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Introdução

Definição

Uma ferida surge quando existe uma interrupção na continuidade do tecido corpóreo, provocada por um trauma físico, químico ou desencadeada por uma infeção.

Uma ferida aguda é aquela que por oposição às feridas complexas, cicatriza no tempo expectável, estando o processo de cicatrização sujeito aos mecanismos moleculares e celulares ordenados de reparação tecidular normal (hemóstase, inflamatória, proliferativa e remodelação) (1).

São exemplo de feridas agudas as feridas: cirúrgicas; traumáticas; queimaduras; abcessos, panarícios, entre outras, que podem surgir independentemente do sexo ou da idade.

Nas feridas agudas, as feridas traumáticas constituem um importante problema de saúde pública, com consequências globais. Este tipo de feridas engloba, situações de exposição a agentes físicos como energia mecânica, calor, eletricidade, substâncias químicas, armas de fogo e objetos contundentes, acidentes de viação.

Uma ferida traumática é uma solução de continuidade inesperada de tecido na superfície do corpo, associada a lesão mecânica devido a agressão ou acidente. Surge como uma lesão irregular da pele, mucosa ou tecido, com drenagem e perda de soro e sangue, associada a um tecido pouco limpo, sujo ou infetado (2).

De acordo com diversos autores, são habitualmente classificadas tendo em conta os seguintes aspetos gerais: integridade cutânea (i.e. feridas abertas ou fechadas); profundidades dos tecidos lesados (i.e. superficiais; espessura parcial; espessura total; espessura total com compromisso do compartimento subcutâneo) e tipo de lesão (i.e. incisas; contusas; perfurantes) (3).

Epidemiologia

Sousa no seu estudo sobre “Prevalência de Feridas em Moçambique” salienta que as feridas traumáticas têm tendência a aumentar na maioria dos países em desenvolvimento, incluindo em Africa, devido ao rápido crescimento do transporte motorizado e à segurança nem sempre adequada. Uma grande parte das feridas são causadas por acidentes de trânsito, quedas, queimaduras, agressões e picadas. (4)

Se em adultos esta é uma problemática relevante, em crianças as consequências podem ser ainda mais globais. Segundo a Organização Mundial de Saúde, mais de 950,000 crianças e adolescentes morrem todos os anos devida a acidentes que podem ser evitados. Este facto remete-nos para a importância de previrmos este tipo acontecimentos precipitantes destas feridas agudas.

História Clínica

Anamnese

Sobre as feridas traumáticas, desde o simples corte até uma lesão penetrante, é essencial a avaliação da Pessoa com a ferida, bem como o registo de todos os dados relacionados sobre a ferida (i.e. onde, quando, como aconteceu a ferida, quem assistiu). Neste tipo de feridas o controlo da hemorragia e a prevenção da infeção surgem como principais focos de atenção. É fundamental procurar perceber se a criança foi vacinada contra o tétano durante os últimos 5 anos, ou se não existe esse dado, quando foi a última vez que foi vacinada A perda de integridade cutânea fornece um ambiente húmido, quente e nutritivo, isto é, um ambiente perfeito para a invasão e proliferação de agentes patogénicos. Estes podem ser originários do próprio hospedeiro (e.g. pele, mucosas) ou do ambiente externo (e.g. superfícies).  

Exame objectivo

Face a uma ferida traumática é essencial proceder à inspeção preliminar da ferida para explorar corpos estranhos, como pedaços de vidro, pedras e perceber a verdadeira gravidade e dimensão da ferida. Dependendo da gravidade e local da lesão, o médico pode necessitar de exames complementares de diagnóstico (e.g. RX) para excluir outros traumatismos

Tratamento

Perante uma ferida traumática - Cortes/Lacerações não complicadas, e após a exploração da presença de corpos estranhos, deve-se:

Controlar a hemorragia (exceto o quando gotejar mínimo, deve controlar-se o sangramento, normalmente com pressão suave, contínua, antes do encerramento da ferida);

Ponderar anestesia local antes de limpar e/ou suturar, de forma a evitar dor;

Limpeza periférica da ferida - O objetivo é remover contaminação visível e sangue seco. A limpeza periférica isolada, sem irrigação a acompanhar, é insuficiente para a preparação da ferida. Atenção ao risco de traumatismo – todo o manuseamento deve ser suave;

Limpar a ferida de modo a prevenir a infeção (remover corpos estranhos ou tecido morto. Utilizar irrigação com uma seringa ou um escudo de salpicos. O agente de irrigação de eleição é o soro fisiológico (solução salina preferencialmente aquecida a 37 graus), por ser estéril e compatível com os tecidos corporais) mas também pode ser utlizada água potável e se risco aumentado de infeção, um antisséptico;

Ponderar antibioterapia;

Ponderar profilaxia antitetânica;

Encerramento: Nestas feridas abertas sangrantes (e não complicadas) a aproximação dos bordos da ferida é o tratamento de eleição. Este tratamento deve ser efetuado até 6 horas após o traumatismo.  Dependendo do tipo de ferida, da criança e da localização da ferida, pode-se usar fitas para feridas ou adesivos tecidulares, agrafos próprios ou linhas de suturas, por um médico ou enfermeiro, caso seja necessário;

Nos primeiros dias, habitualmente 48-72 h, estas feridas não devem ser molhadas, para não atrasar o processo de cicatrização, nem promover condições ideais para proliferação bacteriana;

As fitas devem ser mantidas no local durante, tanto tempo quanto as suturas deveriam ficar, de acordo com a área anatómica em questão. Deve ter cuidado em não molhar, porque uma remoção prematura da fita, pode conduzir à sua deiscência).

