVO2) ou saturação de oxigénio venoso central (ScVO2) em doentes críticos, asfixia, hipotensão e choque

  • Catéter venoso central

ECMO

Suporte de vida extra-corporal

  • Cânula venosa (veia jugular interna direita) e arterial (artéria carótida comum) no ECMO veno-arterial
  • Cânula de duplo lúmen na aurícula direita no ECMO veno-venoso

Hemofiltração

Terapêutica de substituição renal

  • Cateter de 1 ou 2 lúmen em veia femoral ou cervical
Figura 1 – Veias frequentemente usadas no acesso venoso no recém-nascido
Acesso venoso

Acesso venoso periférico – Acesso rápido por punção percutânea, em situação emergente e não emergente, de curta duração (3-5 dias), para infusão de fluidos, medicação, nutrição parentérica e transfusões de sangue e derivados. Utiliza uma veia periférica dos membros, couro cabeludo ou jugular externa. Para colheitas de amostras de sangue podem ser efetuadas punções venosas periféricas. (1,2)

Tendo em vista a necessidade futura de colocação de acesso venoso de longa duração, as veias cubital, axilar, jugular interna, femoral e grande safena não devem ser utilizadas no acesso venoso de curta duração. (1)

Acesso venoso periférico por desbridamento – Quando a punção percutânea não é possível. As veias grande safena e antecubital são as mais usadas, mas as safena proximal, epigástrica inferior, axilar e femoral também podem ser usadas, (Fig. 1). (1)

Veia umbilical – O cateterismo da veia umbilical é o mais utilizado em situação de emergência na reanimação neonatal. A veia umbilical pode permanecer permeável e acessível até aos 7 dias de vida. No entanto, quanto mais tempo decorrer entre o nascimento e a sua permeabilização, maior será o risco de complicações.

O cateter venoso umbilical tem as mesmas funções dos cateteres venosos centrais e o ideal é que a sua utilização não ultrapasse os 5 a 7 dias, podendo, em caso de impossibilidade absoluta de obter outros acessos, prolongar-se a sua utilização com assepsia até aos 28 dias. O risco de infeção acima de 14 dias é muito elevado. Os cateteres umbilicais colocados em situação de emergência, habitualmente sem estritas regras de assepsia, devem ser retirados em 48 horas. Os cateteres umbilicais colocados após as 12 horas de vida associam-se a um risco elevado de infeção. A adição de heparina aos fluídos administrados é controversa (0,25-0,5 U/ml). É preferível o uso de cateteres com o mínimo de lumens possível, sendo a exceção os doentes candidatos a hipotermia que devem ter um CVU de duplo lúmen colocado desde o inicio. A ponta do cateter deve ficar num nível entre o diafragma e aurícula direita (0,5-1 cm acima do diafragma; 8ª,9ª vértebras torácicas) (Fig. 2), e a sua posição deve ser confirmada por radiografia e/ou se possível por ecocardiografia (maior acuidade que radiografia). (1,2)

Acesso central com cateter epicutâneo-cava – Estes são cateteres finos, longos, flexíveis e radiopacos inseridos perifericamente, por punção direta ou desbridamento, habitualmente nas veias periféricas cefálica ou basílica do membro superior ou safena no membro inferior, ficando a ponta numa veia central (veia cava superior nos cateteres colocados no membro superior e porção torácica da veia cava inferior nos cateteres colocados no membro inferior). A colocação é asséptica. Uma revisão da Cochrane e o American College of Chest Physicians recomendam a adição de heparina profilática (0,5 U/ml) às soluções a infundir. O trajeto e posição da ponta devem ser avaliados radiograficamente após a colocação e, devido à possibilidade de “migração”, reavaliados alguns dias depois e periodicamente (ex: semanalmente). O risco de infeção aumenta significativamente após as duas semanas de utilização. O cateter deve ser utilizado para perfusões de fluídos, medicamentos e nutrição parentérica; não deve ser utilizado para colheitas de amostras de sangue bem como para administração de transfusões de sangue ou derivados e líquidos viscosos devido ao risco de trombose/oclusão. Também não deve ser usado com ritmo de perfusão inferior a 0,5-1ml/hora, pelo risco de oclusão. (1-3)

Este tipo de acesso central é frequentemente usado no recém-nascido pré-termo com peso ao nascimento inferior a 1500 gramas que necessitam de nutrição parentérica por um período significativo.

