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Introdução

Definição

Um abcesso mamário é uma coleção localizada de pus no tecido mamário e desenvolve-se mais frequentemente como complicação de uma mastite/celulite não tratada ou que não responde à antibioterapia. Contudo pode também ser a primeira manifestação de uma infeção mamária.

Os abcessos podem ser classificados em puerperais ou não puerperais, apresentando diferentes fatores de risco e conduta. Neste artigo serão abordados os abcessos puerperais.

Epidemiologia

Os abcessos puerperais ocorrem em 1-24% das mulheres que amamentam nas primeiras 12 semanas após o parto ou na altura do desmame.

Os fatores de risco são uma primeira gravidez numa mulher com idade superior a 30 anos, gravidez com idade gestacional superior a 41 semanas e diagnóstico de mastite.

Surgem em cerca de 3-11% das mulheres com uma mastite apesar da antibioterapia.

História Clínica

O diagnóstico de abcesso mamário é clínico e deve ser suspeitado na presença de uma região localizada da mama dolorosa, com sinais inflamatórios e associada a febre, mal-estar geral e uma massa palpável, com flutuação. O diagnóstico pode ser confirmado através de ecografia mamária, verificando-se uma coleção de fluido no parênquima mamário.

A mastite e o abcesso mamário podem estar presentes simultaneamente ou o abcesso pode ocorrer 5-28 dias após o tratamento da mastite.

Neste caso, além dos sintomas de mastite (mastalgia, calor na mama, tensão mamária, edema mamário, eritema mamário, diminuição do fluxo de leite, febre, mal-estar geral, mialgias, adenomegalias axilares), no abcesso mamário surge também na mama afetada uma massa bem circunscrita com flutuação. A massa por vezes pode não ser palpável, se tiver uma localização mais profunda.

Os abcessos mamários puerperais geralmente localizam-se na região periférica da mama. No início estão confinados a um único segmento da mama mas posteriormente podem progredir para vários segmentos.

Diagnóstico Diferencial

evem ser considerados os seguintes diagnósticos diferenciais:

  • Ducto entupido – área localizada de estase de leite no ducto mamário que provoca distensão do tecido mamário. É possível palpar um nódulo tenso. É feito o diagnóstico diferencial com abcesso mamário pela ausência de sintomas sistémicos.
  • Galactocelo, ou cisto de retenção de leite – coleção quística de fluido que é geralmente causada por um ducto mamário obstruído. Apresentam-se como massas quísticas moles, sem tensão e sem manifestações sistémicas associadas. A ecografia pode mostrar um quisto simples com conteúdo de leite ou uma massa complexa. A confirmação do diagnóstico pode ser feita através da história clínica e aspiração por agulha, com saída de uma substância leitosa. Por vezes acontece a infeção do galactocelo, mimetizando um abcesso mamário, sendo necessária a sua aspiração e posterior exérese.
  • Cancro inflamatório da mama – deve ser considerado se a infeção da mama não resolve com o tratamento apropriado. As manifestações clínicas incluem o espessamento cutâneo devido a edema, eritema e aspecto “casca de laranja”. Está frequentemente associado a adenomegalias axilares e o diagnóstico é feito através de biópsia.

Exames Complementares

Patologia Clínica

Para avaliar a resposta terapêutica pode ser útil a realização de hemograma e doseamento de proteína C reativa.

No caso de infeção grave com suspeita de sépsis, devem ser realizadas hemoculturas.

A cultura do leite materno pode ser útil para a escolha do antibiótico em casos de infeção grave, adquirida em meio hospitalar ou na ausência de resposta à terapia antibiótica inicial. Contudo, nem sempre a cultura nos dá informação clinicamente relevante, por ser de difícil interpretação dado o tipo de isolamentos ser de microorganismos da pele.

Em casos recorrentes de abcesso puerperal, pode ser útil a realização de culturas da cavidade oral e nasofaringe da mãe e lactente para determinar se são portadores de estafilococus aureus.

Imagiologia

A ecografia é um meio de diagnóstico útil na avaliação inicial do abcesso mamário e é o meio imagiológico preferencial para todas as infeções mamárias, qualquer que seja a faixa etária.

O abcesso mamário apresenta-se como uma lesão hipoecóica que pode ser bem circunscrita, macrolobular, irregular ou mal definida com eventuais septos.

A ecografia também permite a aspiração de agulha fina para drenar o abcesso com intuito diagnóstico e/ou terapêutico. A saída de material purulento confirma o diagnóstico e a amostra pode ser enviada para citologia para exclusão de malignidade ou para microbiologia de forma a guiar a antibioterapia pelo teste de sensibilidade.

Dado que frequentemente nesta fase as doentes já estão sob antibioterapia, poderá ser difícil obter algum resultado positivo.

Tratamento

Devem ser recomendadas medidas de conforto a todas as doentes, tais como analgesia (ibuprofeno como primeira linha, paracetamol como alternativa), aplicação de compressas quentes e extração eficaz do leite da mama afetada.

A antibioterapia é a primeira linha do tratamento do abcesso mamário.  O organismo mais frequente é o S. aureus, que tradicionalmente era tratado com dicloxacilina, flucloxacilina (250-500 mg per os ou 0.5 a 2 g ev a cada 6 horas) ou uma cefalosporina de 1ª geração. Contudo, com o aumento da incidência de estafilococos aureus meticilina resistentes (MRSA), deve ser considerado alargar a cobertura antibiótica com clindamicina (150-300 mg per os a cada 6 horas), doxiciclina (100 mg per os a cada 12 horas, contraindicado na amamentação) ou cotrimoxazol (160/800 mg per os a cada 12 horas; não usar no período neonatal,  nem em prematuros ou ictéricos, nem em crianças com déficit de G6PD). A duração do tratamento deve ser 7-10 dias e a decisão entre iniciar antibioterapia oral ou endovenosa deve ser guiada pela gravidade da situação clínica.