Nas feridas por mordedura animal, mais frequentes em crianças entre os 5 e 14 anos, o risco de infeção é mais elevado. Destas 75% ocorrem nas extremidades e os principais causadores são os cães e gatos. Recomenda-se o uso de antisséptico (por exemplo iodopovidona) para a limpeza e pode ser necessário desbridamento. Pode ser necessária a administração de profilaxia pós-exposição à raiva. Em episódios de mordedura de roedores e lagomorfos é recomendada orientação a partir das autoridades locais de saúde pública.

Nas feridas por abrasão:

Nas escoriações superficiais, a limpeza e desinfeção pode ser suficiente, ficando a ferida preferencialmente sem penso.

No entanto, as que estão próximas do olho ou na face, que possuem muitos detritos (i.e. pedras ou cascalho) que mostrem sinais de infeção (i.e. calor, eritema, edema, exsudado purulento) ou que cobrem uma grande área do corpo, devem ter uma avaliação mais cuidadosa:

Avaliação conjunta pelo médico;

Lavagem da pele e da ferida muito cuidadosa, como referido anteriormente

Ponderar antibioterapia sistémica

Utilização de material de penso antimicrobiano como penso primário

Monitorização cuidadosa da evolução da ferida

Os materiais a utilizar devem ter a capacidade de criar as condições ideais para a cicatrização, sendo que a sua escolha deve ser em função da profundidade de tecido atingido, do tipo de tecidos presentes e quantidade e tipo de exsudado. Não obstante devem ser capazes de criar um ambiente húmido, controlar níveis de exsudado, permitir trocas gasosas, favorecer uma temperatura adequada e constante e proteger a ferida link. http://www.care4wounds.com/ebook/flipviewerxpress.html

Em crianças o desafio na abordagem deste tipo de feridas é para além de técnico, emocional. Tempo gasto na preparação da criança é tempo ganho no final. Manter a comunicação, encorajar a participação nos cuidados, realçar a capacidade da criança dominar a situação e explicar todos os procedimentos são fundamentais. Podem ser ainda importantes, medidas de contenção para o tratamento destas feridas, em caso de agitação.

Evolução

Nas feridas traumáticas incisionais  que foram encerradas com sutura:

A remoção dos pontos de sutura aplicados na pele devem ser removidos dependendo da idade da criança, da zona do corpo onde está a ferida e sua extensão e ainda segundo indicação médica. Em média:

Face - 3 a 5 dias

Couro cabeludo, braços - 7-10 dias

Tronco, mãos, pernas e pés - 10-14 dias

Planta das mãos e pés - 14- 21 dias (5)

Depois de removidos os pontos, durante as duas semanas seguintes a cicatriz deve ser massajada com um creme hidratante, evitando a formação de cicatrizes deformadas.

Todas as cicatrizes devem ser protegidas da radiação solar, através de uso de vestuário adequado, ou quando a exposição é inevitável, pela utilização de proteção solar ecrã total reaplicado várias vezes.

Recomendações

Outros aspetos na abordagem da ferida

- Lavagem das mãos antes e depois do tratamento local;

- Precauções do pessoal que trata da ferida (por exemplo luvas, óculos e bata);

- Remoção dos pêlos na zona da ferida (ponderar se é mesmo necessário aquando sutura, porque pode causar outras feridas pequenas cutâneas e mesmo aumentar o risco de infeção. Nas sobrancelhas não é de todo recomendado).

- Encharcamento da ferida (pode levar à libertação de detritos, desfaz o coágulo sanguíneo e ajuda a esterilizar a ferida. Mas atenção que não é substituto da limpeza mecânica minuciosa da pele e irrigação da ferida).

- Evite retirar crostas ou escarificar a ferida.

Bibliografia

1. Menoita, E. In: Gestão de Feridas Complexas. Capitulo 10: Preparação do Leito da Ferida: DIM+E; p.179-183 (2015) Lusodidacta.

2. Conselho Internacional de Enfermeiros. Classificação Internacional para a prática de enfermagem  (CIPE/ICNP): versão 2. Edição Portuguesa (2011) Ordem dos Enfermeiros

3. Alves, P. et al . Prevenção de tratamento de feridas – da evidência à prática. Capitulo 6 - (2014); Ferida traumática in care4wounds.com, disponível em http://www.care4wounds.com/ebook/flipviewerxpress.html

4.Sousa, Prevalência de Feridas em Moçambique – Dissertação de Mestrado em Feridas e Viabilidade Tecidular, (2012). Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa.

 5 . Forsch, Randall - Essentials of Skin Laceration Repair, American Family Physician, (2008),  Vol. 78, N 8, Octo 15

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