Acesso venoso central de colocação percutânea – Cateteres de polietileno ou poliuretano, sem cuff podem ser colocados por via transcutânea, geralmente usando a técnica de Seldinger nas veias subclávia, jugular externa e interna, braquiocefálica, axilar e femoral. São usados por períodos até 2-4 semanas. Existem cateteres de múltiplo lúmen, com calibre 3 e 4 French para recém-nascidos. A sua colocação pode ser feita com anestesia local e sedação, mas frequentemente são colocados sob anestesia geral. (1,4)

Cateter Venoso Central Broviac – Cateter para longa duração (superior a 4 semanas), em silicone, colocado numa veia central após um trajecto subcutâneo tunelizado, com um cuff sobre o qual o tecido subcutâneo adere permitindo uma melhor fixação. Usado frequentemente nas veias centrais do pescoço (ficando a ponta imediatamente acima do coração) ou femoral e colocado sob anestesia geral. Este tipo de cateter é frequentemente utilizado em doentes com patologia do foro digestivo que impeça a alimentação entérica total e naqueles que têm necessidade de medicação por período de tempo prolongado.

Principais contra-indicações

As principais contra-indicações à colocação de um cateter venoso central são: trombocitopenia grave; alterações na coagulabilidade sanguínea devido a medicações ou patologias; diminuição do retorno venoso no local de colocação do cateter; infeção da pele ou tecido subcutâneo no local ou próximo do local proposto para a punção; alterações anatómicas estruturais, tumorais, aneurismáticas, trombose venosa profunda aparente ou confirmada, que possam tornar o procedimento impossível ou perigoso.

ACESSO ARTERIAL

No recém-nascido, o pequeno calibre dos vasos arteriais torna difícil a colocação de cateteres arteriais. A artéria umbilical é dos acessos mais frequentemente utilizados. O cateterismo arterial permite a monitorização da pressão arterial invasiva, acesso para exsanguino-transfusão, bem como a colheita de gases arteriais e amostras de sangue. Também permite infusão de fluídos se não houver disponibilidade de um acesso venoso, bem como a administração de vários fármacos não vasoativos, medicação de urgência, transfusões de sangue e derivados. (1)

Cateter arterial umbilical – Antes de iniciar a colocação, fazer a medição, de modo a que a ponta deste fique em posição alta (T6-T9) ou baixa (L3-L4), (Fig. 3). A posição alta é aconselhada, pois associa-se a menos complicações. A posição deve ser confirmada radiologicamente ou por ecografia. O cateter arterial umbilical não deve ser utilizado mais de 5 dias (risco de trombose aórtica). (1,2)

Deve se usada heparina – 0,25-1 U/ ml, para prolongar a permeabilidade do cateter.

Complicações como vasoespasmo, trombose, embolismo e enfarte podem ocorrer, obrigando a retirar o cateter. (1,2)

Cateter arterial radial – A artéria radial é acessível, não é uma artéria terminal e pode ser utilizada no recém-nascido após realização do teste de Allen para verificar a permeabilidade da artéria cubital. (1,2)

Cateter arterial femoral – Apresenta a vantagem de ser uma artéria de maior calibre e com maior pulsação e é uma alternativa à umbilical e radial. (1)

Cateter arterial braquial – A artéria braquial é uma artéria terminal e por isso não recomendada para canulação, no entanto, pode ser uma alternativa à radial. (1)

ACESSO INTRA-ÓSSEO

É praticamente reservado para situações agudas de emergência, quando não foi conseguido o acesso venoso habitual ou quando passaram mais de 90 segundos após tentativa de acesso vascular, sem êxito, num recém-nascido em choque ou paragem cardíaca. Os locais usados são a por ordem de preferência a tíbia proximal a tíbia distal e o fémur distal. (1)

Figura 2 – O cateter venoso umbilical é colocado acima do nível do diafragma. Determinar o comprimento (em cm) ombro-umbigo. Com este número, determine o comprimento do cateter a utilizar. Adicionar o comprimento do coto umbilical ao comprimento do cateter obtido pelo gráfico
Figura 3 – A ponta do cateter arterial umbilical pode ser colocada em uma de duas posições. Na posição alta a ponta deve ficar entre as vértebras torácicas T6 e T9. Na posição baixa deve ficar abaixo de L3. O gráfico ajuda a determinar o comprimento de cateter a introduzir para cada posição a partir da medição ombro-umbigo (em cm). Não esquecer de adicionar o comprimento do coto umbilical ao do cateter
Figura 4 - Coto umbilical

Evolução

Complicações

As complicações dependem da experiência do clínico, local envolvido, tipo de acesso, cateter usado, manipulação deste e cuidados de assepsia. Perfuração acidental do vaso, extravasão do fluido infundido, derrame pleural e peritoneal, tamponamento cardíaco, trombose, embolia, isquemia de membro, fratura, deslocação e migração do CVC e sépsis são complicações possíveis.