Na escolha do antibiótico também deve ter-se em conta que Portugal é um país com uma incidência elevada de MRSA (47,2% em 2015 segundo a DGS).

É importante a reavaliação do tratamento em 48 horas, ajustando-o se não houver resposta terapêutica ou se estiver disponível microbiologia com TSA. Se for isolado um microrganismo gram negativo, pode ser usada uma cefalosporina de 3ª geração (ceftriaxone ou cefotaxima), que permite a amamentação durante o tratamento.

Poderá ser necessário o internamento hospitalar (com acompanhamento da criança para se manter a amamentação) se:

  • sinais de sépsis (taquicardia, febre e arrepios);
  • infeção com progressão rápida;
  • instabilidade hemodinâmica;
  • imunodepressão.

Nestes casos de infeções graves em doentes hospitalizados com suspeita de infeção a MRSA, poderá ser administrada vancomicina (15 mg / kg ev / 12 horas).

No entanto, os abcessos mamários raramente resolvem apenas com recurso a antibioterapia, necessitando geralmente de drenagem associada à antibioterapia.

Existem duas possíveis abordagens cirúrgicas: drenagem percutânea ou drenagem cirúrgica.

A drenagem percutânea tem uma taxa de resolução sem cirurgia de 54-100%, dependendo dos estudos. Evita-se assim a necessidade de anestesia geral, mudanças de penso cirúrgico, maior duração de cicatrização e eventual interrupção da amamentação.

Para a drenagem percutânea deve ser utilizada uma agulha de 18-21 gauge e anestesia local adequada, com ou sem o auxílio ecográfico. Após a aspiração do pus, a cavidade do abcesso deve ser irrigada com lidocaína a 1% com adrenalina e/ou soro fisiológico. A aspiração permite o alívio da dor e tem bons resultados cosméticos.

Por vezes são necessárias múltiplas aspirações (diariamente por 5-7 dias) para a drenagem ser completa. Assim, a drenagem percutânea deve ser realizada até que não seja visivel nenhum fluido ecograficamente ou até que o fluido aspirado não contenha pus, após a irrigação da cavidade do abcesso.

Se a pele sobrejacente tiver uma aparência fina ou necrótica, deve ser realizada a drenagem cirúrgica do abcesso sob anestesia local, utilizando uma pequena incisão feita com lâmina nº 15, fazendo a excisão da pele necrótica. A cavidade deve ser irrigada com uma solução de anestésico local e o procedimento repetido até que não haja saída de exsudado e seja possível encerrar a ferida. Geralmente é um procedimento passível de acontecer em ambulatório e sem recurso a anestesia geral.

Uma outra abordagem é a drenagem cirúrgica com uma incisão maior, implicando que a doente esteja sob anestesia geral e resultando num pior resultado cosmético sem melhoria da resolução da infeção. Por isso deve ser reservada a situações em que a drenagem percutânea ou através de uma pequena incisão falham ou quando o abcesso tem grandes dimensões (>5cm de diâmetro) ou é multiloculado.

A colocação de um dreno percutâneo e/ou empacotamento da cavidade raramente é útil na resolução atual dos abcessos mamários. Contudo, se houver uma grande quantidade de pus, pode ser benéfica a utilização de um catéter de drenagem.

A antibioterapia deve ser mantida por até 10 dias após a drenagem do abcesso.

Caso o abcesso seja

A amamentação deve ser mantida desde que a incisão cirúrgica da drenagem não interfira com a mesma. Múltiplos estudos mostraram que a criança pode continuar a alimentar-se dessa mama, não havendo risco de transmissão da infeção, mesmo que o S. aureus seja o agente causal da infeção.

Caso não seja possível manter a amamentação na mama afectada, o leite deve ser regularmente extraído manualmente ou com recurso a bomba.

Evolução

A estase do leite é um fator de risco para o agravamento da infeção mamária. Assim, é fundamental que o leite seja removido (através da amamentação ou extração com bomba ou manual) frequentemente da mama afetada para que a infeção seja tratada.

A recorrência pode estar associada a terapêutica antibiótica muito curta, com início tardio ou inapropriada, ou a portadores de Estafilococus. Pode também ser devida a lesão mamária subjacente e por isso deve ser investigada apropriadamente para excluir neoplasia. Uma outra causa para recorrência é a lesão do mamilo que deve ser também tratada.

A cessação tabágica deve ser encorajada com o intuito de diminuir o risco de recorrência de abcesso mamário.

Caso ocorra a ruptura de um abcesso, esta pode levar a uma fístula mamária que pode permitir a drenagem de leite através da pele. Esta complicação é mais frequente após drenagem cirúrgica extensa com colocação de dreno do que após aspiração ou mini-incisão. A fístula pode resolver espontaneamente ou necessitar de cirurgia.

Recomendações

Para melhor os resultados, parece ser útil uma abordagem padronizada e sistemática ao abcesso mamário. 

Relativamente à amamentação, esta não é contraindicada após o diagnóstico de abcesso mamário mesmo após drenagem cirúrgica. A amamentação pode inclusivamente ser uma parte importante do tratamento do mesmo, ao permitir o esvaziamento mamário frequente, levando a uma diminuição da duração dos sintomas e melhor desfecho.

Caso não seja possível a amamentação, a mulher deve ser aconselhada a realizar a extração manual ou com bomba para manter a produção de leite até que consiga retomar a amamentação, mantendo a amamentação na mama não afetada.

Bibliografia

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