Qualquer acesso vascular, central ou periférico, deve ser prontamente removido logo que não mais necessário.

Recomendações

Normas de assepsia

É fundamental seguir normas de assepsia na colocação, manutenção e retirada de qualquer cateter. Estas incluem a higienização das mãos, uso de luvas, de material esterilizado e desinfeção da pele no local de colocação. A desinfeção da pele pode ser feita com solução alcoólica de gluconato de clorohexidina a 2% (esfregar durante 30 segundos e deixar secar durante 30 segundos; repetir segunda vez e lavar com soro fisiológico esterilizado para evitar queimaduras cutâneas, sobretudo no RN de extremo baixo peso) ou com solução aquosa de iodopovidona (considerada menos eficaz que a clorohexidina), deixando secar durante dois minutos após a sua aplicação. Após a utilização de iodopovidona, de modo a evitar a absorção cutânea do iodo que esta contém, está indicado lavar a zona desinfectada com soro fisiológico esterilizado.

Não há indicação para uso profilático de antibióticos na colocação de cateteres.

No ato da colocação, os cateteres não devem ser manuseados com as mãos ou luvas esterilizadas nem segurados com compressas, mas sim manipulados cuidadosamente com pinças, de modo a evitar deixar pequenas partículas invisíveis aderentes ao cateter que podem posteriormente causar tromboflebite.

O local de colocação deve ser protegido com penso estéril cujo aspeto deve ser avaliado diariamente. Pensos transparentes permitem melhor visualização. Com exceção dos pensos dos cateteres epicutâneo-cava, a Academia Americana de Pediatria recomenda substituição do penso e desinfeção local cada sete dias.

A manipulação das portas de entrada deve ser feita com uso de luvas esterilizadas, após desinfeção local com soluto alcoólico (clorohexidina) durante 15 segundos. Deve repetir-se a desinfecção após administrar a medicação.

A ocorrência de sépsis por Staphylococcus aureus, Staphylococcus lugdunensis, agentes gram negativos, fungos e micobactérias num recém-nascido com um cateter vascular central (CVC) é indicação para remoção do CVC. A bacteriemia persistente por Staphylococcus epidermidis (quatro ou mais hemoculturas persistentemente positivas ao longo do tratamento) é também indicação para remoção do CVC.

Verificação da localização da ponta do CVC

Não deve ser iniciada a perfusão no CVC sem que antes tenha sido verificada a localização da ponta deste por método imagiológico (radiografia e/ou ecocardiografia).

É importante verificar e corrigir a posição dos cateteres centrais, cuja ponta não pode ficar intracardíaca, pelos riscos de arritmia, perfuração cardíaca, tamponamento e endocardite. (1)

Bibliografia

  1. Rocha G, Soares P, Pissarra S, Soares H, Costa S, Henriques-Coelho T, Guimarães H. Vascular access in neonates. Minerva Pediatr 2017; 69(1):72-82. doi: 10.23736/S0026-4946.16.04348-6.
  2. Gomella TL, Cunningham MD, Eyal FG (eds). Neonatology, Management, Procedures, On-call Problems, Diseases and Drugs. LANGE, Clinical manual. Seventh edition. New-York, MacGraw-Hill Education, 2013.
  3. Alexandra Almeida, Olinda Pereira, Maria Teresa Neto, Paolo Casella. Consenso Nacional Sociedade Portuguesa de Neonatologia 2012 – Cateteres vasculares centrais no Recém-nascido. Recomendações para prevenção de infeção relacionada com ou associada a cateteres vasculares centrais. http://www.spneonatologia.pt/documents/consensuses/
  4. Araújo S. Acessos venosos centrais e arteriais periféricos – aspectos técnicos e práticos. Rev Bras Ter Intensiva 2003;15(2):70-82.

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